O sucesso eleitoral dos partidos anti-euro deverá fazer subir os diferenciais das taxas de juro entre a Alemanha e a periferia, em particular em Portugal
O ano de 2017 poderia ser de continuação de recuperação da crise de 2008, mas as incógnitas políticas poderão impedir que assim seja.
A maior destas incertezas deverá ser a presidência Trump, que poderá iniciar uma guerra comercial com a China, sendo difícil de antecipar até subirão e se espalharão as hostilidades.
As negociações do Brexit deverão iniciar-se e poderão oferecer-nos um olhar sobre o futuro da UE. Será que os líderes europeus vão tomar consciência dos erros cometidos, que provocaram o Brexit, ou vão castigar quem se atreveu a dizer que o rei ia nu? Temo que seja a segunda via a escolhida.
O que faria mais sentido é que a UE fosse reformada – leia-se aligeirada – para que estar neste espaço fosse mais atraente, o que até poderia, no limite, evitar a concretização do Brexit. Infelizmente, o caminho que parece que será trilhado deverá ser o de pretender manter os actuais membros, com a ameaça do mal que poderá decorrer da saída, tal como já sucede hoje com euro, em que os países participam só porque o divórcio é horrível. Durante algum tempo, esta estratégia poderá funcionar na prática, mas com o custo de alimentar um ressentimento crescente, que, quando explodir, não será nada bonito de se ver.
Na Europa continental, há um conjunto significativo de eleições, em Março na Holanda, na Primavera em França, no Outono na Alemanha, no início de 2018 (ou antes, se o governo não aguentar até lá), em Itália.
Todas estas eleições têm um padrão comum: os partidos anti-euro e anti-imigração estão em crescendo nas sondagens. Neste momento, as perspectivas de vitória são limitadas, mas quantos ataques terroristas haverá nos próximos meses e qual será o seu impacto na atracção destes partidos? Pior ainda, quantos abstencionistas é que se transformarão em eleitores destes partidos anti-sistema?
Uma coisa parece certa: os investidores deverão aumentar a probabilidade atribuída ao fim do euro, mesmo que esta probabilidade permaneça claramente abaixo dos 50%. Isto implica um aumento do diferencial de taxas de juro entre a Alemanha e os países periféricos, com destaque para Portugal, que é hoje o país em pior posição, a seguir à Grécia.
Em termos bancários, será que assistiremos ao colapso de um gigante europeu?
No nosso país, as incógnitas políticas também não são menores. Para além de eventuais efeitos externos, que até poderão ser fatais, como a referida subida das taxas de juro, os dois dados principais são as eleições autárquicas no Outono e a preparação do orçamento para 2018, na mesma altura.
Dada a quase abstenção do PSD e a cobertura limitada do CDS, o PS poderá ter uma vitória significativa nas autárquicas. Se as sondagens se mantiverem favoráveis, poderá ser interessante para António Costa demitir-se para governar com uma base mais estável do que actualmente e para sair do sufoco das negociações com os parceiros, sobretudo sobre o orçamento. Aliás, o orçamento de 2018 está sob risco, porque há um conjunto de medidas de aumento da despesa que só vigoram parcialmente durante 2017, aplicando-se durante todo o ano seguinte. É claro, e convém insistir, que a conjuntura externa pode estragar tudo isto.
A única certeza é que 2017 deverá ser também um ano “interessante”.
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Pensar a cinco anos
As mudanças trazidas
por 2016, deveriam levar-nos a pensar que os próximos cinco anos deverão trazer
alterações profundas no euro, nos fundos comunitários e na própria UE.
Julgo que poucos duvidarão que os historiados futuros
considerarão o ano de 2016 como de viragem. Quer o Brexit, quer a eleição de
Trump representam um corte com as tendências políticas do pós-guerra, de
integração europeia no primeiro caso e abertura ao exterior no segundo, para
além de também terem em comum o facto de terem sido negados até à véspera.
Ainda não sabemos quais são as alterações que se seguem, mas podemos
conjecturar algumas delas num prazo de, digamos, cinco anos. Tal como nos casos
referidos, muitos as negarão até se verem confrontados com elas.
O fim do euro é certamente algo a ponderar neste prazo,
porque as tensões de desagregação da UE são fortes e a moeda europeia está na
base de muitas destas dificuldades e enfrenta uma crescente oposição política
em inúmeros países.
Fora do euro, Portugal ficará numa posição muito mais frágil,
e tanto mais frágil quanto mais erros cometer antes do final desta moeda. A
razão porque a DBRS nos salvou do lixo foi por acreditar no enquadramento do
euro como fortemente disciplinador do país. Sem euro, essa rede de segurança
desaparece e ficamos muito mais sozinhos. Aí, o que passa a contar é a nossa
história nacional e ela não é brilhante nem antes do euro nem durante.
Conseguem imaginar os custos brutais de acrescentar a isso uma restruturação da
dívida? Um problema de reputação não é muito caro dentro do euro, mas é
caríssimo fora da moeda única.
Uma razão adicional para nos portarmos bem é que as
condições de saída do euro não estão definidas e quanto melhores as nossas
“notas”, mais poder negocial teremos.
Com a diminuição da solidariedade europeia em curso, não
custa nada imaginar que o orçamento comunitário, se existir, será muito menos
generoso a partir de 2021, pelo que, por esta via, também ficaremos mais
dependentes de nós próprios.
A própria UE, se sobreviver aos próximos cinco anos, será
uma versão empalidecida da de hoje, mais enfraquecida e desprestigiada.
O que isto implica para Portugal, é que precisamos de ser
muito “bom aluno” e fazer o trabalho de casa para nos prepararmos para um mundo
em que não podemos contar muito nem com a solidariedade nem o prestígio da UE.
Temos que ter as contas públicas na ordem, sem artifícios
nem ilusões, e precisamos de reformas estruturais sérias para sairmos da
estagnação dos últimos 16 anos. A nossa envolvente vai-se deteriorar e se não
nos prepararmos, vamos pagar caro por isso.
É claro que se nenhum destes riscos se materializar, não
perdemos nada em nos termos portado bem, muito pelo contrário. Ou seja, não há
desculpa nenhuma para evitar fazer o que precisa de ser feito.
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Reestruturar a dívida?
Reestruturar a dívida
pública levaria o sistema bancário à falência e exigiria um novo resgate da troika. Têm a certeza que é isso que querem?
Em relação aos mais variados assuntos é muito importante
distinguir entre objectivos e instrumentos. O objectivo é aquilo que
verdadeiramente interessa, enquanto os possíveis instrumentos são completamente
secundários, devendo ser escolhidos com flexibilidade e inteligência, sendo
absurdo qualquer tipo de finca-pé em relação a um instrumento específico.
No caso da dívida pública, o objectivo – totalmente
consensual – será diminuir o peso dos seus encargos. No caso português, quais
são os instrumentos possíveis para alcançar isto? Um primeiro instrumento, que
é um objectivo em si mesmo e até mais importante do que diminuir o peso da
dívida, é crescer de forma robusta e sair da estagnação dos últimos 16 anos.
Com mais PIB, o rácio da dívida sobre o PIB irá diminuindo naturalmente, para o
mesmo nível de défice público.
Se queremos crescer mais não devemos reverter as reformas do
tempo da troika cujo objectivo era
exactamente esse, nomeadamente no mercado de trabalho, nem afugentar
investidores com reversão de privatizações e contratos de concessão.
Um segundo instrumento para diminuir os encargos com a
dívida é reduzir o défice público, o que ajuda por duas vias: porque a dívida
se vai reduzindo e porque o bom comportamento se traduz em taxas de juro mais
baixas.
O caminho não é certamente assustar investidores (da
economia real), que leva à desaceleração da economia, que faz cair as receitas
fiscais, que coloca as metas orçamentais em causa, que afasta investidores
financeiros e faz subir as nossas taxas de juro.
Há quem avance com um terceiro instrumento, a reestruturação
da dívida. Como é que este instrumento se compara com os anteriores e como é
que se relaciona com eles? Desde logo, tem que se reconhecer que o primeiro
instrumento – crescer – é muito mais importante do que este terceiro
instrumento, porque é um objectivo em si mesmo, do qual depende tudo o resto,
desde a criação de emprego até à preservação do Estado social. É certamente
absurdo tomar medidas que impedem o crescimento e depois vir defender a
reestruturação da dívida.
Em seguida tem que se dizer, que uma reestruturação da
dívida implica ficar fora dos mercados financeiros durante um período
significativo, porque tão cedo não conseguiremos que haja quem confie em nós.
Ou seja, o terceiro instrumento pressupõe a aplicação do segundo instrumento e
um novo resgate da troika. É que a
banca portuguesa iria toda à falência, porque são dos grandes investidores em
dívida portuguesa. Como é que um Estado sem acesso aos mercados financeiros
poderia recapitalizar todo um sistema bancário falido?
Como é óbvio, a troika
iria impor medidas para conseguir os dois primeiros instrumentos referidos.
Aliás, não faria qualquer sentido reestruturar a dívida e deixar intacto o que
nos levou a uma dívida muito elevada (fraco crescimento e défices excessivos).
Em relação às taxas de juro pós-reestruturação, convém
recordar que na Grécia, que já fez uma restruturação, as taxas de juro só há
poucos meses é que diminuíram para menos de 8%. Em Portugal, no final de 2015,
estavam em 2,5% enquanto em Espanha se fixavam nos 1,8%. Entretanto, no nosso
vizinho caíram para 1,5%, como na generalidade dos países europeus, enquanto em
Portugal subiram para 3,8%, graças às “excelentes” escolhas deste governo. Com
medidas melhores, elas poderiam estar entre 2% e 2,5%, enquanto com uma
reestruturação é facílimo que ultrapassassem os 5%. Ou seja, mesmo que
conseguíssemos cortar a dívida em metade (no mais fantasioso delírio), nem isso
faria diminuir os encargos com juros. Para já não falar em como ficarmos com o
carimbo de “caloteiros” seria um desastre para a atracção de investimento e
criação de emprego.
Concluindo: o instrumento reestruturação para o objectivo de
reduzir os encargos com a dívida é não só pior do que os outros instrumentos
disponíveis, como até contraproducente. Será excessivo pedir que se adopte uma
abordagem racional?
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
E agora, Itália?
O “não” italiano de
Domingo colocou o país mais próximo de um referendo à permanência no euro.
1. O sistema constitucional italiano, tal como o português,
está, ironicamente, muito influenciado pela ditadura passada. Em Itália, o
sistema eleitoral dificulta a criação de governos maioritários e o facto de
haver um Senado e uma câmara baixa dificulta a aprovação de legislação. Em
Portugal, existe o primeiro problema, que se foi atenuando ao longo do tempo.
A ironia maior desta situação é uma ditadura ter uma
influência tão longa e perversa sobre o regime que a substitui. O receio da
concentração de poderes leva a criar um sistema de governo instável e lento a
tomar decisões o que dá um mau nome à democracia. A má reputação da democracia,
por seu lado, poderia dar popularidade a uma tentação autoritária que,
felizmente, não se tem materializado. Há aqui uma enorme perversão: o medo da
ditadura cria condições para o seu retorno.
A reforma referendada no domingo passado em Itália tinha o
objectivo de retirar quase todos os poderes ao Senado, justamente com o
propósito de agilizar a tomada de decisões. O argumento contra o medo da
ditadura fascista do passado fez-se ouvir, bem como críticas à qualidade da
reforma apresentada, nomeadamente por conter uma norma segundo a qual um
partido que ganhe as eleições com 40% teria um bónus de deputados por forma a
ficar com 56% dos deputados no parlamento. Qualquer que seja a importância
relativa destas duas críticas, a reforma foi claramente chumbada e o primeiro
ministro demitiu-se, como tinha prometido, embora houvesse professores de
ciência política que não acreditassem que cumprisse esta promessa.
O que se segue, no plano político, tanto poderá ser um novo
governo, liderado pelo próprio Renzi ou outro, até às eleições do início de
2018, ou eleições antecipadas. Seja qual for o momento que se realize um novo
acto eleitoral, o partido de Beppe Grillo está bem colocado nas sondagens e já
prometeu um novo referendo, desta vez à permanência do euro. O euro pode não
ser a causa dos problemas italianos, mas desde a sua entrada nesta nova moeda
só houve um país com um desempenho pior do que a Itália, a Grécia, pelo que é
impossível sobrevalorizar o impacto desestabilizador dum tal referendo.
No plano económico, a salvação do sistema bancário italiano
sofre um duro golpe, ficando muito mais difícil de concretizar num cenário de
múltiplas incertezas.
2. Hoje em dia, a história é subvalorizada, sendo pouco ensinada
na sua componente política, que é “mestra da vida”. No entanto, é indesmentível
que a chegada do exército otomano às portas de Viena, no século XVIII, tem um
peso importante no inconsciente colectivo da Áustria e da Hungria.
A última vez que Portugal esteve em guerra com Espanha foi
entre 1640 e 1668 e, mesmo assim, ainda não há muito tempo se olhava com grande
desconfiança em relação aos nossos vizinhos, com quem partilhamos inúmeras
características.
Em contrapartida, a Hungria tem uma história de invasões (a
última foi em 1956) e subjugação a poderes externos e é impossível que a
passagem de multidões de refugiados não faça vir ao de cima todos os medos do
inconsciente colectivo desta nação. Não se pode pedir a este país o mesmo que a
países com uma história mais tranquila.
No caso da Áustria, como centro de império, mais dono do seu
próprio destino, poderá não haver tantos receios como no caso da Hungria, mas o
trauma de assistir a Viena ameaçada está presente no inconsciente colectivo
deste povo e estará a ser reacendido pelo afluxo de refugiados de culturas
muito distintas.
Desta vez, a extrema-direita não ganhou as eleições, mas
obteve quase 47% dos votos, pelo que poderá chegar ao poder numa próxima
eleição.
A obsessão pela uniformização na UE, em vez da promoção de
liberdade, geradora de soluções mais criativas, está a levantar cada vez mais
problemas. Não se pode obrigar Estados com histórias completamente diferentes a
terem hoje as mesmas políticas, porque o passado carrega um peso significativo.
[Publicado no jornal online ECO]
sábado, 3 de dezembro de 2016
Trump e Portugal
Trump deverá,
indirectamente, levar o BCE a deixar de comprar dívida pública portuguesa,
cujas taxas de juro deverão subir e ficar mais vulneráveis.
Trump é simultaneamente imprevisível e incoerente e esta
segunda característica reforça a primeira. Quer uma América mais isolacionista,
mas pretende aumentar a despesa em Defesa. Qual dominará?
Em termos económicos já disse que queria um programa de
estímulo, mas também mais proteccionismo. Em relação ao estímulo, teme-se que
em vez de investimentos financiados com dívida pública, com taxas de juro muito
baixas, apesar do efeito da sua eleição as ter subido, pretende entrar nas
famigeradas parcerias público-privadas, com os contratos mais nebulosos
possíveis (isto faz-vos lembrar alguma coisa?), para alimentar amigos e
provavelmente receber comissões com isso.
O expansionismo orçamental previsto deverá acelerar a
economia, que ainda apresenta uma folga significativa, apesar de a taxa de
desemprego já estar muito baixa, reforçando a apreciação do dólar, que já se
iniciou por antecipação.
Ora esta apreciação do dólar deverá alargar o défice externo
americano, num movimento oposto ao desejado por impulsos proteccionistas, pelo
que é possível que estes se intensifiquem algum tempo depois.
Na Europa em geral e em Portugal em particular podem
estimar-se dois efeitos positivos, da depreciação do euro e do contágio do
dinamismo americano ao continente europeu, quer por vida directa (do que
exportamos para os EUA), quer indirecta (do que exportamos para os países que
exportam para os EUA). Resta um efeito potencialmente negativo, que se prende
com a incerteza que deverá rodear a futura política económica e também militar
da maior potência mundial.
A depreciação do euro deverá ter impacto sobre a inflação da
zona euro, que o BCE estimava, em Setembro, que aceleraria para 1,2% em 2017 e
1,6% em 2018. Dado que a política monetária tem um desfasamento muito longo
sobre os preços (6 a 8 trimestres), o BCE deverá dar uma atenção especial às
previsões para 2018, já muito próximas da sua meta de inflação (“abaixo mas
perto de 2%”) que deverão ser claramente revistas em alta devido à evolução
cambial do euro. Deve ainda acrescentar-se que, infelizmente, o BCE encara a
sua meta de forma assimétrica, considerando pouco importante ficar muito abaixo
da meta, mas muito grave ficar um pouco acima dela.
Por isso, é mais do que provável que em Março do próximo
ano, quando cessa o programa de expansão quantitativa em vigor, ele não seja
substituído por mais nenhum outro e o BCE deixe de comprar dívida pública
portuguesa. Ou seja, aos efeitos atrás referidos há que acrescentar este,
deixando Portugal de estar anestesiado pela política do BCE e passando as
nossas taxas de juro a ficar muito mais vulneráveis. Isto não tem que se
traduzir necessariamente numa subida mais acentuada das taxas de juro da que se
verificar nos outros países (que é quase certo que venha a acontecer pela
alteração das políticas do BCE), mas vai implicar que os mercados vão ser
capazes de exercer uma vigilância mais apertada sobre as nossas políticas e
orçamentais. Na perspectiva do país, não se pode dizer que isso seja negativo,
mas na óptica do governo e seus apoiantes, o caminho ficará mais estreito.
[Publicado no jornal online ECO]
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Reconhecer os erros
Os dados do PIB do 3º
trimestre deveriam levar o governo a reconhecer, sem qualquer ambiguidade, o
erro da sua estratégia económica e a mudá-la em conformidade.
1. Os dados preliminares do PIB do 3º trimestre foram
substancialmente melhores do que o esperado, sendo ainda necessário conhecer os
seus detalhes, que só estarão disponíveis no final do mês. A sua decomposição é
particularmente importante para avaliar a sua sustentabilidade.
É favorável que os bons valores se devam ao comportamento
das exportações, quer de bens, quer de serviços (turismo), porque indicará que
o movimento será mais generalizado do que apenas ao turismo. Circula, de forma
não oficial, a informação de que a reabertura de uma refinaria e a exportação
de material militar usado estarão a empolar os valores das exportações, mas
teremos que esclarecer isso.
A contribuição da procura interna para o crescimento
homólogo do PIB (acelerou de 0,9% para 1,6%) foi agora mais intensa, o que não
é um bom sinal porque resultou do consumo privado na sua componente de bens não
duradouros e serviços.
É essencial insistir neste ponto: Portugal tem um excesso de
consumo privado e um défice de poupança (quer privada quer pública) e se não
corrigirmos isto não poderemos voltar a investir sem cair de novo em défices
externos.
O investimento é exactamente a incógnita mais procurada,
tendo tido um comportamento muito negativo no 1º semestre e podendo constituir
um forte entrave à recuperação futura e à criação de emprego se não passar a
crescer. Teremos que esperar ainda alguns dias para esclarecer este ponto.
Não devemos extrair demasiadas conclusões destes números
porque ainda são muito pouco detalhados e se trata de um número desfasado dos
imediatamente anteriores, ainda que igual ao crescimento médio de 2015.
No entanto, eles deveriam ajudar o governo a perceber o erro
de ter mudado a estratégia económica do país, de um foco nas exportações (ou
bens transaccionáveis se preferirem) para a procura interna. Se não têm coragem
de o assumir publicamente, já que existe a errada ideia feita de que reconhecer
um erro é uma falta grave em política, ao menos reconheçam-no na prática,
aumentando o apoio e, sobretudo, retirando os obstáculos absurdos à actividade
das empresas exportadoras.
2. Seria possível fazer pior na gestão da CGD? Como foi
possível ignorar o plano de capitalização da Caixa proposto pela anterior
administração? Porque razão se adiou a constituição da nova equipa? Porque se
escolheu um modelo que não melhora a fiscalização da empresa, muito pelo
contrário, em boa hora travado pelo BCE?
Que trapalhada é esta com a declaração e divulgação de
rendimentos e património da administração do maior banco público? Há
compromissos escritos ou não? Quanto é que a CGD e os contribuintes já perderam
com este folhetim de baixo nível? Quando é que o governo reconhece que errou de
forma grave e emenda a mão?
[Publicado no jornal online ECO]
Os criadores dos Trumps
É irónico que aqueles
que ficam mais horrorizados com a vitória de Trump seja aqueles que mais
contribuíram para criar as condições para o seu sucesso.
Trump está muito longe de ser um fenómeno isolado: teve o
Brexit como antecedente e deverá ter novas manifestações no próximo ano. Na
Primavera, teremos as eleições presidenciais francesas, em que Marine Le Pen
tem, pelo menos, boas condições de passar à segunda volta. No Outono, terão
lugar eleições legislativas na Alemanha onde, se se repetir o resultado de
algumas eleições estaduais, os democratas-cristãos poderão ser ultrapassados
pela Alternativa para a Alemanha, com um discurso anti-euro e anti-imigração.
Para lidarmos com esta realidade, o caminho não será
certamente gritar horrorizado, porque isso não resolve nada. Mil vezes mais
útil será perceber o que nos conduziu aqui, para limitar danos e conseguir, na
medida do possível, impedir a sua expansão.
Reconhecendo a complexidade do fenómeno, parece seguro
destacar o divórcio crescente entre o comum dos mortais e as elites culturais,
com um discurso anti-ocidente, culpado de todos os males do mundo, com uma
agenda assumidamente fracturante. Queriam uma fractura? Pois aqui a têm.
Dentro das elites culturais, há que destacar o papel da
comunicação social, como produtora e veiculadora de mensagem fracturante e de
uma absurda inversão de valores, em que um cão chega a valer mais do que uma
criança. Dentro da inversão de valores cabe também essa estranha valorização de
culturas de imigrantes contrárias a valores ocidentais essenciais, tais como os
direitos das mulheres. Transpondo para a realidade nacional, diríamos que Trump
seria o candidato do Correio da Manhã, com uma tiragem superior a todos os
outros somados.
Uma das coisas mais irónicas é que os eleitores de Trump,
com pouca instrução e baixos rendimentos, foram tradicionalmente acarinhados
pelos principais partidos, quer pelo seu número, quer pela relativa fragilidade
da sua situação, que justificava apoios.
O predomínio do politicamente correcto levou ao desvio de
apoios para novas minorias e, mais do que o problema económico, houve o
problema dos valores e do discurso. Os pobres tradicionais foram ostracizados e
alvo de grande intolerância, por não aderirem a um discurso demasiadas vezes
completamente hipócrita.
A esta raiva de décadas contra a elite cultural, juntou-se
mais recentemente o ressentimento contra a elite económica, sobretudo contra a
impunidade da banca em relação aos seus erros passados e a chuva de ajudas
públicas, mas também o fosso de desigualdade que se tem criado.
Nos EUA até se tem sentido uma quase recuperação económica
da crise de 2008/2009, com o desemprego a cair já para 5%, mas na Europa isso
ainda não aconteceu, pelo que se pode esperar ainda mais revolta.
Infelizmente, dadas as raízes culturais e ideológicas do
actual fosso entre intolerâncias é difícil estar optimista sobre um
apaziguamento próximo.
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 8 de novembro de 2016
Qualificação (a sério) em vez de betão
Um dos erros
estratégicos mais chocantes das últimas décadas foi o peso absurdo dado ao
betão, em detrimento do investimento em formação genuinamente qualificante, com
grave prejuízo para os jovens.
A seguir ao 25 de Abril, havia muitas necessidades básicas a
satisfazer, como trazer água potável, esgotos e electricidade a largos
segmentos da população, bem como preencher lacunas graves nos sistemas de
transportes, sendo útil recordar que a auto-estrada Lisboa-Porto só foi
concluída em 1991.
No entanto, de então para cá, insistiu-se em prosseguir
investimentos de utilidade cada vez mais duvidosa, como construir auto-estradas
quase sem tráfego, bem como estádios de futebol e outros delírios. Assim, temos
hoje uma posição muito confortável nos principais rankings internacionais em
termos de infra-estruturas, embora em termos de qualificação da mão-de-obra
ocupemos o último lugar na Europa.
Há muito que a educação tem sido arvorada em grande desígnio
nacional, mas isso não tem passado de verbo de encher, porque os resultados
práticos continuam insuficientes para corrigir o nosso atraso, mesmo em relação
a países claramente mais pobres do que nós.
Em particular, na formação profissional, tem-se atirado
dinheiro à rua, com as “formações” das Novas Oportunidades, que em má hora este
governo pretendeu ressuscitar, ainda que rebaptizadas. O mais chocante é que
tem sido possível haver bastante dinheiro para investir, mas que se tenham
feito escolhas tão absurdas, de puro desperdício, quando temos tanta
necessidade de melhorar a qualificação dos nossos trabalhadores.
De acordo com um estudo da PricewaterhouseCoopers (http://www.pwc.co.uk/youngworkers),
se todos os 35 países da OCDE reduzissem a taxa de desemprego dos jovens para
os níveis da Alemanha, os ganhos obtidos no longo prazo poderiam ser da ordem
dos 1,1 milhões de milhões de dólares.
Neste estudo, no índice PwC de Jovens Trabalhadores,
Portugal encontra-se na 32ª de 35 posições, só à frente da Itália, Grécia e
Espanha. Estes países, tal como a Turquia, têm uma percentagem muito elevada de
jovens que não estão a estudar, nem a trabalhar, nem em estágios.
A Alemanha, com o seu sistema dual de ensino, que incorpora
o treino no ensino formal, tem muito para nos ensinar, sendo um caminho que
conduz a taxas de desemprego jovem muito mais baixas dos que as que se
verificam em Portugal, bem como fornece habilitações muito mais próximas das
que são efectivamente valorizadas pelo mercado de trabalho, conduzindo a salários
mais elevados.
A Alemanha tem também envolvido os empresários, para
introduzir este sistema dual de ensino e para se focar na inclusão social.
Na verdade, a nossa pobreza relativa não pode ser explicada
por qualquer tipo de condição “periférica” (há mais de cem anos que a Europa
deixou de ser o centro do mundo), mas sobretudo pela nossa tolerância face a
políticas públicas obviamente erradas, que esbanjam recursos que o Estado
retira aos contribuintes, desrespeitando profundamente os esforços e sacrifícios
que estes fazem.
[Publicado no jornal online ECO]
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Criminalizar a desonestidade orçamental
A partir de 2016, a
possibilidade de sanções tornou-se bem real, o que impõe que se passe a criminalizar
a desonestidade orçamental.
A participação no euro, por definição, iria eliminar as
políticas monetário-cambiais nacionais, o que conferia uma importância
acrescida às políticas orçamentais nacionais, que ficavam como o quase único
instrumento à disposição dos governos para enfrentar crises específicas dos
seus países.
Daí também a importância atribuída ao controlo das contas
públicas no Tratado de Maastricht, assinado em 1992. Se os orçamentos não
estiverem perto de equilibrados nos anos de vacas gordas, a política orçamental
nunca poderá ser usada para amenizar períodos de vacas magras.
Nos países periféricos, em que adesão ao euro correspondia a
um forte estímulo monetário, com a descida substancial das taxas de juro, havia
um argumento adicional para a contenção orçamental, para contrariar este
estímulo e impedir que ele se transformasse numa explosão de procura e perda de
competitividade.
Em Portugal, ao contrário de Espanha, os governos não
perceberam isto e julgaram que os critérios de Maastricht eram uma mania da
“Europa” e não uma necessidade absoluta de preservação da saúde da economia
nacional. Não só não houve a contenção orçamental necessária, como ainda se
criaram PPP, que são pura desonestidade de contabilidade pública.
Em 2001, no final do “pântano” de Guterres, deu-se um novo
passo na fraude, ao apresentar em Bruxelas um défice totalmente martelado, de
cerca de 1% do PIB, que acabou por se revelar ser superior a 4% do PIB,
inaugurando – com duplo estrondo – a entrada de Portugal no processo de défices
excessivos, por ultrapassar os 3% do PIB, e por ter sido fraudulentamente
camuflado.
Em 2009, repetiu-se a fraude, tendo Sócrates escondido o
verdadeiro défice até as eleições legislativas desse ano. Neste caso, não foram
só os nossos parceiros comunitários que foram enganados, foram também os
eleitores, que foram impedidos de fazer uma avaliação política do governo.
Infelizmente, porque o público português parece o mais
distraído de todos, é importante sublinhar que estas trafulhices nas contas
públicas são altamente destrutivas da imagem de Portugal no exterior, que
afastam os investidores estrangeiros e fazem subir as taxas de juro, porque
ninguém quer investir num país em que o próprio governo se comporta como um
delinquente de vão de escada.
Em 2016, as sanções, que sempre estiveram previstas para o
não cumprimento dos limites orçamentais, passaram a estar muito mais próximas
de ser aplicadas, o que torna mais grave a desonestidade orçamental, já que
esta nos pode custar – directamente – centenas de milhões de euros em sanções.
Pelos custos de reputação, pelos custos em taxas de juro (do
Estado, da banca, das empresas e das famílias), pelas sanções, defendo que os
responsáveis por uma eventual desonestidade orçamental, provavelmente o
Ministro das Finanças, o Secretário de Estado do Orçamento e o Director Geral
do Orçamento, passem a ser criminalmente responsáveis por tal.
Não nos tentem enganar com qualquer subalterno, porque
nenhum funcionário público participaria em tal coisa, sem ordens superiores, da
mais alta instância. Aliás, convém perguntar, se algum funcionário for
submetido a pressões para perpetrar estas ilegalidades, que protecção legal
pode esperar? Vai ser perseguido como todos os outros que antes se “atreveram”
a denunciar corrupção? O Ministério Público continua com a cultura do
“respeitinho”?
Para terminar, devo acrescentar que quem estiver contra esta
proposta de alteração legislativa terá dificuldade em se libertar de suspeitas
de encobrimento.
PS. Que loucura se apossou deste governo que cria no
orçamento uma norma que desresponsabiliza autarcas por má despesa pública? Ao
fim de 14 anos de austeridade, que continua sem fim, os portugueses querem o
regresso da bandalheira na despesa financiada com o dinheiro dos nossos
impostos?
[Publicado no jornal online ECO]
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Os salários na banca são excessivos
Os salários na banca
continuam muito inflacionados por políticas artificiais e insustentáveis do
passado e precisam de cair de forma generalizada
Em 1995, as contas externas portuguesas estavam equilibradas
num triplo sentido: o saldo corrente era equilibrado; a dívida externa
insignificante (menos de 10% do PIB); a AutoEuropa começou a produzir e a
exportar, melhorando a qualidade das nossas exportações.
A partir daí, encetou-se um ciclo de foco na procura
interna, com os piores resultados possíveis: explosão da dívida externa (até
mais de 100% do PIB); a pior década de crescimento dos últimos cem anos (a
partir de 2000); a necessidade de pedir ajuda à troika.
O sobre-estímulo da procura interna levou a uma expansão
insustentável da dimensão do sector não transaccionável (essencialmente
serviços e construção), bem como dos seus preços e salários. Para além deste
estímulo genérico, o sector financeiro recebeu mais um e inventou um outro, que
se viria a verificar como totalmente ilusório.
O benefício adicional consistiu na extraordinária descida
das taxas de juro, associada à caminhada para a adesão ao euro, que geraram uma
enorme expansão do crédito, que seria sempre necessariamente temporário. Mais
grave do que a própria expansão do crédito foi a sua absurda concentração nos
sectores da construção e imobiliário, que jamais poderiam gerar receitas
externas para pagar a dívida externa que foi necessário incorrer para que o
crédito crescesse tanto.
O benefício inventado foi a concessão imprudente de crédito
e a aplicação em produtos complexos, com riscos muito camuflados.
Com estes três estímulos o sector financeiro, em particular
a banca, aumentou excessivamente a sua dimensão e permitiu-se pagar salários
muito superiores, em todos os escalões, ao que seria possível pagar em outras
circunstâncias. Há quem tente afirmar que foi o mercado que decidiu esses
valores, mas este mercado foi completamente distorcido por uma política
macroeconómica tão errada quanto insustentável.
Para se ter uma ideia mais clara disto, imaginem recalcular
os resultados dos bancos dos últimos sabendo o que sabemos hoje. Muitos lucros
se transformariam em prejuízos, teriam sido distribuídos muito menos bónus e
muito menores aumentos salariais.
Se há sector em que a média histórica não pode ser guia, ele
é o da banca, que ainda não fez o ajustamento necessário. Alguns bancos já
fizeram adaptações na quantidade, fechando balcões e dispensando funcionários,
mas ainda não corrigiram o preço, em particular nos salários, que deveriam
sofrer cortes significativos, sobretudo nos escalões mais elevados.
O referencial de salários para a banca deveria ser as
remunerações nas grandes empresas exportadoras, porque essas é que são o
referencial da competitividade do país. A CGD, como grande banco público, em
vez de ser seguidor do que os privados fazem, deveria ser o líder da adaptação
que todos os bancos necessitam de fazer e ajustar os seus salários em
conformidade.
Aliás, dado que a banca está em situação muito precária,
deveria baixar claramente os salários de topo, para que estes dirigentes
entendessem ser mais atraente trabalhar noutros sectores, em particular os
sectores transaccionáveis (agricultura, indústria e turismo), onde são muito
mais necessários ao país. A redução generalizada dos custos salariais da banca
também permitiria melhorar a sua rentabilidade e diminuir a sua actual
fragilidade.
Director do Gabinete
de Estudos do Forum para a Competitividade
As opiniões expressas
no texto são da exclusiva responsabilidade do autor
[Publicado no jornal online ECO]
sábado, 22 de outubro de 2016
Destruir a credibilidade
A má execução do
orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer
na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório
em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.
Desde o início que este governo teve um problema de
credibilidade, não só pelo facto de estar aliado a parceiros com os quais
esteve sempre contra, nas grandes questões do regime, como o sistema económico,
a UE, e o euro, como pelo primeiro “esboço” de orçamento de 2016, repleto de desonestidades.
A estratégia económica, focada na procura interna em vez das
exportações, e a estratégia orçamental, mais baseada no aumento da receita do
que no controlo da despesa, estavam ambas erradas e já revelaram os seus maus
resultados. A economia afundou logo no 1º trimestre do ano e as contas públicas
só aparentemente estão controladas, por uma contenção excepcional e não
prevista da despesa que, sem corresponder a qualquer reforma, não pode ser
sustentável.
Infelizmente, o executivo não só não aprendeu nada, como
começa o Relatório do Orçamento de 2017 com um parágrafo bizarro. Diz que, após
a recessão de 2011 a 2014 se seguiu um crescimento “ténue”, o que é estranho
porque em 2015 a economia cresceu 1,6%, mais do que, segundo o OE17, deverá
crescer no próximo ano (1,5%).
É falso que tenha havido “uma paragem brusca no semestre
imediatamente antes da tomada de posse do XXI Governo Constitucional.” Foi
exactamente no semestre posterior e não no anterior.
Não é verdade que “Desde então encetou-se uma recuperação da
actividade e da confiança”. A actividade desacelerou fortemente e a confiança
dos empresários, nacionais e estrangeiros, caiu tanto que levou a uma quebra do
investimento.
Fala-se também na estabilidade fiscal, num orçamento que
cria, pelo menos, três novos impostos: sobre o imobiliário, sobre a alimentação
e sobre as munições.
O conjunto de desonestidades é tal que é impossível fazer
aqui a sua recensão integral, mas é evidente a quebra de credibilidade que lhe está
associada. É suposto a “geração mais preparada de sempre” engolir isto?
Não me vou alongar a comentar os números deste documento,
porque considero altamente provável que nesta sexta-feira ele fique
desactualizado, quando a DBRS passar as perspectivas de rating de “estáveis” para “negativas”.
Gostava de sublinhar que o orçamento de 2017 se inicia com
dois problemas de base, nos resultados finais de 2016. É muito provável que a
economia não cresça os 1,2% estimados, que implicariam que, a partir do 3º
trimestre, o crescimento “saltasse” para 1,5%, para aí permanecer durante os
cinco trimestres seguintes. Também é duvidoso que o défice do corrente ano
consiga permanecer nos 2,4% do PIB, dada a péssima evolução da receita pública,
como é muito difícil de acreditar que a despesa pública possa permanecer tão
artificialmente contida como até agora.
As medidas discricionárias tomadas vão no sentido de
aumentar o défice, esperando-se que o crescimento económico e outros efeitos
façam todo o trabalho de consolidação orçamental, para reduzir o défice para
1,6% do PIB o que, no mínimo, é imprudente.
Apesar de tudo, no papel, esta proposta de orçamental não é
tão desfasada da realidade do que a anterior. No entanto, a má execução do
orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer
na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório
em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.
As
opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor
[Publicado no jornal online ECO]
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
O Banco de Portugal não aprende
Há fortes indicações
que o Banco de Portugal não aprendeu nada com o caso BES e que continua a
permitir que os bancos vendam aos seus clientes, de forma encapotada e
desequilibrada, dívida muito arriscada do próprio banco.
O Banco de Portugal diz preocupar-se com a literacia
financeira dos portugueses, tendo um programa activo nesse sentido, cujo
alcance desconheço, mas que suspeito ser diminuto.
Há um princípio básico da gestão de património que é o da
diversificação que, em linguagem corrente é formulado como “não pôr os ovos
todos no mesmo cesto”. É assustador como ainda hoje se houve dizer, por exemplo
por parte de alguns lesados dos BES, que puseram em papel comercial desta
instituição todas as poupanças de uma vida. Isso é um erro terrível, uma
violação total do princípio da diversificação.
Dependendo do montante do património, o ideal é reparti-lo
entre, por um lado, activos reais, tais como imobiliário, ouro, jóias e obras
de arte e, por outro, activos financeiros, tais como depósitos, obrigações,
acções e fundos de vária índole. Dadas as facilidades permitidas hoje em dia, é
preferível diversificar os países e as moedas em que fazem estas aplicações e,
também, os próprios bancos com os quais trabalham, devido aos limites de
protecção dos depósitos e, agora também, devido à ameaça de devassa fiscal.
Vem isto a propósito de um pedido de aconselhamento
financeiro de um amigo, que me deixou inquieto. O curioso é que esta
solicitação surgiu do facto de ele ter visto o nome “Espírito Santo” na
carteira de participações de um produto que tinha subscrito, que lhe fez soar
todas as campainhas de alarme, o que diz tudo sobre o que aconteceu àquela
marca. No entanto, como verifiquei, não havia razões para alarme aí, porque
essa participação estava registada a 0,01% do valor nominal, ou seja, já tinha
sido assumida uma perda de 99,99%, havendo a hipótese de ainda se receber
alguma coisa.
O problema era, em primeiro lugar a opacidade e falta de
informação prestada pelo banco, numa clara tentativa de explorar a falta de
literacia financeira dos clientes. Era apresentada a carteira de investimento
dos dois produtos em causa, mas não a sua estrutura, para além de não ser
referida o número de unidades de participação do cliente, o que permitia
mascarar perdas de capital.
Em segundo lugar, havia a questão de as carteiras serem
completamente desequilibradas, desrespeitando o tal princípio da diversificação.
Numa havia quase 90% de obrigações do próprio banco e noutra havia “só” 50% de
obrigações do banco, com o “detalhe” de estas obrigações serem subordinadas, ou
seja, o tipo mais arriscado de obrigações.
É impossível que o Banco de Portugal não saiba o que os
bancos andam a vender aos seus clientes e é incompreensível como é que produtos
tão desequilibrados possam ser comercializados. Deveria haver limites
conservadores à exposição a uma única entidade e mais fortes ainda quando essa
entidade é o próprio banco. Para o caso de produtos anteriores a uma eventual
nova regulamentação poder-se-á admitir um período de transição, para não forçar
movimentações demasiado bruscas, que possam colocar em causa os próprios
valores dos produtos.
Além disso, o Banco de Portugal deveria ser muito mais
exigente na forma como os bancos apresentam a informação que prestam aos seus
clientes o que, em si mesmo, será uma forma de melhorar a literacia financeira
de todos.
PS. Com este artigo, despeço-me dos meus leitores neste
jornal, agradecendo as vossas leituras e comentários e esperando que me possam
acompanhar muito em breve, num novo jornal digital especializado em economia, o
ECO.
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
O PSD hibernou?
Um governo que está a
levar o país até à beira do abismo sobe nas sondagens por falta de comparência
da oposição, em especial do PSD.
Como o FMI ainda recentemente sublinhou, a queda do
investimento e a desaceleração da economia são da responsabilidade do actual
executivo, que parece empenhado em fazer tudo para que Portugal venha a
necessitar de um novo resgate. Mesmo assim, as sondagens são muito favoráveis
ao PS e penalizadoras da oposição.
A explicação mais superficial, mas verdadeira, é a diferença
de habilidade política dos respectivos protagonistas, cujo caso paradigmático
foi Passos Coelho ter aceite apresentar um livro de mexericos sobre políticos,
que não tinha lido. Como era completamente previsível, o caso levantou imensa
celeuma, até porque o próprio autor reconheceu que havia casos que roçavam a
violação da privacidade. Pois o líder do PSD conseguiu manter a sua posição e
inclusive teve a ingenuidade de pedir que não houvesse aproveitamentos
políticos da situação, como se tivesse entrado para a política na semana
anterior. Só passado demasiado tempo é que desistiu de apresentar o livro. O
autor deste reconheceu que isso era o mais sensato, embora não tenha conseguido
deduzir que isso implicava que também teria sido mais sensato não o ter
escrito.
Este caso seria irrelevante se não fosse revelador de várias
coisas: falta de intuição política, uma teimosia que destrói a pouca intuição
que terá, estar muito mal aconselhado ou não ouvir os seus conselheiros. Se
isto é mau no caso referido, pode ser péssimo nas matérias que um primeiro
ministro tem que decidir e recorda-mo-nos de vários casos do passado.
Além disso, o PSD tem estado muito ausente do debate
público, mesmo quando o governo toma medidas que são não só absurdas, como vêm
destruir aquilo que a direita tinha feito no governo, uma razão acrescida para
defender a sua dama. Continuo a não perceber porque é que não formam um governo
sombra, para haver uma responsabilidade concreta sobre cada matéria e não uma
responsabilidade difusa que, ainda por cima, o líder deveria gerir, mas não o
faz. Pode não haver um responsável fixo por assunto, mas deve haver sempre um
responsável para cada matéria.
O PSD precisa de se preparar para ser governo e não estar à
espera que o actual caia de podre, até porque é muito provável que António
Costa deixe o país em muito maus lençóis e que o próximo executivo tenha uma
tarefa muito complicada em mãos.
Também gostaríamos que os últimos 16 anos de estagnação chegassem
ao fim, mas o PSD não demostrou ainda estar consciente desta realidade e da
necessidade de ser muito mais ambicioso para a resolver. Este partido precisa –
com urgência – de fazer um grande trabalho de casa para quando voltar ao
governo e não estar na oposição a dormir ou, quando muito, a “mandar bocas”.
Em relação a ambição política, também tem que acordar para
as autárquicas, onde parece que já se instalou a aceitação de uma derrota anunciada.
Muito pelo contrário, há muitas razões para vitórias, sobretudo em Lisboa, onde
o actual presidente da câmara, um socialista de segunda linha, não eleito, tem
feito um trabalho desastroso no trânsito, sem qualquer base técnica nem
legitimidade política, porque esta transformação da cidade nunca foi a votos.
Aliás, o recuo nas obras da 2ª circular parece indicar que já percebeu que tem
que recuar, que as coisas não estão a correr bem.
A direita precisar de se coligar em Lisboa, porque o
presidente da câmara é sempre o do grupo que tiver mais votos. Se, nas actuais
condições não o conseguir, bem pode arrumar as botas.
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 23 de setembro de 2016
Fuga de capitais
Se queriam fomentar a
fuga de capitais e a não entrada de outros mais, não podiam ter escolhido nem
melhor altura nem melhor medida do que criar um novo imposto sobre o património
imobiliário.
Quando este governo tomou posse havia um conjunto de
questões que não podia ignorar: o nível muito elevado da nossa dívida externa
(mais de 100% do PIB), só possível graças ao euro; a estrutura extremamente
frágil desta dívida, demasiado financeira e, por isso, com risco de não ser
re-financiada; a muito baixa confiança dos investidores, com três das quatro
agências de rating consideradas pelo
BCE a classificarem a dívida pública como “lixo” e a quarta a colocá-la apenas
a um nível daquela avaliação; um nível de investimento abaixo do mínimo para a
manutenção dos equipamentos, desde 2012; um nível insuficiente de poupança;
Portugal estar na zona do euro, onde é imperioso existir liberdade de
circulação de capitais.
Estes eram os dados do problema, que o executivo parece ter
ignorado: reverteu privatizações e concessões; não cumpriu o compromisso
assumido pelo PS na reforma do IRC; reverteu algumas reformas aprovadas por
pressão da troika, imprescindíveis
para o crescimento e o emprego. Os resultados não se fizeram esperar, com uma
queda do investimento logo no 1º trimestre da nova governação, com uma
significativa queda na confiança, que já não era muita.
Desde então, o governo tem-se mostrado incapaz de aprender e
de recuar nos seus erros. Assim, é sem surpresa que se tem assistido a uma
deterioração do crescimento económico, metade do previsto no orçamento, uma
excepção na Europa; a um agravamento da queda do investimento; a uma subida
pronunciada das taxas de juro, ao contrário do que está a acontecer no resto da
zona euro; a uma queda das remessas dos emigrantes, muito forte em Julho, só
explicável por uma forte perda da confiança.
Como se as coisas não estivessem já suficientemente más, eis
que o governo consegue inventar algo ainda pior: um novo imposto sobre o
património imobiliário, com contornos ainda indefinidos. O primeiro problema é
que vai afectar apenas um certo tipo de património, deixando de lado os mais
ricos, que detêm sobretudo acções e obrigações e não vão pagar mais nada. Aliás,
tudo indica que os actuais proprietários irão criar empresas com os seus
imóveis, passando a accionistas e deixando de pagar este imposto. Depois,
afasta o investimento externo que, apesar de tudo, vamos conseguindo com os
vistos gold e reformados de outros países, atraídos pela nossa fiscalidade. Também
deve afectar a disponibilidade de casas para arrendar, um problema que se tem
agravado com o sucesso do turismo.
Por tudo isto, é mais do que provável que as receitas deste
imposto sejam muito menores do que o estimado. Serão certamente muito menores
do que os 375 milhões de euros que custa anualmente a diminuição do IVA na
restauração, que não trouxe baixa de preços nem aumento de emprego, pelo que
seria mil vezes preferível recuar nesta medida, que nunca fez sentido.
Dizem-nos que este imposto vai afectar um número muito
reduzido de contribuintes, mas quem é que pode acreditar que vamos ficar por
aqui? Desde 2002 que todos os partidos que ganharam as eleições o fizeram
jurando que não aumentariam os impostos, para fazerem o oposto mal chegaram ao
poder. O PS desrespeitou o compromisso do próprio partido sobre o IRC, pelo que
as suas promessas fiscais não valem nada.
Este imposto vai servir para ajudar os pobres? Não, é para
financiar benesses das clientelas partidárias do governo, como temos visto na
execução orçamental de 2016. Finalmente, os partidos políticos vão pagar este novo
imposto ou vão continuar isentos?
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Engolir sapos
Toda a esquerda irá
ser obrigada a engolir muitos sapos, para evitar que a descida de perspectivas
da DBRS sobre Portugal seja a antecâmara de um novo resgate e de uma nova
maioria absoluta da direita, com maiores perdas de “conquistas de Abril”.
Esta semana veio acentuar a previsão que fiz na semana
passada, de que a agência de rating
DBRS iria baixar as nossas perspectivas de “estáveis” para “negativas”. Por um
lado, a ARC ratings (a antiga Companhia Portuguesa de Rating, agora com
parceiros internacionais) fez isso mesmo, embora esta agência não seja
relevante para o BCE. Por outro, o ministro das Finanças, um “prodígio”
político, veio mesmo dizer que evitar um segundo resgate (ou o quarto desde o
25 de Abril) era a sua principal preocupação, uma mudança de discurso radical
face aos últimos meses, um inequívoco reconhecimento da forte degradação da
nossa condição.
Gostaria hoje de explicar porque, na actual situação, aquela
decisão é a melhor, para quase todos. Para a DBRS, isso irá aumentar a sua
visibilidade internacional, porque coloca Portugal a um passo do abismo e
totalmente dependente da próxima decisão dela. Se tudo correr pelo melhor, o governo
português tomará fortes medidas que permitirão a recuperação das perspectivas
para o nível de “estáveis” dentro de seis meses. Isto será magnífico, até para
o ego dos dirigentes da DBRS, por conseguirem “mandar” no executivo luso.
Para a Comissão Europeia e para o Conselho Europeu isto será
também excelente, porque não têm que recorrer às polémicas sanções, porque a
decisão desta agência de rating faz o
trabalho sujo por eles, obtendo os resultados desejados.
Para Portugal, o ideal seria, obviamente, que este governo
ou não tivesse optado pela mais disparatada política económica e orçamental ou
que fosse capaz de reconhecer as suas péssimas consequências e estivesse a
arrepiar caminho. Mas já que este executivo não aprende, o mal menor é a
decisão da DBRS a 21 de Outubro, para colocar um ponto final na
irresponsabilidade vigente.
Para a coligação de esquerda é que vai ser horrível. Vão
começar por ficar numa posição muito frágil, com a ameaça de um novo resgate se
não tomarem fortes medidas e recuarem em algumas que decidiram e terão que
reconhecer que estavam errados. Se recordarmos a pirueta do Syriza, muito mais
combativo do que os partidos de esquerda portugueses, podemos presumir que
todos eles, até o PCP, se renderão à evidência que têm de “obedecer” à DBRS. A
alternativa seria o retorno da troika,
eleições antecipadas e uma mais do que provável nova maioria absoluta da
direita. Nesta reencarnação, é muito provável que este novo governo destruísse
muito mais “conquistas de Abril” do que o anterior, pelo que o PCP deve estar
disponível para engolir muitos mais sapos do que afirma actualmente.
Aliás, a 15 de Novembro deverá ser divulgada a estimativa
rápida do PIB do 3º trimestre, que deverá constituir a machadada final na
política económica do governo, ao revelar que não há retoma nenhuma, sendo que
as perspectivas para o 4º trimestre se terão deteriorado profundamente, com a
mais do que provável decisão da DBRS.
Quanto à direita, continua a não reconhecer que, em 2011,
foi mal preparada para o governo e que, por isso, fez um trabalho pouco mais do
que sofrível, tendo fracassado vergonhosamente na reforma da despesa pública.
Não se compreende, assim, porque estão a dormir à sombra da bananeira, à espera
que este executivo caia de podre. Acham que resolveram o problema da estagnação
dos últimos 15 anos? O que é que estão à espera para estudar, planear, preparar
o regresso ao poder? Julgam que basta um pouco de demagogia? Acham que o país
não merece melhor?
[Publicado no jornal “i”]
sábado, 10 de setembro de 2016
Rating em risco
A 21 de Outubro, a
DBRS deve diminuir as perspectivas do rating de Portugal de “estáveis” para
“negativas”, com graves consequências financeiras, económicas e políticas
Os últimos desenvolvimentos em Portugal têm vindo a colocar
a sustentabilidade das finanças públicas em causa. A política económica do
governo, ao afectar muito a confiança dos empresários, está a contrair o
investimento e a enfraquecer o PIB pelo lado da procura e não se imagina como
isto possa ser corrigido a breve trecho.
As reversões de algumas das reformas do tempo da troika
deverão afectar o PIB do lado da oferta de forma relativamente duradoura,
agravando os efeitos do lado da procura. Um avaliador externo deverá encarar
isto com a maior apreensão, tendo uma dificuldade excepcional em perceber como
é que um governo de um país que tem um fortíssimo problema de estagnação
económica há 15 anos toma medidas que ainda vão aprofundar esta fragilidade.
Perante este crescimento económico muito mais fraco do que o
previsto, o que o governo deveria ter feito era, em primeiríssimo lugar, recuar
em todas as medidas que assustaram os investidores, mas isso seria negar o seu
ADN. Mas já que isso lhes era impossível, poderiam ter encontrado medidas
adicionais que permitissem limitar o efeito da debilidade da economia sobre as
contas públicas. Em vez disso, o executivo tomou três medidas que vão agravar
as contas públicas a partir do 2º semestre: reposição de salários na função
pública, 35 horas na administração pública, diminuição da taxa do IVA da
restauração. De novo, um estrangeiro (ou mesmo um português que não esteja
anestesiado pela propaganda) duvidará certamente da responsabilidade e
seriedade de um governo que toma tais medidas, o exacto oposto do que faria
sentido.
Além disso, a execução orçamental está a correr muito pior
do que os números oficiais afirmam, sendo que nem estes nos mostram valores
tranquilizadores.
Acresce que as taxas de juro da dívida portuguesa são as
únicas, dentro da zona euro, que subiram nos últimos 12 meses. No 2º trimestre
o PIB nominal cresceu apenas 2,6%, menos do que a taxa de juro a 10 anos, que
estive acima dos 3% durante quase todo esse período. O PIB nominal a crescer
abaixo das taxas de juro é algo muito preocupante para a sustentabilidade da dívida
pública.
Ou seja, todos os indicadores apontam no mau sentido, de uma
forma que está longe de ser passageira, e justificariam uma redução do nosso rating. É por isso, com acrescida
expectativa que se aguarda a decisão da agência de notação Dominion Bond Rating
Service (DBRS) sobre Portugal, que deverá ser anunciada a 21 de Outubro.
A 15 de Outubro deverá ser conhecida outra informação
crucial: as medidas adicionais para 2016 que Bruxelas exigiu, quase em
alternativa às sanções; e a proposta de orçamento para 2017. Em relação às
primeiras, o governo está numa teimosia inexplicável, tudo indicando que não
apresentará nada. Em relação ao orçamento, as cedências públicas ao BE e PCP
indicam que não será encarado com bons olhos pela DBRS.
Esta agência pode tomar duas decisões: ou manter o rating mas baixar as perspectivas de
“estáveis” para “negativas” ou baixar mesmo o rating. Julgo que optará pela primeira, até como manobra de
marketing, maximizando a sua visibilidade mundial, e também porque pode sempre baixar
a notação alguns meses depois.
Uma tal decisão colocará o país à beira do precipício, com
forte subida das taxas de juro, mas ainda com hipótese de recuperação, se o
governo se dispuser a tomar finalmente as medidas que até agora se tem
recusado. Como se imagina, isso colocará uma pressão máxima sobre a coligação
de esquerda e não é seguro que ela lhe sobreviva.
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
As 4 liberdades europeias
Devemos respeitar os
medos de milhões de eleitores e ponderar a suspensão temporária da liberdade de
circulação de trabalhadores na UE
A integração europeia tem-se caracterizado pelo
aprofundamento de 4 liberdades económicas: livre circulação de bens, de
serviços, de capital e de trabalhadores.
A liberdade de circulação de bens é a mais difundida no
mundo, sendo a mais consensual. Ironicamente, a maior excepção a esta regra
refere-se aos bens agrícolas, regidos pela Política Agrícola Comum (PAC), a
maior contradição dos princípios de economia de mercado da UE e o mais
escandaloso desperdício de recursos públicos da Comunidade, que se tem revelado
impossível de reformar por puro capricho e interesse da França.
A livre circulação de serviços não está tão difundida, mas
ainda é relativamente consensual, tem grandes afinidades com a anterior e os
serviços são hoje uma componente muito mais vasta do PIB do que os bens nas
economias avançadas.
A liberdade de circulação de capitais é claramente um luxo
de países ricos, havendo vários estudos a revelar que tentar impor isso a
economias menos desenvolvidas é o caminho para o desastre. Por isso, pretender
que em todos os Estados da UE exista esta liberdade é uma fantasiosa perigosa.
Felizmente, vários destes países nem sequer reúnem condições para participar no
Mecanismo de Taxas de Câmbio II, quanto mais ter liberdade de circulação de
capitais.
A livre circulação de trabalhadores (não façam confusão, é
de trabalhadores e não de pessoas que se trata) é, neste momento, uma das
questões politicamente mais quentes, estando a alimentar partidos em toda a
Europa e tendo sido um dos maiores impulsionadores do voto Brexit.
Pode ser que a liberdade de circulação de trabalhadores
seja, a nível macroeconómico, uma vantagem, mas também é provável que ela tenha
afectado alguns segmentos mais frágeis. Também é possível que o maior
ressentimento seja contra imigrantes vindos de países de fora da UE.
Penso que existem razões objectivas e subjectivas para que largas
franjas da população europeia esteja contra a liberdade de circulação de
trabalhadores e vir com discursos cor-de-rosa sobre as vantagens da imigração
não vai acalmar ninguém, só vai exaltar ânimos, porque as pessoas em causa vão
sentir, com toda a razão, que não estão a ser ouvidas.
Não há nada de mais político do que lidar com as razões
subjectivas do medo da imigração descontrolada ou quaisquer outros medos.
Infelizmente, demasiados políticos europeus têm considerado os sentimentos
destes eleitores como “feios” e decidiram ignorar estes sentimentos e até estes
eleitores. Ou seja, estão a empurrá-los e a entregá-los de mão beijada aos
políticos radicais, os que não têm quaisquer pruridos.
Recordemos que, nos anos 60, milhões de portugueses,
espanhóis, gregos e turcos emigraram para o Norte da Europa, quando não havia
liberdade de circulação de trabalhadores. Assim, talvez tenha chegado o momento
de ponderar uma suspensão temporária da liberdade de circulação de
trabalhadores, que estará muito longe de ser equivalente à proibição de
circulação, mas antes a um controlo da circulação, para sossegar muitos
eleitores. Coloco esta hipótese em cima da mesa, para ser discutida da forma
mais equilibrada, pragmática, racional e calma possível.
Temo que a falta de respeito pelos medos destes milhões de
eleitores e uma rigidez absurda na “defesa” do status quo se venha a traduzir na ruína total do status quo que se se pretende preservar.
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
Paz e integração
A UE está numa
encruzilhada difícil e insisto em afirmar que nas últimas décadas se instalou
um grave equívoco, em que se esqueceu que o objectivo último da “Europa” era a
paz e não a integração, muito menos a integração forçada.
Pode-se defender que a integração serve a paz, a
prosperidade, a segurança, etc., mas tem que se perceber que a integração é
sempre um instrumento e que os verdadeiros objectivos são a paz, a
prosperidade, a segurança, etc.
Inverter a hierarquia
entre objectivos e instrumentos já gerou problemas gravíssimos no passado,
sendo que o maior deles foi o euro, em que a integração monetária se revelou
contrária à paz e a prosperidade. Pior ainda, ao ter-se pretendido uma
integração forçada criaram-se ainda mais anti-corpos.
É necessário recordar que se pretendeu obrigar o Reino Unido
a entrar no euro e que este país teve que lutar muito para não ser arrastado
para o erro épico que foi a constituição do euro.
Uma das razões do Brexit estará, justamente, neste episódio,
em que a concessão da cláusula de excepção britânica foi concedida com
relutância e gerando ressentimentos de parte a parte. Mas com legitimidades
muito diferentes. É evidente que o Reino Unido tem todo o direito em ficar
ressentido de o quererem forçar a entrar numa integração com a qual não
concordava. Repare-se que a atitude britânica não era dizer que o euro não se
devia fazer, mas simplesmente que o fizessem sem o Reino Unido. Isto tem-se
repetido: os britânicos não querem obrigar os outros países a participar num
modelo único, mas são – e ainda bem – extremamente ciosos da sua liberdade.
Já o ressentimento comunitário é ilegítimo, não só porque é
abusivo pretender uma integração forçada, como porque o euro se revelou um
projecto com gravíssimas falhas, tendo o tempo reforçado essa avaliação.
Pior ainda, Bruxelas pretendeu que o Reino Unido
contribuísse para resolver os problemas do euro. Isto é francamente demais.
Primeiro, avançam com um projecto que os britânicos achavam repleto de
problemas e, agora, quando estes se revelaram ainda piores do que o esperado,
quer em termos políticos, quer económicos, exigem dinheiro britânico para lidar
com uma asneira em que estes, em boa hora, se recusaram a participar.
Há uma questão que se impõe: quando é que os parceiros
comunitários pediram publicamente desculpa ao Reino Unido por os terem forçado
a integrar o desastre do euro?
Como é evidente, este pedido de desculpas deveria ajudar a
perceber que, demasiadas vezes, apesar de extremamente minoritária, a posição
britânica era a correcta. Isto também deveria levar a rever o ressentimento
passado com o Reino Unido, por estes se oporem a certos projectos europeus, que
mais valia que não se tivessem realizado. Também deveria contribuir para
adoptar uma atitude muito mais amistosa nas negociações do Brexit.
Infelizmente, tenho muito poucas expectativas de que os
líderes europeus saibam arrepiar caminho. Estou mesmo convicto de que os
historiadores do futuro encararão o euro como o principal responsável pela
morte da UE.
Aliás, houve ainda recentemente uma reunião, entre Merkel,
Hollande e Renzi, que revela tudo o que está errada na “Europa”. Por um lado, a
opção por um directório extremamente restrito, em que nem sequer países grandes
como a Espanha e a Polónia têm assento e, por outro, a ideia que os problemas
se resolvem com mais integração. Tentar resolver o excesso de integração com
ainda mais integração só pode trazer o desastre. É que a UE podia dissolver-se
de forma pacífica e planeada, mas tudo indica que se irá decompondo com o
máximo de ressentimentos e de forma desorganizada.
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Fracasso económico e orçamental
A estratégia económica
deste governo está duplamente errada e já está a produzir os piores resultados.
O primeiro erro foi ter colocado a ênfase na procura interna, em detrimento das
exportações, enquanto o segundo erro consiste em, dentro da procura interna,
preferir o consumo privado ao investimento.
O primeiro erro foi ter colocado a ênfase na procura
interna, em detrimento das exportações, uma via já experimentada no passado,
com os piores resultados possíveis: a pior estagnação dos últimos 100 anos; um
endividamento externo galopante (de menos de 10% do PIB em 1995 para mais de
100% do PIB a partir de 2009); a necessidade de pedir ajuda à troika.
Como é possível não se ter aprendido a lição e repetir
exactamente os mesmos erros? Pode-se criticar as opções do anterior executivo e
da troika, propondo uma terceira via,
mas o que não é admissível é o regresso ao passado, porque não há quaisquer
dúvidas que foi péssimo.
O segundo erro estratégico consiste em, dentro da procura
interna, dar primazia ao consumo privado em vez de o conferir ao investimento,
quando é exactamente o oposto do que o país necessita.
No orçamento para 2016 e, sobretudo, na sua execução há uma
escolha política e económica totalmente inaceitável. O governo escolheu repor
os mais altos vencimentos dos funcionários públicos, estimulando o consumo
privado e as importações, já que é nestes escalões de rendimento que se
concentra a compra de bens de consumo duradouro, cuja componente importada é de
90%.
Como a receita fiscal está muito abaixo do orçamentado, o
executivo recorreu ao estratagema de cortar o investimento público em 20%,
quando este, de acordo com a versão final do orçamento, deveria crescer 12%. Do
ponto de vista económico, isto não podia ser mais calamitoso porque é exactamente
o oposto do que necessitamos. Do ponto de vista político, é absolutamente
escandaloso que o governo prejudique o interesse geral (em princípio
beneficiado pelo investimento público), em benefício dos que usufruem os mais
altos salários na função pública.
Ser de esquerda hoje em Portugal já não é preocupar-se com
os mais necessitados, mas antes estar ao serviço das corporações públicas? Não
têm vergonha?
Pois a catastrófica política económica do governo já está a
produzir péssimos resultados, como é patente nos dados do PIB do 1º semestre, a
crescer apenas 0,8%, muito abaixo da média da zona euro (1,5%). O investimento
está em queda assinalável, directamente por acção do executivo.
A procura interna cresceu zero no 2º trimestre, o que é
extraordinário para um governo que tinha como estratégia basear-se nela. A
estratégia em si não podia ser mais errada, mas o seu fracasso é (quase) total.
Há uma área, o emprego, em que os números ainda não são
preocupantes, porque esta variável costuma estar desfasada 2 ou 3 trimestres do
ciclo económico. Mas é altamente provável que no 3º ou 4º trimestre se assista,
infelizmente, a uma subida do desemprego, o que deve ser dinamite política para
o governo e deverá constituir a reprovação final da sua desastrosa política económica.
Como a política económica está errada e a abrandar a
economia, é evidente que isso vai ter implicações orçamentais, num orçamento
que se caracterizou sempre, desde o Esboço até ao documento final, por ser
muito fantasioso.
Vamos ver até onde irá o desastre, havendo fundadas
suspeitas de que a meta orçamental de 2016 não será alcançada.
[Publicado no jornal “i”]
domingo, 14 de agosto de 2016
Galpgate e Kamovgate
O Secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais, que “não acautelou o interesse público” no caso dos
helicópteros Kamov, fará o mesmo no diferendo fiscal com a Galp?
A Galp ofereceu viagens para o Euro 2016 a vários membros do
governo e autarcas, do PS e da CDU, provavelmente não com o objectivo de obter
vantagens directas e imediatas disso, mas para “olear” o caminho para
necessidades futuras.
Parece imprescindível que a Galp seja obrigada a divulgar a
lista de todos os que aceitaram o convite, como castigo imediato à empresa e a
todos os beneficiados, mas também como profilaxia de ofertas futuras, desta e
de outras empresas. É possível que a ameaça da divulgação futura de uma lista
negra seja o suficiente para colocar um mínimo de bom senso e pudor em algumas
cabecinhas.
Fernando Rocha Andrade, o Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais envolvido no Galpgate, tem uma longa e infeliz história de funções
públicas. Entre 2005 e 2008 foi subsecretário de Estado da Administração
Interna, tendo sido uma personagem central do estranho caso dos helicópteros
Kamov, que foram entregues muito fora de prazo, para além de inúmeros problemas
de funcionamento. Nessa altura, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas,
de 2014, o então secretário de Estado “não acautelou o interesse público de
exigência do cumprimento integral dos contratos de fornecimento, tendo, ao
invés e numa altura de incumprimento contratual, que não podia desconhecer,
aligeirado os requisitos de entrega das aeronaves e flexibilizado as condições
de fornecimento e de pagamento.”
Estão em causa milhões de euros de indemnização a que o
Estado tinha direito e que foram simplesmente “perdoados”. Este gesto de Rocha
Andrade, não sendo necessariamente corrupto, levanta uma forte suspeição. O que
fez o Ministério Público, que recebeu o parecer do Tribunal de Contas através
do representante da Procuradora-Geral da República junto do Tribunal? Não é
público ou, pelo menos, não tenho conhecimento de nada. Caso não tenha feito
nada, tem que se dizer que a sua omissão é, ela própria, muito pouco tranquilizante.
Em 2016, nas suas novas funções no fisco, Rocha Andrade
conseguiu gerir da forma mais inábil possível a revisão da forma de cálculo do
IMI, revelando a sua enorme falta de tacto político. Infelizmente, a reforma
essencial que o IMI necessita ficou esquecida. A fórmula de avaliação de
imóveis usada pela Autoridade Tributária consegue esse prodígio de ignorância e
incompetência de NÃO usar o valor da renda recebida pelo imóvel.
Isto cria situações loucamente absurdas e injustas em que
dois andares em tudo o resto iguais, mas em que um tem uma renda antiga mínima
e outro uma renda actual são considerados como valendo o mesmo. Pior ainda, o
senhorio das rendas antigas, que já paga um imposto implícito brutal pelo
subsídio de rendas que é obrigado a fazer, porque o Estado não assume as suas
responsabilidades, é ainda obrigado a pagar tanto IMI como se recebesse uma
renda de mercado.
Passado pouco tempo deste infeliz episódio, eis que Rocha
Andrade nos brinda com uma nova demonstração da sua inadequação ao cargo que
ocupa, aceitando um convite da Galp que, por mera coincidência, tem o Estado em
tribunal por cerca de 200 milhões de euros que a empresa não quer pagar de
imposto.
Vários membros do governo já deram o caso por “encerrado”
mas, em primeiro lugar, não o pode fazer porque todos os dias há novos
desenvolvimentos e a revelação de novos convidados. Em seguida, porque ainda
não ouvimos a opinião do Presidente da República. Cheira-me que Rocha Andrade
só vai sair quando a sua saída já não ajudar nada o governo e só o prejudicar.
[Publicado no jornal “i”]
domingo, 7 de agosto de 2016
Onde está o nosso dinheiro?
No 1º semestre
desapareceram 3 mil milhões de euros dos depósitos das administrações públicas
(excluindo a administração central) e não há explicações claras sobre isto,
pelo que é legitimo perguntar onde está o nosso dinheiro?
No 1º semestre do ano, o défice público registado foi de
1,6% do PIB, o que nos colocaria a caminho de termos um défice excessivo de
novo em 2016, se na segunda metade do ano as contas públicas se comportassem de
forma semelhantes à verificada até agora. Infelizmente, há três grupos de
razões que nos levam a pensar que no 2º semestre as coisas piorarão.
Em primeiro lugar, porque as contas divulgadas até agora
envolvem atrasos nos pagamentos a fornecedores e transferências para a UE, que
terão que ser revertidos em breve. Em segundo lugar, porque o governo resolveu
criar três problemas para as contas públicas, com a reposição de salários da
função pública, a diminuição do IVA na restauração e a semana das 35 horas.
Finalmente, porque há fundadas suspeitas de que a contabilidade do 1º semestre
está fortemente maquilhada e que há gastos escondidos e receitas empoladas,
sobretudo no IRS, onde o governo nos quer fazer acreditar que os reembolsos
estão a crescer 10%, contra todas as evidências.
Insisto neste ponto, que já referi aqui na semana passada,
por duas razões: porque é muito importante e porque parece ter sido
olimpicamente ignorado por quase todos os que se deveriam preocupar com ele,
incluindo a oposição política ao governo.
No 1º semestre as necessidades de financiamento do Estado
foram de 4,7% do PIB, o triplo do défice público, quando deveriam ser próximas
deste. Com os dados entretanto divulgados pelo Banco de Portugal, ficámos a
saber que houve um aumento considerável dos depósitos do Estado, provavelmente
para poder amortizar a OT a 10 anos, cujo prazo termina em Outubro, mas que
isso foi feito diminuindo os depósitos dos outros subsectores públicos, sem que
haja pormenores sobre estes.
Mais concretamente faltam 3 mil milhões de euros, sobre os
quais não temos informação. Há duas explicações extremas para isto, sendo que a
primeira, a mais benigna, é a de que teriam sido utilizados para comprar
obrigações, acções ou imobiliário, pelo que este património não teria
desaparecido, apenas teria mudado de roupagens, assumindo que aqueles activos
teriam sido comprados a valores razoáveis.
A segunda hipótese, a mais negra, é a de estes fundos, menos
escrutinados, teriam sido usados para pagar despesas não contabilizadas nos
números oficiais, de modo a enganar Bruxelas. A verdade poderá estar algures
entre estes dois extremos mas, se se confirmarem as suspeitas de que o
executivo está a tentar esconder o verdadeiro estado das nossas finanças,
Portugal pagará fortes sanções por isso.
A primeira sanção será sob a forma de menos investimento
estrangeiro (e correspondente menos emprego), porque os investidores detestam
aplicar o seu dinheiro num país em que nem sequer no governo se pode confiar. A
segunda penalização virá dos mercados financeiros, que exigirão mais para nos
emprestar dinheiro, quer por desconfiança, quer porque as nossas contas afinal
estavam pior do que aparentavam. Só depois virão as sanções de Bruxelas, que
serão aplicadas com a maior dureza, porque os nossos parceiros odiarão terem
sido enganados.
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Suspeitas sobre as contas públicas
As necessidades de
financiamento do Estado foram 4,7% do PIB no 1º semestre, a que se deve somar o
esvaziamento dos “cofres cheios” do anterior governo, contra um défice
“oficial” de apenas 1,6% do PIB, em que é muito difícil de acreditar.
Em 2001 e em 2009 já houve problemas sérios com a
fiabilidade das contas públicas portuguesas. No primeiro caso, o governo
tentava convencer-nos de que o défice estava em 1% do PIB, apesar de as
necessidades de financiamento superarem os 5% do PIB. No final, o défice veio a
revelar-se muito superior e próximo (4,3% do PIB), como é natural, das
necessidades de liquidez do Estado.
Em 2009, até às eleições o executivo jurava a pés juntos que
as contas públicas estavam controladas, contra toda a evidência e apesar das
medidas eleitoralistas tomadas nesse ano. Depois das eleições veio a saber-se
que o défice tinha sido de quase 10% do PIB, o maior valor alcançado até então
por Portugal desde a entrada no euro. O que se passou neste caso foi
particularmente grave, porque desvirtuou profundamente os resultados eleitorais.
Se os eleitores soubessem do desastre a que Sócrates tinha conduzido as contas
públicas não lhe teriam provavelmente renovado a vitória, até porque este tinha
Manuela Ferreira Leite como adversária.
Neste momento, acumulam-se os sinais de que os socialistas
voltaram a colocar em causa a fiabilidade dos valores da execução orçamental. Os
governos podem maquilhar os valores da receita e da despesa pública, mas é
praticamente impossível disfarçar as necessidades de financiamento, porque
estes fundos precisam mesmo de ser obtidos junto do mercado e aí é quase
impossível falsear dados, sob pena de se incorrer num fatal défice de
credibilidade, que compromete o financiamento futuro.
Ora os dados oficiais do IGCP revelam que as necessidades de
financiamento do Estado no 1º semestre foram de 4,7% do PIB, superando já os
4,6% para o conjunto de 2015. Ao montante já obtido junto dos investidores
deve-se acrescentar algum esvaziar dos “cofres cheios” deixados pelo anterior
governo.
Porque é que foi necessário tanto dinheiro, se o défice do
1º semestre foi “só” de 1,6% do PIB? Repare-se que este foi feito, mesmo com o
reconhecimento oficial de atraso nos pagamentos e que é demasiado elevado para
permitir que o défice de 2016 fique abaixo dos 3% do PIB, até porque o 2º
semestre tem as contas agravadas, quer pelos atrasos do 1º semestre, quer pelas
novas medidas que entraram em vigor.
Resumindo, suspeito que as contas apresentadas pela DGO
perderam a fiabilidade e que, a menos que sejam tomadas medidas drásticas,
Portugal não sairá do processo de défices excessivos este ano e sofrerá sanções
por isso.
Sugiro que a Comissão Europeia exija uma auditoria à DGO e
deixo uma lista dos indicadores que me parecem mais suspeitos: receitas dos
impostos sobre o tabaco, o álcool e imposto de selo (andariam a subir
miraculosamente e de forma muito conveniente, de modo a compensarem a falta de
receitas nos três impostos principais que dependem da actividade económica,
IRS, IRC e IVA); reembolsos de IRS (pretensamente a subir 10,4% quando há
queixas generalizadas de atrasos); atrasos nos pagamentos (devem ser muito
superiores aos valores oficiais).
Da execução orçamental também resulta claro um outro
problema: o governo prefere sacrificar o país, com quebra drástica do
investimento público, para satisfazer as suas clientelas partidárias no sector
público, com a reposição de salários e semana das 35 horas (como é que isto não
é inconstitucional?)
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 22 de julho de 2016
Irresponsabilidade com a banca
Este governo tem-se
especializado numa atitude completamente irresponsável com a banca, desde o
Banif à CGD e ao Novo Banco. Em
relação a este a irresponsabilidade entrou na estratosfera, ao sugerir a sua
possível liquidação dentro de um ano. Querem gerar o pânico e uma corrida aos
depósitos?
O sector bancário continua extremamente fragilizado,
carregando os excessos do passado, tendo que sofrer todo o crédito malparado
gerado pela crise e difícil recuperação desde 2008 e ainda as taxas de juro
muito baixas e, mais recentemente, negativas, que criaram um rombo
extraordinário na rentabilidade destas instituições.
Com todos os custos que esta fragilidade, somada à má gestão
e desonestidade em alguns casos, já teve para os contribuintes, esperar-se-ia
que os governos tivessem a maior cautela em gerir a sua relação com o sector e
que, especialmente, não criassem ainda mais custos para as vítimas do costume.
No entanto, este executivo tem tido um comportamento
incompreensível, seja qual for o ângulo em que seja avaliado. Porque é que o
Banif foi vendido à pressa com tantos custos para os contribuintes? Ainda
ninguém nos forneceu uma resposta cabal, incluindo-se aqui o Banco de Portugal,
que também tem estado muito longe de ter uma atitude irrepreensível, como seria
exigível.
Em relação à CGD, soubemos agora que desde Dezembro que a
administração cessante esperava uma resposta do governo em relação à sua
proposta de recapitalização do banco, que não envolvia recursos públicos. Qual
a razão para deixar esta instituição tão importante numa total indefinição
estratégica? O que levou o ministro das Finanças a lançar as maiores suspeitas
sobre “buracos” na Caixa? Destruir património público, só para ganhar umas
magras lentilhas políticas?
Parece evidente que a CGD foi utilizada pelos partidos de
governo para fazer favores políticos (ou outros…) e que é necessária uma
reforma institucional na sua forma de gestão, para que não tenhamos uma
recapitalização que apenas se destina a fornecer mais dinheiro para repetir
todos os erros do passado.
Já se percebeu que o actual executivo não está nada
interessado em conhecer de forma detalhada – e pública – todas essas más
decisões, mas ao menos poderia ensaiar um simulacro de reforma. Em vez disso,
fez escolhas que indiciam que pretendem a continuação do caldo de cultura que
permitiu os desmandos do passado. Em primeiro lugar, ter a mesma pessoa como
presidente da comissão executiva e do conselho de administração, uma opção já
criticada pelo BCE. Depois, ter como administradores não executivos, que
deveriam fiscalizar a comissão executiva, antigos ministros dos partidos
responsáveis pelo desastre da CGD e sem experiência bancária. Se não têm
experiência no sector, como é que o podem fiscalizar? Isto é ou não é o perfil
ideal para não mudar nada de substancial nas condições que nos trouxeram ao
buraco actual?
Mas se queriam tomar todas estas más decisões, porque é que
não as tomaram há mais tempo? Porque é que os perfis dos candidatos aos novos
órgãos sociais não foram submetidos a aprovação atempadamente? Aliás,
sublinhe-se também que o BCE não encara nada com bons olhos a mudança de todos
os nomes anteriores, preferindo uma substituição paulatina da administração.
Em relação ao Novo Banco, a irresponsabilidade deste governo
entrou na estratosfera, ao sugerir a sua possível liquidação dentro de um ano.
Querem gerar o pânico e uma corrida aos depósitos? Querem desvalorizar este
banco, para só se conseguir vender por tuta e meia, e os contribuintes ficarem
com a factura mais elevada possível? Querem que a divida pública atinja um novo
máximo? Querem que a factura dos juros do Estado aumente o mais possível?
[Publicado no jornal “i”]
Subscrever:
Mensagens (Atom)