terça-feira, 24 de janeiro de 2017

SMN vs IAS, filhos e enteados

Há 10 anos que se iniciou o aumento excessivo do salário mínimo, que não se deve repetir em 2017

Até 2007, o salário mínimo nacional (SMN) era o indexante para um conjunto de prestações sociais, o que fazia que os governos tivessem grande cautela na sua actualização anual. Naquele ano, o Indexante de Apoios Sociais (IAS) substituiu o SMN, libertando o Estado das consequências do aumento do SMN, eliminando a disciplina que existia anteriormente.

Relembre-se ainda que, em 2007, a economia portuguesa estava profundamente desequilibrada, com um défice externo de 10% do PIB, sinal de excesso de procura, e um desemprego de 9%, o que combinado com o dado anterior reforçava a evidência de graves problemas de competitividade. Ou seja, já em 2007 havia sinais muito claros de os salários estarem desfasados da produtividade.

No entanto, libertado o Estado das consequências de aumentar o SMN, o governo subiu-o, até 2011, para 485€. Em termos reais, a subida foi de 15%, enquanto a produtividade só subiu 5%, agravando as condições de competitividade da economia.

Para se ter uma noção de toda a hipocrisia destes aumentos, sem custos para o Estado, refira-se que o IAS, que tinha um grande impacto nas contas públicas, ficou congelado em 419,22€ logo a partir de 2009, sendo o seu valor real em 2011 inferior ao verificado em 2006, quando o indexante ainda era o SMN.

Com nova subida extraordinária do SMN em 2016, a subida em termos reais acumulada na década anterior foi de 21%, muito superior ao aumento acumulado da produtividade, de apenas 7%.

Como se isto não bastasse, em 2016 verificou-se uma queda da produtividade e a inflação foi inferior ao esperado, tudo apontado para que em 2017 não devesse haver qualquer alteração no SMN. Em vez disso, o governo propõe novo aumento extraordinário totalmente desfasado da produtividade. Além disso mantém a hipocrisia de só agora aumentar o IAS e em apenas 0,5% para 421,32€.

Se as condições internas desaconselham por completo que se mexa no SMN, as condições externas ainda são piores, com toda a excepcional incerteza em cima da mesa, desde Trump e Brexit, a todas as eleições na Europa.

Por tudo isto, o plano B em relação a quaisquer dificuldades na aprovação da subida do SMN deve ser o recuar neste aumento.

O governo que teve tanta pressa em repor os salários mais elevados na função pública, foi tão mísero com todos aqueles que recebem em função do IAS e deixou de lado a sua promessa eleitoral de criar um escalão negativo no IRS (a melhor opção) não tem autoridade moral em criticar aqueles que se opõem à decisão mais irresponsável: um novo aumento extraordinário do SMN em 2017, que penalizará sobretudo os trabalhadores mais fracos, com menos experiência, com menos formação e desempregados de longa duração.

O patronato deveria impor como condição para aumentar o SMN que o IAS aumentasse no mesmo montante nominal. Se o governo não tem margem para aumentos superiores, as empresas também não.


[Publicado no jornal online ECO]

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Estado bloqueador

Um dos obstáculos maiores ao nosso desenvolvimento económico (e outro) é a forma de actuação do Estado e da Administração Pública. Em particular, os intermináveis atrasos nos licenciamentos e nas mais diversas autorizações, que não cessam de ser criadas.

Em relação a prazos, há demasiadas cláusulas que permitem o congelamento do tempo de contagem. Estas cláusulas precisam de ser revistas e reduzidas ao mínimo. Em seguida, há tendência em considerar o prazo máximo como o prazo normal de resolução das questões. Proponho que se cria o “prazo recomendado” que, por defeito, seria, por exemplo, metade do prazo máximo. Nos serviços em que o prazo médio fosse acima do prazo recomendado, haveria uma forte restrição à atribuição da classificação de bom ou superior.

Dizem-me que muitas vezes a indecisão da Administração Pública (AP) resulta de medo dos funcionários de tomar decisões, de medo de serem acusados de corrupção, o que os leva a tomar decisões maximalistas e pouco sensatas.

Em particular na transposição das directivas comunitárias, é frequente uns funcionários, que ninguém sabe quem são, escolherem, dentro do leque de escolhas disponíveis, uma das mais restritivas. Quando se diz – e bem – que Portugal é mais papista do que o papa em relação a questões comunitárias, muitas vezes a iniciativa é da AP, que depois o governo aceita acriticamente.

Contaram-me recentemente um caso, cujos contornos concretos não vou revelar, para preservar o anonimato da fonte, em que uma directiva comunitária foi contestada por todos os países, excepto por dois, Portugal e a Grécia, que a verteram para a legislação nacional. Isto pode ter duas interpretações, qual delas a pior. Ou se trata de Estados que não têm a menor intenção de cumprir a legislação, ou têm governos e AP totalmente desfasadas da realidade dos respectivos países.

Para contrariar a inércia e a falta de realismo da AP, julgo que se impõe passar a tornar públicas estimativas, ainda que aproximadas das perdas para a economia – e para o próprio Estado – de todos os pedidos de licenciamento e autorização que aguardam decisão da AP.

Julgo que numa estimativa muito por baixo, há pelo menos 10 mil empregos por criar, pela inacção da AP. Isto corresponderá, desde logo, a 10 mil desempregados a mais, a cerca de 400 milhões de euros PIB que não temos, cerca de 180 milhões de euros de receita pública que o Estado não recebe e cerca de 50 milhões de euros em subsídio de desemprego que a Segurança Social tem que pagar porque a AP está a bloquear a criação de emprego.

Julgo que seria muito importante que, do outro lado da balança, a AP passasse a ter mais consciência de como as suas decisões (e sobretudo a falta delas) gera desemprego, pobreza e afecta as contas públicas.

Seria excelente que se disponibilizassem estimativas de emprego e investimento “pendurado”, com detalhe sobre o ministério ou autarquia em causa, com discriminação geográfica no caso da AP central. A própria comparação entre as diferentes regiões e autarquias poderia constituir uma competição muito saudável, para termos um Estado mais ágil, mais amigo do emprego e das empresas.


[Publicado no jornal online ECO]

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Sair do euro?

Desiludam-se os que pensam que Portugal tem muito a ganhar em sair do euro

 

Como já aqui referi, a discussão de saída do euro vai voltar a estar em cima da mesa, como já esteve em 2011 e 2012, quer em função das eleições na Holanda, em França, na Alemanha e em Itália, quer também por iniciativa do PCP em Portugal. Por isso, convém falar sobre o assunto, para desfazer ilusões e equívocos.

Em primeiro lugar, é importante distinguir entre saída do euro e fim do euro. Neste último caso, haveria um acordo consensual de que não seria conveniente ou sustentável prosseguir com a moeda única e ter-se-ia que chegar a acordo sobre os termos desse fim, uma negociação difícil, porque estariam envolvidos valores muito vultuosos e também porque não existem regras sobre o assunto, porque o euro foi criado para ser irrevogável, uma falta de humildade incrível dos seus criadores. 

O caso da saída isolada de um país é muitíssimo diferente, porque seria previsivelmente feito contra a vontade de todos os outros e iria gerar uma enorme instabilidade sobre todo o sistema, ao abrir a porta a outras saídas, agravando as taxas de juro de todos os países em dificuldades e podendo mesmo criar a necessidade de novos resgates aos Estados mais frágeis. Por tudo isto, é de esperar que as condições negociadas por um país isolado sejam especialmente duras.

A questão seguinte é distinguir as consequências para os países de uma saída isolada, em função das suas condições actuais, concentrando essa análise em apenas duas variáveis (por uma questão de espaço): a taxa de câmbio e as taxas de juro de longo prazo.

A saída da Alemanha (o ideal para começar o fim do euro) iria provocar uma clara apreciação do novo marco alemão face ao euro e talvez uma ligeira subida das suas taxas de juro, que estão a nível demasiado baixo, gerando protestos de muitos alemães, tendencialmente poupadores.

A saída da Holanda, que também tem um elevado excedente externo, deveria ter consequências semelhantes às da Alemanha, podendo-se considerar que os seus efeitos serão alguma melhoria do poder de compra associada a algum abrandamento da economia pela apreciação da moeda, efeitos que tenderiam a se anular mutuamente.

No caso de França, com algum défice externo, poderia ter lugar uma depreciação modesta e uma ligeira subida das taxas de juro, o que poderia ser encarado, no global, como moderadamente positivo, com a depreciação a ajudar a reduzir o desemprego, pelo efeito de aumento da competitividade.

No caso da Grécia, estima-se que a retirada do euro conduzisse a uma depreciação brutal, da ordem dos 50%, que não poderia ser compensada por subida de salários, sob pena de se entrar numa espiral inflacionista, sempre incapaz de impedir a queda dos salários reais (descontada a inflação). Ou seja, a saída do euro seria seguida por uma forte queda do poder de compra, que poderia ser em parte compensada por uma queda acentuada do desemprego, desde que (uma hipótese heróica) o país não entrasse num período de instabilidade económica e política.

O caso português está, infelizmente, mais próximo do caso grego, estimando-se que necessitaríamos de uma depreciação real entre 20% e 30%, à qual corresponderá uma forte queda do poder de compra. No nosso caso, já seria mais razoável estimar uma redução do desemprego, porque a nossa economia, durante a intervenção da troika, teve uma depreciação real muito menor do que na Grécia, mas o crescimento das exportações foi muito superior.

A análise precedente foi muito circunscrita sobre os efeitos da saída do euro, mas há duas conclusões que ressaem. Por um lado, uma saída isolada é muito mais penalizadora do que uma saída colectiva ou fim do euro. Por outro, Portugal é dos países que poderá perder mais com uma saída isolada do euro. Convinha que os portugueses percebessem isto e não caíssem nos cantos de sereia do PCP. 


[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Mais elefantes brancos, não!

Se se vai voltar ao investimento público, é essencial não repetir os erros do passado e deixar de construir elefantes brancos e obras da mais duvidosa utilidade

O investimento público foi o grande sacrificado na execução orçamental de 2016, tendo sofrido uma forte queda, ao contrário da expansão projectada, para acomodar o insucesso da estratégia económica do governo, que abrandou fortemente a economia e comprometeu as metas para as receitas fiscais.

Em 2017 e anos seguintes, parece que o executivo quer reviver o investimento público, embora não seja certo que conseguirá recursos para o fazer.

De qualquer forma, é importante esclarecer que o investimento público pode promover o crescimento económico por duas vias, a procura e a oferta, e não é nada indiferente qual delas é predominante.

Pela via da procura, o crescimento é promovido pela criação de emprego nas obras públicas e equipamento durante a fase da construção do investimento. Em alguns casos, esse é mesmo o único efeito produzido, como é o caso do estádio de Leiria, onde só se realizou um jogo de futebol.

Pela via da oferta, da produção, o investimento público estimula o crescimento se melhorar a capacidade produtiva do resto da economia. Um dos casos mais evidentes foi a construção da auto-estrada Lisboa-Porto, que gerou uma alternativa vital à estrada nacional número 1, que se tinha tornado num obstáculo gigante ao transporte de pessoas e bens entre as duas principais cidades (e regiões) do país. A construção desta auto-estrada ajudou o PIB do lado da procura até ao início dos anos noventa, mas ela tem ajudado a actividade económica do lado da oferta desde então, sendo evidente que os benefícios deste investimento do lado da oferta são muitíssimo superiores aos do lado da procura, que já se esgotaram há mais de 25 anos, se exceptuarmos os insignificantes investimentos de reparação e conservação.

Como se pode ver deste exemplo, os benefícios do investimento público do lado da procura têm uma duração muito limitada, enquanto os que derivam do lado da oferta se prolongam durante muito tempo. Infelizmente, para políticos míopes ou com receio de não ser reeleitos, o que é importante são os resultados de curto prazo, o que gera um foco em investimento público cujos benefícios (quase) se esgotam do lado da procura, o que é péssimo.

As inúmeras auto-estradas do interior praticamente vazias poupam pouco tempo de viagem a um número limitado de veículos. Assim, o benefício que trazem é muito inferior ao custo que ainda hoje pagamos por elas todos os anos, sob a forma de juros da dívida pública em que foi necessário incorrer para as financiar.

Infelizmente, temos um excesso de exemplos de mau investimento público, desde grande parte do investimento municipal, as obras sumptuárias da Parque Escolar, os estádios de futebol do Euro, o aeroporto de Beja, etc., etc.

Há a ideia de mudar o porto de Lisboa para o Barreiro, cujas condições naturais são muito piores, o que corresponderá a deitar para o caixote do lixo todo o investimento já realizado na capital, o que é uma loucura, para além de se criar tráfego rodoviário entre as margens do Tejo, actualmente já muito congestionadas.

O investimento público com lógica seria tornar (quase) todos os edifícios públicos eficientes em termos energéticos, o que é algo que se paga num número reduzido de anos. Nos portos existem também alguns constrangimentos que requerem algum investimento. Na verdade, deveria haver uma lista extensa com grande variedade de investimentos potenciais, para se fazer uma ordenação deles, em função da sua genuína utilidade. É claro que há sempre a capacidade de fazer asneira perante uma necessidade, como foi o caso do novo Museu dos Coches.


[Publicado no jornal online ECO]