sexta-feira, 22 de abril de 2016

Turbulência

As próximas semanas deverão colocar o governo sob forte pressão da UE e agências de rating, dum lado, e BE e PCP, do outro

As próximas semanas adivinham-se prenhes de dificuldades, que deverão constituir um teste difícil ao governo.

A terceira avaliação do pós-troika foi recentemente publicada, tendo-se revelado relativamente branda nas críticas à interrupção e reversão de reformas estruturais, embora este tom não deva repetir-se na avaliação que a Comissão Europeia fará dos dois principais documentos que o governo tem que publicar este mês.

O primeiro é o Programa Nacional de Reformas, de que já se sabe mais alguns detalhes, mas que mais parece um Programa Nacional de Gastar Dinheiro. Há muitas reformas que não custam dinheiro, como seja a revisão da legislação laboral, para reduzir o flagelo da precariedade. Infelizmente, nada se avança neste domínio, porque se insiste na ilusão que este problema se resolve obrigando as empresas a isto e àquilo, quando o problema é o excesso de garantias dos contractos sem termo, o que leva as empresas a evitá-los. Também é verdade que enquanto as maiores vítimas da precariedade não perceberem que o único caminho que lhes poderá ser verdadeiramente benéfico é a criação de um novo tipo de contractos de trabalho, pelo menos para as novas contratações, será difícil progredir neste domínio.

O segundo documento crucial é o Programa de Estabilidade 2016-2020, de que já se souberam alguns números. O governo teima em não reconhecer que o ano de 2016 será claramente pior do que o antecipado, quer pela deterioração da envolvente internacional, quer pela acção do próprio governo, que tem vindo a fazer recuar a confiança, quer de investidores, quer de consumidores.

A generalidade das instituições têm feito fortes revisões em baixa para o ano corrente e o indicador coincidente do Banco de Portugal tem revelado uma evolução no 1º trimestre bem preocupante.

Quanto às previsões sobre as contas públicas, o ano de 2016 permanece muito difícil e é muito provável que o tal plano B venha a ter que ser posto em prática muito em breve. Considero provável que o IVA na restauração não chegue a descer e que a redução dos cortes dos salários da função pública tenha que ser abrandada.

Em relação a 2017, parece que o executivo tem uma nova meta, mais exigente, para o défice público, apesar de antecipar um crescimento económico mais modesto. Ainda não são conhecidas as metas orçamentais para os anos posteriores, mas parece certo que esta matéria deverá ser um foco de alta tensão com os parceiros de governo. Em particular, os valores para o próximo ano, deverão ser alvo de discussão acesa, tanto mais que o orçamento respectivo terá que começar a ser preparado dentro de poucos meses.

Estes documentos do governo português deverão posteriormente ser objecto de três avaliações. A primeira delas, deverá decorrer já na próxima semana, pela única empresa de rating de que depende actualmente o nosso financiamento, a canadiana DBRS.

A segunda avaliação deverá ser feita pela Comissão Europeia, durante o mês de Maio, podendo obrigar a fortes revisões, como já ocorreu com o Esboço de Orçamento para 2016, que ficou completamente desfigurado, passando o documento final a parecer-se muito mais com os valores do executivo anterior.

A terceira avaliação será feita pelos mercados financeiros e as classificações serão atribuídas sob a forma de taxas de juro de longo prazo. Uma má avaliação nos dois casos anteriores repercutir-se-á imediatamente nesta instância. No entanto, a relutância em corrigir os erros apontados pelas instâncias europeias, também deverá ser penalizada neste exame.


[Publicado no jornal “i”]

terça-feira, 19 de abril de 2016

Egoísmo alemão

Espero que o nosso ministro das Finanças saiba defender as taxas de juro baixas do BCE, um benefício importante para um país tão endividado como Portugal

Os próximos 18 meses deverão ser fortemente condicionados, quer pelas eleições presidenciais francesas na Primavera de 2017 quer pelas eleições legislativas alemãs no Outono seguinte. É natural que os interesses nacionais destes dois países, os mais importantes da zona do euro e da UE, se sobreponham à necessária solidariedade com o conjunto da Comunidade, cujo sucesso é também importante para aqueles dois Estados.

As eleições regionais germânicas têm sido um aperitivo sobre a votação do próximo ano e não têm sido favoráveis aos partidos no poder, com a subida de partidos anteriormente muito pequenos, como o Alternativa para a Alemanha, anti-refugiados.

Neste contexto de dificuldades políticas, o muito poderoso ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, veio atacar o BCE por este ter taxas de juro muito baixas, que estão a prejudicar os aforradores alemães e o país como um todo, por ser o maior credor da zona do euro.

Estas declarações são, por um lado, totalmente egoístas, porque pretendem que o BCE olhe para os interesses individuais do seu país em vez da zona do euro como um todo e, por outro, completamente demagógicas.

As taxas de juro estão muito baixas não só na zona do euro, como na generalidade das principais economias e isto é assim porque o mundo, como um todo, sofre há já vários anos de um excesso de poupança, o que faz com que a sua remuneração seja muito reduzida.

Antes de prosseguir, é preciso esclarecer que este excesso de poupança não tem nada a ver com um eventual excesso de liquidez, que teria sido criado pelos maiores bancos centrais do mundo após a crise de 2008. Um excesso de poupança é um fenómeno da economia real, é equivalente a um défice de investimento e é muito anterior àquela crise e terá mesmo estado na origem dessa mesma crise. Aquele excesso de poupança, ao conduzir a taxas de juro muito baixas, terá levado os bancos americanos a criarem produtos cada vez mais complexos para tentarem conseguir remunerações que não fossem tão diminutas.

Os principais responsáveis por este excesso de poupança mundial são os países que apresentam os maiores superavits externos e que, em 2015, foram a China (297 mil milhões de dólares), Alemanha (292), Japão (168), Coreia do Sul (109), Holanda (81), Taiwan (76), Suíça (76), Rússia (65), Singapura (58), Itália (38) e Noruega (35).

Do outro lado da barricada, estão os países que apresentam as contas externas mais negativas, tais como os EUA (-484 mil milhões de dólares), Reino Unido (-123), Brasil (-59), Austrália (-56), Canadá (-51) e Arábia Saudita (-41).

Como se pode ver, a Alemanha é um dos principais responsáveis pelo excesso de poupança mundial, isto é, um dos principais responsáveis por as taxas de juro estarem tão baixos. Por isso, é o cúmulo do absurdo e do descaramento a acusação feita ao BCE.

Se Schäuble aumentasse o investimento público no seu país, quanto mais não fosse na antecipação de obras conservação de infra-estruturas, estimularia a economia do seu país e da generalidade dos outros países da zona do euro, também pelo efeito de depreciação do euro que a redução do superavit alemão traria. Quanto mais essa política tivesse sucesso, maior a margem para o BCE iniciar a subida das taxas de juro.

Na verdade, o governo germânico está num dilema insolúvel: por um lado, o eleitorado não quer ouvir falar em estímulos orçamentais e, por outro, detesta taxas de juro muito baixas, que colocam em causa as suas pensões futuras.


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Pior era difícil

Para um governo que queria estimular a procura interna, é muito irónico e grave o efeito desastroso sobre o investimento

O Banco de Portugal publicou a semana passada novas previsões económicas, que incluem já o ano de 2018, para o qual se espera uma continuação da moderada recuperação económica em curso.

Para os anos anteriores, há uma ligeira revisão em baixa, de poucas décimas, de 1,7% para 1,5% em 2016 e de 1,8% para 1,7% em 2017, o que, em princípio, não deveria causar sobressaltos de maior. No entanto, as novidades são muito mais alarmantes do que se poderia imaginar à partida.

Em primeiro lugar, tem que se salientar que o Banco de Portugal parece estar um pouco optimista em relação ao cenário internacional, ainda que as previsões sobre as exportações tenham sido revistas em baixa.

No entanto, a parte mais alarmante encontra-se na frente interna. Mantém-se a previsão sobre o consumo privado, em 1,8% em 2016, alargando-se a sua diferença em relação ao andamento do PIB. Este crescimento do consumo acima do PIB agrava o nosso problema de termos um nível de consumo privado (em percentagem do PIB) que está acima da média da UE e que implica que temos uma taxa de poupança claramente insuficiente. A perpetuar-se esta tendência, quando assistirmos à recuperação do investimento, voltaremos aos défices externos, que já nos conduziram a três resgates internacionais nas últimas quatro décadas.

Mesmo assim, o mais grave ocorre no investimento, que sofreu uma fortíssima revisão em baixa, de 4,1% para 0,7% em 2016 e menos forte em 2017 (de 6,1% para 4,5%). Já desde 2012 que Portugal tem um nível de investimento muito abaixo do mínimo aceitável, que é aquele que permite manter o nível total de capital do país intacto.

Este capital é composto por infra-estruturas (estradas, caminhos-de-ferro, portos, aeroportos), edifícios (de habitação, industriais e de serviços), equipamento agrícola, industrial, informático entre outros, veículos comerciais, etc. Todos os anos, este capital vai-se depreciando, de forma mais lenta do caso das infra-estruturas e edifícios e de forma mais rápida no caso dos equipamentos, com destaque para a informática.

Como é evidente, o novo investimento não vem apenas substituir o antigo, mas traz consigo uma modernização dos meios de produção. O que é habitual é que, todos os anos, o investimento seja suficiente para não só compensar a deterioração do capital existente, mas também para permitir aumentar o seu total, o que é absolutamente essencial para criar novo emprego, aumentar a produtividade e dar sustentabilidade ao aumento dos salário reais.

O que é totalmente anormal é o que se está a passar em Portugal desde 2012, em que o investimento tem sido abaixo daquele mínimo, o que faz com que o nível total de capital esteja a cair desde então.

Por tudo isto, espero que não subsista qualquer dúvida sobre a gravidade da revisão em baixa do Banco de Portugal sobre o investimento. Se não sobram dúvidas sobre a gravidade desta questão, resta-nos esclarecer a razão porque aconteceu, salientando que a anterior previsão tinha sido feita há apenas três meses.

Se olharmos para as perspectivas do PIB, verificamos que não houve nenhuma mudança substancial, pelo que não é a falta de optimismo sobre a economia que motiva aquela desaceleração.

Em contrapartida, sabemos que o actual governo tomou posse a 26 de Novembro e que tem tomado um conjunto significativo de medidas (reversão de privatizações e de concessões, aumento do IRC) que não são amigas dos empresários. Daí decorreu uma forte perda de confiança, que, essa sim, explica este empalidecimento do investimento.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 3 de abril de 2016

Reformas vagas

O Plano Nacional de Reformas tem debilidades estruturais e é muito vago

No âmbito do chamado Semestre Europeu, durante o mês de Abril, todos os Estados-Membros da UE estão obrigados a presentar o seu Plano Nacional de Reformas, onde deverão estar contidas as políticas e medidas para o crescimento e o emprego sustentável e também para atingir as metas nacionais definidas no programa Europa 2020.

Este programa europeu é o sucessor da Agenda de Lisboa, que foi aprovada em Março de 2000 e que tinha como objectivo estratégico transformar a UE “na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado por uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e uma maior coesão social”. Isto lido na altura dava vontade de rir, mas hoje dá vontade de chorar.

Como não surpreende, a esmagadora maioria dos objectivos traçados e metas quantitativas estabelecidas não foi cumprido. No entanto, parece que isso pouco serviu de exemplo para ter mais cuidado, em 2010, com o programa “Europa 2020 –Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”. É verdade que o objectivo estratégico já não é delirante, mas algumas das metas são questionáveis.

Mas o que não mudou foi o total irrealismo da parte do governo de Portugal. Apesar de ser possível definir metas nacionais menos ambiciosas do que a meta para o conjunto da UE, o executivo de Sócrates não usou desta prerrogativa, tendo escolhido algumas metas totalmente delirantes.

Em relação ao investimento em Investigação e Desenvolvimento, em 2009, a Alemanha gastava 2,72% do PIB, enquanto Portugal só despendia 1,58% do PIB. Pois o governo português achou que faria sentido subirmos estes gastos para 3% do PIB em 2020, tal como a Alemanha, não percebendo que investir bem nesta área exige um progresso lento. Infelizmente, o que se tem passado é o inverso, tendo este sector sofrido pesados cortes.

O Plano Nacional de Reformas agora apresentado tem várias deficiências estruturais. Em primeiro lugar, não reconhece dois dos mais graves económicos do país: que estamos quase estagnados há quinze anos; que o stock de capital tem vindo a cair há vários anos, devido a um nível de investimento demasiado baixo.

Dos seis pilares estratégicos, há um em particular que está definido de forma incompreensivelmente limitada, o “Capitalizar as empresas”. Aumentar o stock de capital é um dos elementos chave de qualquer processo de desenvolvimento, porque só isso permite aumentar o emprego, a produtividade e dar sustentação à subida dos salários reais.

Ou seja, este pilar deveria ser “Aumentar o investimento”, o que abarca muito mais coisas, nomeadamente atrair Investimento Directo Estrangeiro, como também tornar o investimento genericamente mais atraente. Para além disso, tudo isto está em total contradição com a programada subida do IRC.

Para concluir uma primeira avaliação genérica deste Plano de Reformas, é preciso acrescentar que há uma sistemática confusão entre o que são “objectivos intermédios” e o que são “medidas”. “Garantir o ensino secundário como patamar mínimo de qualificações” (p. 11) não é nenhuma medida, é mais um objectivo piedoso.

Na página 38, surge como medida “Simplificar a legislação e garantir a estabilidade e a previsibilidade normativas”. Isto também não é nenhuma medida, é um objectivo, que o governo, nos seus poucos meses de vida, tem torpedeado completamente. A confusão de excepções que o executivo pretende criar em relação aos impostos sobre os combustíveis não podia complicar mais e quanto à estabilidade normativa na educação e no IRC estamos conversados.


[Publicado no jornal “i”]