sexta-feira, 29 de julho de 2016

Suspeitas sobre as contas públicas

As necessidades de financiamento do Estado foram 4,7% do PIB no 1º semestre, a que se deve somar o esvaziamento dos “cofres cheios” do anterior governo, contra um défice “oficial” de apenas 1,6% do PIB, em que é muito difícil de acreditar.

Em 2001 e em 2009 já houve problemas sérios com a fiabilidade das contas públicas portuguesas. No primeiro caso, o governo tentava convencer-nos de que o défice estava em 1% do PIB, apesar de as necessidades de financiamento superarem os 5% do PIB. No final, o défice veio a revelar-se muito superior e próximo (4,3% do PIB), como é natural, das necessidades de liquidez do Estado.

Em 2009, até às eleições o executivo jurava a pés juntos que as contas públicas estavam controladas, contra toda a evidência e apesar das medidas eleitoralistas tomadas nesse ano. Depois das eleições veio a saber-se que o défice tinha sido de quase 10% do PIB, o maior valor alcançado até então por Portugal desde a entrada no euro. O que se passou neste caso foi particularmente grave, porque desvirtuou profundamente os resultados eleitorais. Se os eleitores soubessem do desastre a que Sócrates tinha conduzido as contas públicas não lhe teriam provavelmente renovado a vitória, até porque este tinha Manuela Ferreira Leite como adversária.

Neste momento, acumulam-se os sinais de que os socialistas voltaram a colocar em causa a fiabilidade dos valores da execução orçamental. Os governos podem maquilhar os valores da receita e da despesa pública, mas é praticamente impossível disfarçar as necessidades de financiamento, porque estes fundos precisam mesmo de ser obtidos junto do mercado e aí é quase impossível falsear dados, sob pena de se incorrer num fatal défice de credibilidade, que compromete o financiamento futuro.

Ora os dados oficiais do IGCP revelam que as necessidades de financiamento do Estado no 1º semestre foram de 4,7% do PIB, superando já os 4,6% para o conjunto de 2015. Ao montante já obtido junto dos investidores deve-se acrescentar algum esvaziar dos “cofres cheios” deixados pelo anterior governo.

Porque é que foi necessário tanto dinheiro, se o défice do 1º semestre foi “só” de 1,6% do PIB? Repare-se que este foi feito, mesmo com o reconhecimento oficial de atraso nos pagamentos e que é demasiado elevado para permitir que o défice de 2016 fique abaixo dos 3% do PIB, até porque o 2º semestre tem as contas agravadas, quer pelos atrasos do 1º semestre, quer pelas novas medidas que entraram em vigor.

Resumindo, suspeito que as contas apresentadas pela DGO perderam a fiabilidade e que, a menos que sejam tomadas medidas drásticas, Portugal não sairá do processo de défices excessivos este ano e sofrerá sanções por isso.

Sugiro que a Comissão Europeia exija uma auditoria à DGO e deixo uma lista dos indicadores que me parecem mais suspeitos: receitas dos impostos sobre o tabaco, o álcool e imposto de selo (andariam a subir miraculosamente e de forma muito conveniente, de modo a compensarem a falta de receitas nos três impostos principais que dependem da actividade económica, IRS, IRC e IVA); reembolsos de IRS (pretensamente a subir 10,4% quando há queixas generalizadas de atrasos); atrasos nos pagamentos (devem ser muito superiores aos valores oficiais).

Da execução orçamental também resulta claro um outro problema: o governo prefere sacrificar o país, com quebra drástica do investimento público, para satisfazer as suas clientelas partidárias no sector público, com a reposição de salários e semana das 35 horas (como é que isto não é inconstitucional?)


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Irresponsabilidade com a banca

Este governo tem-se especializado numa atitude completamente irresponsável com a banca, desde o Banif à CGD e ao Novo Banco. Em relação a este a irresponsabilidade entrou na estratosfera, ao sugerir a sua possível liquidação dentro de um ano. Querem gerar o pânico e uma corrida aos depósitos?

O sector bancário continua extremamente fragilizado, carregando os excessos do passado, tendo que sofrer todo o crédito malparado gerado pela crise e difícil recuperação desde 2008 e ainda as taxas de juro muito baixas e, mais recentemente, negativas, que criaram um rombo extraordinário na rentabilidade destas instituições.

Com todos os custos que esta fragilidade, somada à má gestão e desonestidade em alguns casos, já teve para os contribuintes, esperar-se-ia que os governos tivessem a maior cautela em gerir a sua relação com o sector e que, especialmente, não criassem ainda mais custos para as vítimas do costume.

No entanto, este executivo tem tido um comportamento incompreensível, seja qual for o ângulo em que seja avaliado. Porque é que o Banif foi vendido à pressa com tantos custos para os contribuintes? Ainda ninguém nos forneceu uma resposta cabal, incluindo-se aqui o Banco de Portugal, que também tem estado muito longe de ter uma atitude irrepreensível, como seria exigível.

Em relação à CGD, soubemos agora que desde Dezembro que a administração cessante esperava uma resposta do governo em relação à sua proposta de recapitalização do banco, que não envolvia recursos públicos. Qual a razão para deixar esta instituição tão importante numa total indefinição estratégica? O que levou o ministro das Finanças a lançar as maiores suspeitas sobre “buracos” na Caixa? Destruir património público, só para ganhar umas magras lentilhas políticas?

Parece evidente que a CGD foi utilizada pelos partidos de governo para fazer favores políticos (ou outros…) e que é necessária uma reforma institucional na sua forma de gestão, para que não tenhamos uma recapitalização que apenas se destina a fornecer mais dinheiro para repetir todos os erros do passado.

Já se percebeu que o actual executivo não está nada interessado em conhecer de forma detalhada – e pública – todas essas más decisões, mas ao menos poderia ensaiar um simulacro de reforma. Em vez disso, fez escolhas que indiciam que pretendem a continuação do caldo de cultura que permitiu os desmandos do passado. Em primeiro lugar, ter a mesma pessoa como presidente da comissão executiva e do conselho de administração, uma opção já criticada pelo BCE. Depois, ter como administradores não executivos, que deveriam fiscalizar a comissão executiva, antigos ministros dos partidos responsáveis pelo desastre da CGD e sem experiência bancária. Se não têm experiência no sector, como é que o podem fiscalizar? Isto é ou não é o perfil ideal para não mudar nada de substancial nas condições que nos trouxeram ao buraco actual?

Mas se queriam tomar todas estas más decisões, porque é que não as tomaram há mais tempo? Porque é que os perfis dos candidatos aos novos órgãos sociais não foram submetidos a aprovação atempadamente? Aliás, sublinhe-se também que o BCE não encara nada com bons olhos a mudança de todos os nomes anteriores, preferindo uma substituição paulatina da administração.

Em relação ao Novo Banco, a irresponsabilidade deste governo entrou na estratosfera, ao sugerir a sua possível liquidação dentro de um ano. Querem gerar o pânico e uma corrida aos depósitos? Querem desvalorizar este banco, para só se conseguir vender por tuta e meia, e os contribuintes ficarem com a factura mais elevada possível? Querem que a divida pública atinja um novo máximo? Querem que a factura dos juros do Estado aumente o mais possível?


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 17 de julho de 2016

A Comissão não aprende

Qual é a lógica de a Comissão Europeia não agir de forma antecipada e pretender aplicar multas a posteriori?

O actual imbróglio nacional em torno das sanções europeias tem três grupos de responsáveis: o anterior governo, o actual governo e a Comissão Europeia. O executivo de Passos Coelho fez um orçamento de 2015 arriscado, desrespeitando o Tratado Orçamental e as recomendações da Comissão, com a óbvia intenção de ter um bom resultado eleitoral que, em alguma medida, conseguiu. Para além disso, tem também uma forte responsabilidade, repartida com o Banco de Portugal, na péssima gestão do dossier Banif, que inclui oito (!) chumbos de projectos de solução e um arrastar incompreensível de todo o processo.

O governo de António Costa carrega o ónus de ter aceite a caríssima e inexplicável solução final para o Banif, para além de ter revertido várias reformas estruturais exigidas pela troika e uma irresponsável gestão do orçamento de 2016, que tem gerado uma enorme indisposição dos nossos parceiros comunitários contra o nosso país. Acresce que nos tem levado a pagar pesadas sanções desde há seis meses, sob a forma de juros mais altos, pela desastrosa estratégia económica e opções orçamentais, que também têm gerado uma enorme desconfiança junto dos investidores internacionais.

A Comissão Europeia também não está isenta de responsabilidades. Em primeiro lugar, pela forma como permitiu que o governo PSD/CDS fosse avante com a sua proposta orçamental, em clara violação dos tratados europeus. Em segundo lugar, por ter permitido que, desde que o euro foi criado, as sanções previstas tenham permanecido letra morta até aqui.

Imaginem uma rua, onde está uma placa uma placa de proibição de estacionamento há 15 anos, mas onde a polícia sempre fez vista grossa das insistentes violações. Se a polícia decide que, afinal, a partir de agora a sinalização tem que ser respeitada, tem que avisar os condutores disso, e não tem legitimidade de passar multas de estacionamento por casos passados.

Por isso, julgo que a Comissão e o Conselho Europeu pretendem que as sanções sobre os resultados de 2015 sejam meramente simbólicas mas, para 2016, já deverão doer.

O que é totalmente incompreensível é a atitude da Comissão face ao orçamento português de 2016. É evidente, para todos e para a Comissão, que as metas de 2015 não foram respeitadas e que as metas de 2016 também não o serão. Como é que se explica, então, que a Comissão tenha permitido que o governo de António Costa tenha feito entrar em vigor, a partir do 2º semestre deste ano, três medidas que vão agravar o défice: reposição parcial dos mais altos vencimentos da função pública, a semana das 35 horas e a descida do IVA na restauração? Qual é a lógica de não agir de forma antecipada e pretender aplicar multas a posteriori?

Entendamo-nos: o primeiro responsável é o governo socialista do país que faz disparates e só em segundo lugar podemos responsabilizar a Comissão por não ter impedido que eles tivessem lugar. Não me venham com – patéticos – argumentos legalistas, de que a Comissão não tinha instrumento legais para proibir o que quer que seja. A Comissão tem sempre, a seu favor, a possibilidade de pressão “moral”, com fortíssimos impactos financeiros, de acusar um executivo de estar a desrespeitar as normas comunitárias. Não são necessárias medidas formais, bastam pressões em privado, ou em público se se chegar a tanto, para fazer os países entrar na linha. O que não se percebe mesmo é a repetição da asneira.


[Publicado no jornal “i”]

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Saudades da troika?

Ao contrário do que o governo diz, a execução orçamental está a correr muito mal, maquilhada com atrasos nos reembolsos de IRS e com adiamento no pagamento a fornecedores. A economia está muito pior do que o cenário delirante em que o orçamento foi baseado e no segundo semestre as contas públicas deverão sofrer um rombo com a diminuição do IVA da restauração, a reposição de salários na função pública e a semana das 35 horas.

Depois de muitas incertezas, a Comissão Europeia abriu um processo que pode conduzir a sanções a Portugal e Espanha. Antes de mais convém lembrar que esta é a primeira vez que tal ocorre, embora o não cumprimento da norma sobre os défices orçamentais já tenha sido violada em mais de cem casos desde o início do euro, por um número elevadíssimo de países, incluindo a própria Alemanha.

No entanto a Comissão não fez qualquer proposta concreta de sanção, devendo esta sua avaliação ser alvo de apreciação na próxima reunião de ministros das Finanças, no próximo dia 12. Aí, a avaliação será muito mais política, havendo dois campos opostos. Aquele que é liderado pela Alemanha pretende que haja sanções, para que não se instale o laxismo e que se reforcem as condições de integração europeia. Do lado oposto estarão os que se opõem às sanções, provavelmente com dois tipos de motivação bem diferente. Uma primeira, mais presente nos países do Sul, será a de se livrarem de sanções no futuro. Uma segunda, mais altruísta, será a de limitar a expansão do sentimento anti-UE, já muito inflamado e mais ainda pelo resultado do Brexit.

Será fácil – e correcto – argumentar que estamos perante dois pesos e duas medidas, mas em algum momento do tempo se teria que passar a exigir o cumprimento das normas orçamentais, sob pena de que se instale um desrespeito generalizado. Aliás, parece evidente que terá sido a inexistência passada de sanções que terá levado Passos Coelho a correr os riscos que correu no orçamento de 2015.

Em relação à razão porque Portugal corre o risco de sofrer sanções, elas não se prendem apenas com o défice de 2015 ter ficado acima dos 3% do PIB, mas porque nesse ano não houve redução do défice estrutural (expurgado do ciclo económico). Entre 2013 e 2015, o nosso país deveria ter reduzido o défice estrutural em 2,5% e a correcção não chegou a metade disso (1,1%).

Se o Ecofin da próxima terça-feira aprovar sanções, a Comissão tem 20 dias para fazer uma proposta concreta de multa e também tem que propor a suspensão de novos compromissos (mas não de pagamentos) de fundos comunitários.

Já tinha sido ventilado anteriormente que Portugal teria algumas semanas para tomar medidas correctivas e espero bem que o faça.

Ao contrário do que o governo diz, a execução orçamental está a correr muito mal, maquilhada com atrasos nos reembolsos de IRS e com adiamento no pagamento a fornecedores. A economia está muito pior do que o cenário delirante em que o orçamento foi baseado e no segundo semestre as contas públicas deverão sofrer um rombo com a diminuição do IVA da restauração, a reposição de salários na função pública e a semana das 35 horas.

Por tudo isto, que não é pouco, seria sempre necessário um plano B, do qual o executivo tem fugido como diabo da cruz, com medo das suas repercussões na sobrevivência da “gerigonça”.

Agora temos a provável ameaça de sanções e novas exigências para o orçamento de 2017. Aí, António Costa será confrontado com um dilema terrível: ceder a Bruxelas e, em consequência disso, perder apoio parlamentar e ser forçado a demitir-se, ou ceder aos seus parceiros e colocar o país a caminho de chamar de novo a troika.


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Após o Brexit

A UE é um dos principais responsáveis pelo Brexit, mas parece incapaz de reconhecer isso

Penso que tem havido um conjunto de explicações pouco satisfatórias sobre a vitória do Brexit, nomeadamente de que seria fruto de manipulação de políticos populistas. Não negando a completa irresponsabilidade de Cameron, parece-me que aquele resultado decorre de décadas de excesso de integração europeia forçada e mal preparada, de que o euro é o exemplo máximo; de décadas de défice de subsidiariedade e híper-regulamentação centralizada; da total inconsciência da UE dos problemas acumulados e da necessidade de os corrigir.

Para além disso, há também um défice constitucional do Reino Unido, com menos freios e contrapesos para a saída da UE dos que os que existem para os casais se separarem. Há, aliás, vários sinais de que poderá haver a repetição do referendo, o que seria curioso porque o novo resultado poderia ser atribuído à intransigência da UE. Repare-se que uma confirmação eleitoral deste resultado (eventualmente através de eleições legislativas antecipadas), longe de ter como objectivo a obtenção do resultado “correcto”, se destinaria a garantir que essa é a vontade de uma maioria consistente do eleitorado e não a expressão de um exaltado e pouco informado voto de protesto, que recua quando cai em si.

Provavelmente, há também uma manifestação de desagrado com a globalização, por parte de segmentos menos prósperos e dinâmicos da população. O que há aqui de muito irónico, é que o Reino Unido, dirigido por Thatcher, teve um duplo papel de promoção daquela globalização. Em primeiro lugar, pela liberalização da economia e do comércio internacional, que contagiou imensos países; em segundo lugar, pelo seu papel na queda dos regimes comunistas, que conduziu à actual hegemonia da economia de mercado, que derrotou o seu concorrente: a economia de planificação central.

Assumindo que o desejo de Brexit é consistente, como deve a UE negociar? Em primeiro lugar, deve recordar-se que o objectivo primordial da UE é a paz, pelo que uma atitude não cooperativa é totalmente contrária ao espírito “europeu”.

Depois, deve-se evitar a todo o custo tentar impor condições punitivas aos britânicos, como se querer sair da UE fosse uma ofensa e houvesse a necessidade de dissuadir outros. Querem mesmo que os países fiquem, não porque é bom estar, mas porque sair é pior, como já se passa no caso do euro? Mas querem maior receita para o desastre, a prazo? O objectivo é maximizar os anti-corpos à UE, para que uma eventual saída futura se faça com o máximo de estrondo e conflito?

Da parte de Portugal, deve haver o maior empenho para que se evitem condições gravosas ao Reino Unido que, ainda por cima, devem também ser prejudiciais para a própria UE. Em linha com isso, devemos também reforçar os laços bilaterais com o nosso mais antigo aliado.

O Brexit deverá também conduzir a alterações dentro da própria UE e, neste campo, Portugal deve mostrar a sua oposição frontal a qualquer tipo de criação de directórios, sejam eles dos membros fundadores, dos maiores Estados Membros ou quaisquer outros. Um grupo restrito de países não deve ter o poder de ditar o que se aplica aos outros.

Em contrapartida, defendo uma UE a várias velocidades, em que cada grupo tem plena liberdade de decidir o que se aplica ao grupo. A tentativa de uniformização total de um conjunto cada vez mais heterogéneo de países faz cada vez menos sentido, para além de estar na origem de imensos dos actuais anti-corpos.


[Publicado no jornal “i”]