segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Demagogia e eleitoralismo travestidos de ideologia

Há demasiadas ideias demagógicas e eleitoralistas em circulação, benevolamente designadas como “ideológicas” ou “opções políticas”, um branqueamento muito pernicioso, que impede a sua denúncia.

Em Portugal, é muito frequente os partidos defenderem ideias erradas, ignorantes, pouco inteligentes (para ser meigo), etc., etc. A isto soma-se um grave problema: a maior parte das vezes a (ou alguma) comunicação social e largos estratos da população (mesmo da mais informada) descreve essas ideias como opções “ideológicas” ou “políticas”.

Esta descrição começa por ser extremamente preguiçosa, para se transformar no branqueamento das ideias mais erradas. Mesmo as propostas mais demagógicas, populistas e eleitoralistas são descritas como “políticas”. Em vez de serem analisadas e denunciadas pela sua verdadeira natureza, são desculpadas, como se aos partidos políticos fosse autorizada a defesa de qualquer ideia, por mais perniciosa que ela seja.

Muitos partidos defendem a gratuidade de certos bens e serviços, o que não passa de pura demagogia, vendendo uma ideia muito apelativa, escondendo que esta custará muitos milhões aos contribuintes. Como é que subsidiar todos, sobretudo os mais ricos, pode ser considerada uma opção “ideológica” ou “política”? Isto não passa de demagogia em estado puro, misturada com muita ignorância e má fé. Porque não se denuncia isto?

Vários partidos pretendem criar um apartheid entre sector privado e sector público, criando privilégios para os segundos a que os primeiros jamais poderão ter acesso. Pretendem também maximizar a dimensão do sector público, mesmo que isso se faça à custa dos serviços prestados à população. Neste caso, o que se pretende é satisfazer uma clientela eleitoral. Isto não pode sequer ser definido como “cegueira ideológica”, mas antes como puro eleitoralismo. Não estamos perante opções ideológicas, mas perante uma caça ao voto.

Uma das coisas que o debate público mais precisa em Portugal é de muito mais exigência. A oposição precisa de exigir mais ao governo: mais explicações pelas escolhas, mais fiscalização e maior escrutínio dos resultados.

Uma das coisas que mais me choca é que o meu mural no Facebook, devidamente seleccionado, bem entendido, tem uma oposição muito mais acutilante, exigente – e atempada – do que a realizada pelos partidos da oposição.

A comunicação social também precisa de fazer muito mais. Saúda-se a – relativamente recente – preocupação com a verificação de factos, mas é necessário que abranja muito mais temas e que seja mais consistente.

Mas são os eleitores em geral que precisam de ser muito mais exigentes. Não é aceitável que o investimento que tem sido feito na educação ao longo das últimas décadas não tenha resultado numa elevação da qualidade do debate público.

Se as coisas estivessem a correr bem, ainda se aceitava a actual situação. Mas é importante relembrar que Portugal está a caminho de se tornar na quinta economia mais pobre da UE, fruto do desastre das duas últimas décadas, pelo que não há qualquer tipo de justificação para a demissão cívica a que se tem assistido.

[Publicado na Capital Magazine]

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Estado pagar a tempo e horas


Se o Estado pagasse a tempo e horas, isso iria libertar financiamento para as empresas investirem e exportarem mais. Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras medidas – correctas – , que permitiriam contrariar a desaceleração económica em curso.

O Estado consegue (quase) sempre financiar-se a taxas mais baixas do que os privados, pelo que, ao atrasar-se nos pagamentos, está a obrigar os fornecedores (e outros) a pagar juros mais altos do que o Estado pagaria. Dado que a economia portuguesa tem uma elevada dívida externa, isso significa que, em termos macroeconómicos, estamos a pagar mais juros ao exterior do que seria possível – e desejável.

Não tenham qualquer dúvida que estes custos mais altos que o Estado impõe aos seus fornecedores são, de uma maneira ou de outra (geralmente sob a forma de preços mais altos), pagos pelos contribuintes, pelo que o pagamento atempado permitiria poupanças.

Se, em geral, isto se passa assim, no actual contexto isto ainda é mais verdade, porque na emissão de dívida de curto prazo (até um ano), desde 2015, a taxa de juro passou a ser negativa, ou seja, em vez de pagar juros, o Estado recebe-os.

Em suma, se o Estado emitisse Bilhetes do Tesouro no montante das suas dívidas correntes ainda poderia receber alguns juros com isso. O total de Bilhetes do Tesouro emitidos é de cerca de 15 mil milhões de euros, pelo que não estamos a falar num aumento significativo deste montante (talvez um quinto), não se devendo esperar que o impacto nos juros seja expressivo.

Aliás, a Directiva (comunitária) 2011/7/UE (reformulação da Directiva 2000/35/CE), que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, define como prazo comum os 30 dias, e apenas excepcionalmente os 60 dias, prazos que o Estado português reiteradamente não cumpre, sem nenhuma boa desculpa.

Temos aqui também a habitual esquizofrenia das políticas públicas. Os atrasos nos pagamentos são uma fonte importante de descapitalização (ou dificuldades de financiamento) das empresas, que depois o Estado tenta compensar com programas de capitalização, largamente ineficazes.

Se o Estado reduzisse – drasticamente – os prazos de pagamentos, não só dava o exemplo moral, como fornecia às empresas meios concretos para replicar esse exemplo, pelo que é muito provável que os efeitos indirectos excedessem muito largamente os efeitos directos.

Sem necessidade de recorrer a financiamento (muito escasso) para fazer face às necessidades do fundo de maneio, as empresas teriam mais margem para investir. E oportunidades não faltam, muitas das quais não são exploradas, devido justamente ao estrangulamento no financiamento.

Cerca de 70% das empresas exportadoras exportam apenas para um mercado, por vezes bem exigente, como é o caso da Suíça, dos Espanha e dos EUA. Ou seja, têm um bom produto, mas não têm condições para aumentar a produção. Com mais financiamento, poderiam expandir as suas exportações para outros mercados, favorecendo o nosso crescimento económico.

Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras medidas correctas –, que permitiriam contrariar a desaceleração económica em curso, sem cair no erro de estimular a procura, onde temos muito pouca margem para agir, devido ao ainda elevado nível de dívida pública.

PS. Se a ADSE tem saldo positivo, não há qualquer tipo de desculpa para ter atrasos tão grandes nos pagamentos aos fornecedores, uma das principais causas de queixa destes.

[Publicado na CapitalMagazine]

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A guerra da ADSE será paga em Outubro


O actual conflito entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar num conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, com óbvias consequências eleitorais.

Tudo indica que a administração da ADSE entrou em guerra com o sector privado, sem uma estratégia de solução, sem dar resposta às queixas dos privados e sem reflectir sobre as consequências, arriscando-se a infligir inúmeros custos aos seus beneficiários, movida por uma cegueira ideológica e irracional de esquerda.

A ausência de uma estratégia de solução ressalta da absoluta falta de vontade de negociar com os privados (não negociam desde Outubro) e do lirismo de esperar que o sector social, que apenas representa um quarto do total, possa substituir os outros três quartos. A expectativa da quadruplicação do sector social no curto prazo (e mesmo a médio prazo) é simplesmente irrealista, de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer.


Os privados apresentaram três queixas em relação ao que a ADSE exige: regularizações retroactivas (sem considerar a complexidade clínica do doente e a utilização de procedimentos diferenciados); a tabela de preços de medicamentos e dispositivos médicos (“totalmente desajustadas do real custo dos atos médicos”) e prazos de pagamentos. No caso da CUF, este prazo médio é de 283 dias, quando o prazo contratado é de 120 dias, mesmo este “excessivamente longo” e que “contraria a transposição da Diretiva Europeia que impõe ao Estado e demais entidades públicas o pagamento a fornecedores num prazo máximo de 60 dias”.

O que se segue é que alguns dos actuais beneficiários da ADSE podem deixar de pertencer ao sistema (perda de receita para a ADSE), trocando-a por seguros de saúde, podem passar a recorrer ao SNS (que já está a rebentar pelas costuras), ou manter os hospitais privados, mas pagando antecipadamente os serviços e aguardando pelo posterior reembolso pela ADSE.

Um doente que tenha sofrido um AVC poderá ter de passar cerca de quatro meses numa clínica de recuperação, com um custo de 4 mil € por mês, com 80% de comparticipação da ADSE. Hoje em dia, pagaria 800€ por mês, um valor elevado, mas relativamente gerível.

A partir de Abril, o doente tem que passar a pagar 4 mil € por mês e esperar nove meses para o receber (se os prazos forem semelhantes aos da CUF). Se a estadia na clínica for de quatro meses, como é que consegue pagar 16 mil €? Vai para casa mais cedo, num 2º andar sem elevador, preso em casa por não conseguir descer nem subir escadas, por não ter ainda concluído a recuperação? O que é que este doente – e a sua família – vão pensar sobre a ideologia que destruiu os benefícios anteriores da ADSE?

Outro doente precisa da prótese de um braço e a ADSE, com enorme atraso, propõe-lhe pagar o preço da prótese de um dedo, que é o valor mínimo que está na tabela. Como é que este paciente vai reagir?

Em suma, o actual conflito entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar num conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, que relatarão, diariamente, os casos de atrasos mais inadmissíveis nos reembolsos e de casos em que a ADSE quer pagar reembolso por um acto médico que não tem nada a ver com o que foi realizado.

A poucos meses das eleições, isto é uma estratégia de “génio”. A ADSE vai perder receitas, vai expandir a concorrência, o SNS vai ficar mais próximo da implosão e vamos ouvir uma sucessão interminável de relatos que revelam um comportamento inaceitável por parte da ADSE.

É praticamente impossível isto não ter consequências eleitorais. Só se a direita for muito burra (hipótese não impossível de descartar) é que não cavalgará a onda de descontentamento que esta cegueira ideológica de esquerda irá produzir. Com tanta asneira junta, a direita tem mesmo grandes hipóteses de conseguir desfazer a actual maioria de esquerda e, atraindo abstencionistas, conseguir uma maioria absoluta.

[Publicado no Observador]

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Governar contra o interesse nacional (4)

Temos sido tão mal governados, que não admira que estejamos a caminho de sermos a quinta economia mais pobre da UE, como detalhei aqui (páginas 16 a 19).

Podem ler aqui a primeira, a segunda e a terceira parte desta série, que pretende desfazer a grande ilusão de que, em Portugal, as medidas políticas têm racionalidade ou inspiração ideológica.

13. Leis mal feitas. As nossas leis são muito deficientes, sendo muitas vezes difíceis de interpretar, pela incompetência com que são feitas. Lembro de um caso em que a lei estava tão mal escrita, que era praticamente impossível de perceber qual era a interpretação que o legislador tinha em mente. O exemplo era tão flagrante que, pouco tempo depois da lei ser aprovada, o ministro que a tinha concebido foi confrontado por jornalistas, para que esclarecesse a questão. Em vez de reconhecer o erro e promover uma nova redacção da legislação, o ministro teve o topete de dizer que os tribunais é que deveriam decidir. O cúmulo do descaramento: não reconheceu a asneira, não a corrigiu e remeteu o disparate para os tribunais, que deveria achar que não estavam ainda suficientemente sobrecarregados.

Há um conjunto alargado de casos, de legislação económica, em especial fiscal, em que se percebe que o legislador não domina noções básicas de matemática e produz os maiores disparates.

14. Medidas ineficientes. Eficiência, em termos económicos, é definida como eficácia com o mínimo de custo. Despejar uma banheira com um balde é eficaz, consegue esvaziar a banheira, mas não é eficiente. A forma mais eficiente de o conseguir é destapar o ralo. Na justiça, parece que se está a tentar esvaziar a banheira com uma colher de café…

Quando estamos em presença de medidas eficazes mas não eficientes, demasiadas vezes não há oposição, porque parece que se está no caminho certo. Mas não é verdade, há outras medidas que seriam mais eficientes, mas que não são sequer tentadas, muitas vezes por pura ignorância e falta de inteligência dos “boys” que dominam a política nacional.

15. Privatização (mal pensada) de funções da administração pública. A transposição directa de mecanismos de gestão do sector privado para o sector público dá, demasiadas vezes, asneiras grossas, porque as condições são demasiado diferentes. No sector privado é comum as empresas subcontratarem alguns serviços, por boas razões, quando a especialização dos subcontratantes permite significativos ganhos de eficiência, e também por más razões, quando a subcontratação tem como principal objectivo não pagar regalias comuns na empresa e proletarizar os trabalhadores das empresas exteriores. Em qualquer dos casos, este mecanismo permite reduzir os custos das empresas e tem alguma lógica.

A transposição directa desta ideia para o sector público é, geralmente, fruto de falta de inteligência, ignorância e cobardia. Falta de inteligência, por não se perceber que as condições no sector público são muito diferentes. No sector privado, apesar de tudo, é possível o despedimento colectivo, que permite poupar recursos. No sector público, este despedimento, para além de ser legalmente muito difícil, é politicamente proibitivo, o que impede que se verifiquem poupanças. Ignorância, porque os empregados despedidos que vão para o desemprego criam custos de subsídios de desemprego que não são suportados pelas empresas, mas que são suportados pelo Estado. Ou seja, despedimentos no Estado (quase) não poupam encargos públicos. Cobardia, porque, em vez de se trabalhar para um aumento da eficiência da administração pública, há uma demissão dessa tarefa essencial.

[Publicado na Capital Magazine]

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Governar contra o interesse nacional (3)

Prossegue a denúncia dos tipos de medidas tomadas contra o interesse nacional, que nos têm condenado à estagnação.

Depois da primeira e da segunda partes, segue-se hoje a terceira.

9. Impedir a resolução dos nossos mais graves problemas. Um dos aspectos em que Portugal se apresenta pior colocado em comparação com – todos – os países de Leste, que nos estão a ultrapassar sucessivamente, diz respeito ao nosso baixíssimo nível de escolaridade e qualificações. Qualquer pessoa de mediano entendimento pensaria que resolver este problema seria uma das maiores prioridades do país.

Pois bem, as melhores universidades do país, que milhares de estudantes gostariam de frequentar, são proibidas pelo ministério de receber tantos alunos como os que elas se consideram habilitadas a admitir, por um “numerus clausus” totalmente obsoleto. O argumento é que assim se consegue obrigar os estudantes a preferir universidades do interior, o que ajudaria a povoar estas regiões. Isto não faz sentido, por duas razões. Em primeiro lugar, porque é muito mais importante dar a melhor formação possível aos nossos jovens, que são o futuro. Em segundo lugar, porque há medidas muitíssimo mais eficazes de povoar o interior, já que os estudantes permanecem lá pouquíssimo tempo. Fomentar actividades que tenham genuinamente a ver com o interior será certamente mais eficaz e parar a esquizofrenia de provocar o despovoamento e depois subsidiar o povoamento também, como bem denuncia António Barreto.

Na formação profissional, o IEFP, onde se torram milhões, especializou-se em acções de formação largamente inúteis, que as empresas não valorizam, que parecem ter sobretudo como propósito tirar desempregados das estatísticas. Seria muito mais útil fazer formação directamente nas empresas, que não só seria muito mais útil para os trabalhadores, como lhes facilitaria encontrar emprego.

10. Medidas de fachada. Medidas de fachadas são medidas folclóricas que resolvem, no máximo, 1% dos problemas. Não há, aqui, a menor preocupação em solucionar o problema, mas meramente sinalizar aos eleitores que o governo está atento à questão. Estas medidas até são geralmente bem aceites, devido a uma oposição débil, a uma comunicação pouco habituada a aprofundar os temas e por um eleitorado pouco exigente. Muitas vezes, até há um ou outro comentador especializado que desmonta as propostas, mas nem assim a comunicação lhes pega.

11. Medidas fetiche. O esvaziamento ideológico ao centro deixa estes partidos numa posição difícil de se diferenciarem do seu adversário. Isso tem conduzido à utilização de medidas fetiche, de pura diferenciação de imagem, sem qualquer tipo de base ideológica. Um exemplo claro deste tipo de decisões é a descida do IVA da restauração, num momento em que o sector estava bem próspero com o turismo, uma medida das mais absurdas, totalmente incompreensível que tenha sido tomada por um governo de esquerda.

12. Promoção da subsidiodependência. A promoção da subsidiodependência pode ter duas origens. A primeira ocorre por incompetência, pelo mau desenho das políticas públicas. Quando, por exemplo, o subsídio de desemprego está tão mal concebido ao ponto de fazer que desempregados passem a ganhar menos se aceitarem um emprego (isto é quase sempre assim para salários baixos), é natural que os desempregados façam tudo para adiar a entrada no mercado de trabalho. O legislador não pretenderá que isto aconteça, mas a sua incompetência conduz a este resultado, promovendo a permanência na condição de desempregado, a receber subsidio.

A segunda origem é muito mais grave, quando ocorre por dolo. Neste caso, o legislador tem consciência de estar a promover a subsidiodependência, com o objectivo de maximizar o número de eleitores que está sentado à mesa do Estado, para os poder manipular. Qualquer psicólogo sabe que é essencial dar poder às pessoas sobre a sua própria vida (usam uma tradução de “empowerment”, “empoderamento”, uma palavra esteticamente horrorosa, mas o importante é o conceito). É criminosa a promoção consciente da subsidiodependência, porque é o exacto oposto de dar poder às pessoas.

(continua)

[Publicado na Capital Magazine]

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Governar contra o interesse nacional (2)


Continuo hoje a apresentar os tipos de erros que explicam porque estamos a caminhar para ocupar o lugar do país mais pobre da UE. Este destino não é inevitável, se tomarmos consciência destes erros e deixarmos de os cometer.

Gostava de sublinhar que estes tipos de erros não são mutuamente exclusivos, ou seja, há disparates que conseguem a proeza de preencher várias das asneiras elencadas.

4. Erro consciente, por corrupção. Há imensos casos em que os ministros sabem que estão a cometer uma grossa asneira, mas o fazem por corrupção. Aqui, não resisto a dar um exemplo concreto de um erro que até foi evitado: a escolha demencial de fazer o novo aeroporto de Lisboa na Ota, a pior localização possível, mas que obrigava a obras gigantescas, que deveria proporcionar “comissões” muito interessantes a quem o decidisse.

5. Definição absurda de prioridades. Os partidos não têm que ter todos as mesmas prioridades, seria até muito estranho que assim fosse. Dito isto, há claramente temas de primeira e temas de segunda e é claramente absurdo dar primazia ao segundo grupo. Os temas de primeira são os nossos problemas principais: a natalidade (um problema com quatro décadas, que ameaça a sustentabilidade da segurança social das próximas décadas), o crescimento económico (a estagnação que dura há quase vinte anos tem-nos empobrecido em termos relativos, impedido a subida do nível de vida e é o principal problema das nossas contas públicas); a habitação (escassíssima e com rendas incompatíveis com os nossos salários); a saúde (agravada com a decisão absurda, como já detalhei aqui, de se ter optado pelas 35 horas na administração pública, que não temos economia – e muito menos – finanças publicas para sustentar); a educação (temos a população menos qualificada da UE); os transportes (sobretudo os que usamos todos os dias); a pobreza (dispenso-me de justificar…); e alguns outros, que deixo ao leitor enunciar, para não me alongar mais.

Aqui vou ser muito concreto numa medida, em boa hora abortada, o TGV. Alguém me consegue explicar qual era o problema, grave e urgente, que o TGV ia ajudar a resolver? O TGV iria proporcionar viagens mais caras e mais demoradas para Madrid (para Barcelona nem se fala e para o resto da Europa seria uma piada) do que as actualmente disponíveis por avião. Como é possível que se tenha pensado em espatifar rios de dinheiro (que não tínhamos) numa medida, que era a última das últimas prioridades? Este projecto só tem uma explicação plausível: corrupção em escala gigantesca.

6. Remendos, que criam mais problemas do que os que resolvem. Uma abordagem muito típica, em Portugal, é começar com um péssimo diagnóstico, incapaz de identificar a origem da doença e fixar-se num ou noutro sintoma. Depois tomam-se umas medidas perfeitamente idiotas, que, como é óbvio, não resolvem a essência do problema, tendo a “vantagem” de criar imensos novos problemas, que tentarão ser resolvidos, com a mesma inépcia, com mais um conjunto de novas “soluções”, que tentarão chegar ao pódio do concurso das “mais estúpidas medidas imagináveis”.

7. Inconsistência dentro dum mesmo ministério. Quando um ministro (ou ministra) escolhe fazer obras sumptuárias em alguns edifícios do seu sector e, em simultâneo, deixa à beira da ruína algumas outras edificações, por sinal históricas, do mesmo sector, na mesmíssima cidade, isto é o quê? Ideologia não será certamente, incompetência e corrupção quase de certeza. Ninguém está a ver o exemplo em que me inspirei, pois não?

8. Condicionar ou silenciar a comunicação social. Quando um governo tenta, por todos os meios (mesmos os mais sujos), condicionar ou silenciar um órgão de comunicação social, isso é ideologia? Até pode ser, mas será então uma má ideologia e certamente contrária ao interesse nacional, que só pode ser servido pela transparência e pelo escrutínio aturado da acção governativa.

(continua, que este tema, em Portugal, tem pano para mangas)

[Publicado na CapitalMagazine]