sábado, 28 de fevereiro de 2009

Prioridades e consistência

Sócrates acha mais importante ir chover no molhado no Congresso do PS, onde foi eleito com uma maioria albanesa, sem o menor espaço para contraditório, do que em participar numa cimeira extraordinária europeia que vai discutir a crise internacional.

Esta escolha revela as estranhas prioridades deste PM e a sua continuada falta de compreensão da crise internacional.

Mas há ainda um elemento de falta de inteligência/consistência. Segundo o guião (falso) do governo as nossas dificuldades devem-se exclusivamente à crise internacional. Ao faltar à reunião europeia, o PM está a desvalorizar a crise internacional e a desvalorizar a importância desta na nossa conjuntura.

Descaramento

Sócrates vem apelar à “ética democrática”. Considera que “há um combate decisivo a travar pela decência na vida democrática”.

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1367056&idCanal=23

Um PM que se tem especializado em trafulhices nos mais variados domínios, entre a mentira óbvia (Orçamento de 2009, estudo da “OCDE”) e as nebulosas mal esclarecidas (licenciatura, projectos de arquitectura, etc.), vem falar em “ética” e "decência".

Mas será que ele não percebe que para a maioria dos portugueses ele é a última pessoa que pode invocar tais preceitos? Até onde vai o descaramento desta personagem? Aliás o próprio descaramento é, em si mesmo, um sinal da falta de ética e de decência do próprio Sócrates.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Muitos parabéns a Alexandre Soares dos Santos

Alexandre Soares dos Santos, “dono” da Jerónimo Martins, resolveu criar a Fundação Francisco Manuel dos Santos, em nome do seu avô materno, que viveu entre 1876 e 1953.

Esta fundação tem um objectivo diferente do comum, o que já seria de saudar, mas é ainda mais de saudar o seu objectivo concreto: “realizar com total independência estudos que permitam conhecer melhor a sociedade, disponibilizá-los e colocá-los à discussão” (Público de hoje, P2, p. 5). Também excelente é a escolha do seu primeiro presidente: o sociólogo António Barreto, uma voz inconformada com a mediocridade nacional.

Um dos primeiros projectos será reunir uma base online de estatísticas sobre o país. Espera-se que este projecto em si coloque pressão sobre o INE para racionalizar a sua prestação de informação. É estranhíssima a dificuldade em conseguir séries cronológicas no site do INE. Quase parece que o INE não percebe a importância em lidar com os utilizadores profissionais de estatísticas. Quando digo “profissionais” não falo dos que, na sua profissão, usam estatísticas de forma amadora. Falo dos que as usam de forma mesmo profissional.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Juristas loucos

Em princípio quem mente nas Comissões Parlamentares de Inquérito pode ser condenado por crime de falsidade de testemunho. “Mas esta é uma interpretação da lei. Outra é que, pelo facto de não prestarem juramento (ao contrário do que sucede em tribunal), os depoentes não podem ser acusados de falso testemunho.” Expresso de hoje, p. 5.

Mas que barbaridade é esta? Só porque não se faz juramento pode-se mentir à vontade? E já agora se se pode mentir à vontade nas Comissões Parlamentares de Inquérito, para que se existem estas Comissões? Deixar impunes mentiras nestas Comissões, para além de ser uma monstruosidade incompreensível, é mais uma machadada na credibilidade do parlamento.

Mentir à vontade

Dias Loureiro vem ensinar-nos que agora se pode mentir à vontade. Quando apanhado a mentir basta dizer que não nos lembrávamos de nada e fica tudo bem.

Já o Sócrates tinha mostrado “falta de memória” no caso Freeport, o que não tem problema nenhum.

Um Alzheimer muito conveniente.

Mais valia estar calado, II

Como já tinha avisado, Constâncio acaba de ver desmentidas mais cedo do que se pensava umas palavras altamente imprudentes sobre as previsões da Comissão Europeia. Com o PIB do último trimestre de 2008 a cair 2,1% em termos homólogos, até as previsões da CE soam agora a demasiado optimistas.

Em 2009 tudo se vem agravando, pelo que o mais provável é que para o conjunto do ano o PIB caia mais de 2%.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Confiança dual

Acaba de sair o Reader’s Digest European Trusted Brands 2009 (não posso aferir da qualidade desta publicação, mas vou presumir que é razoável):

http://www.rdtrustedbrands.com/trusted-brands/

Os portugueses parecem ter uma confiança dual. Nos grupos profissionais em que a maioria dos europeus confia mais (tais como pilotos de avião, farmacêuticos, enfermeiros, médicos, professores, agricultores), os portugueses confiam mais que a média dos europeus.

Nos grupos em que os europeus confiam menos (tais como juízes, taxistas, advogados, agentes de viagens, conselheiros financeiros, sindicalistas, jogadores de futebol, vendedores de automóveis e políticos), os portugueses confiam menos que a média europeia, com a única excepção dos jornalistas. E a diferença nesta falta de confiança é superior do que a diferença (pela positiva) nos grupos em que confiam mais, fazendo com que, em média, os portugueses tenham menos confiança no conjunto das profissões do que a média europeia.

Em relação à ordenação, há poucas diferenças. Já referi a diferença pela positiva dos jornalistas, que detêm em Portugal a 12ª posição vs. a 16ª posição na Europa. Mas as mais impressionantes diferenças pela negativa registam-se nos juízes e advogados. Enquanto na Europa os juízes suscitam a confiança de 48% da população, em Portugal só 33% confia neles. A diferença em relação aos advogados ainda é maior: 43% na Europa e apenas 23% em Portugal.

A crise na justiça tem afectado drasticamente a confiança nos seus agentes. Se isto não é suficiente para perceber a urgência de reformas, não sei o que possa ser.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Martin Wolff muito desiludido com Obama

Martin Wolff publica hoje no Finantial Times mais um artigo muito pertinente, em que critica fortemente o novo plano de ajuda financeira de Obama.

http://www.ft.com/cms/s/0/9ebea1b8-f794-11dd-81f7-000077b07658.html

“it is extraordinary that a popular new president, confronting a once-in-80-years’ economic crisis, has let Congress shape the outcome.”

All along two contrasting views have been held on what ails the financial system. The first is that this is essentially a panic. The second is that this is a problem of insolvency.”

“Under the first view, the prices of a defined set of “toxic assets” have been driven below their long-run value and in some cases have become impossible to sell. The solution, many suggest, is for governments to make a market, buy assets or insure banks against losses. This was the rationale for the original Tarp and the “super-SIV (special investment vehicle)” proposed by Henry (Hank) Paulson, the previous Treasury secretary, in 2007.

“Under the second view, a sizeable proportion of financial institutions are insolvent: their assets are, under plausible assumptions, worth less than their liabilities. The International Monetary Fund argues that potential losses on US-originated credit assets alone are now $2,200bn (€1,700bn, £1,500bn), up from $1,400bn just last October. This is almost identical to the latest estimates from Goldman Sachs. In recent comments to the Financial Times, Nouriel Roubini of RGE Monitor and the Stern School of New York University estimates peak losses on US-generated assets at $3,600bn. Fortunately for the US, half of these losses will fall abroad. But, the rest of the world will strike back: as the world economy implodes, huge losses abroad – on sovereign, housing and corporate debt – will surely fall on US institutions, with dire effects.

Personally, I have little doubt that the second view is correct and, as the world economy deteriorates, will become ever more so. But this is not the heart of the matter. That is whether, in the presence of such uncertainty, it can be right to base policy on hoping for the best. The answer is clear: rational policymakers must assume the worst. If this proved pessimistic, they would end up with an over-capitalised financial system. If the optimistic choice turned out to be wrong, they would have zombie banks and a discredited government. This choice is surely a “no brainer”.

Um dado impressionante é que a capitalização bolsista do sector bancário caiu de cerca de 1400 bn de dólares para cerca de 400 bn nas últimas semanas. Entretanto, o montante de ajudas públicas foi de 380 bn de dólares. Ou seja, o valor actual dos bancos sem ajudas públicas seria praticamente nulo.

Já havia uma forte desilusão sobre o plano americano de recuperação económica. Mas se o plano financeiro não resolver o problema, é como se voltássemos ao princípio. Nova deterioração financeira, leva a nova deterioração económica. Se o plano económico era fraco, ainda mais insuficiente ficaria com deterioração económica. Parece que não se aprenderam as lições da Grande Depressão.

Falta de ética

Um dos traços mais impressionantes da crise financeira é a quantidade de casos de falta de ética que foram expostos. Espera-se que uma das transformações que saia da crise seja justamente uma revalorização da ética nos negócios como chave para o sucesso.

Os novos tempos que deverão revalorizar a ética também deverão valorizar os políticos com uma ética forte e penalizar os políticos pouco sérios.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A falar para quem?

O ministro das Finanças, cuja credibilidade tem vindo a cair aos trambolhões, saiu-se agora com mais uma maravilhosa pérola, que “o Estado não gastou nem envolveu dinheiro dos contribuintes” no BPN e no BPP.

http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1364106

O ministro julga que está a falar unicamente para analfabetos financeiros? Mesmo que 99% dos portugueses não percebam tecnicamente o erro, a muitos lhes cheira que isto não pode ser assim. Mas há depois os especialistas, que irão desmontar a patranha ridícula do ministro. Se, numa óptica de caixa, ainda não saiu um euro da tesouraria do Estado, numa óptica de responsabilidades (a que verdadeiramente interessa), é óbvio que o contribuinte já tem uma pesadíssima factura às costas.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Incentivos errados

De acordo com notícia do Público de hoje, p. 28: “Os responsáveis do Ministério da Justiça preparam-se para pôr a Segurança Social a pagar os salários dos trabalhadores ilicitamente despedidos cujos processos judiciais demorem mais de um ano nos tribunais.”

É muito curiosa esta ideia de colocar a Segurança Social (SS) a pagar pelos atrasos na Justiça.

“O projecto determina que quem pagará a contribuição pública será o Fundo de Garantia Salarial.

“Este fundo foi criado por transposição de directiva comunitária e visa garantir os créditos dos trabalhadores quando os salários ‘não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil’. É financiado por parte da contribuição patronal para a Segurança Social e é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.”

O jornalista João Ramos de Almeida, tendo emprenhado de ouvido dos comentários dos sindicalistas, conclui: “É dinheiro dos trabalhadores.”

“A CGTP considera ser injusto que o Fundo, que não paga os salários em atraso dos trabalhadores (apenas em caso de insolvência das empresas), vá pagar as retribuições decorrentes de um despedimento ilícito, que deveriam ser pagas pelas empresas. ‘Qual é a lógica de uma medida como esta?’, questiona Joaquim Dionísio. ‘Primeiro, é uma promoção do despedimento ilícito, do patronato que viola a lei, e em segundo lugar é uma injustiça.’ “

Sem entrar na discussão bizantina sobre o que é o “dinheiro dos trabalhadores”, concordo que estes pagamentos pelos atrasos na Justiça nunca deveriam vir das contribuições para a SS, mas antes de transferências do Estado. Mas, responsabilizando-se o Estado por estes pagamentos, não é nada indiferente quem paga. Há aqui um óbvio problema de incentivos. Se a Justiça não sofre em nada com os seus atrasos, antes os exporta para a SS, que incentivos é que Justiça tem para ser célere? Nenhuns, obviamente.

Conclui-se assim que quem deve pagar pelos atrasos na Justiça é a própria Justiça. Mas, como a Justiça vive sobretudo de transferências do Estado, o incentivo poderia não ser muito forte. Um incentivo muitíssimo mais forte para a celeridade, seria se os pagamentos pelos atrasos viessem directamente do fundo de pensões da Justiça e o Estado não assumisse qualquer responsabilidade por buracos no fundo (senão furava-se o esquema). Assim, estes pagamentos pelos atrasos traduzir-se-iam directamente em redução dos complementos de reforma na Justiça. Querem incentivo mais revolucionário? Conseguem imaginar a transformação radical que isto introduziria na Justiça?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Nacionalização irresponsável

O governo nacionalizou de forma atabalhoada o BPN, o que se veio a revelar uma decisão caríssima. Neste momento, as perdas detectadas no banco já atingem os 1800 milhões de euros. Como o banco foi nacionalizado, isso significa que os contribuintes vão ter que pagar este buraco. Se o banco não tivesse sido nacionalizado, mas simplesmente deixado ir à falência, os contribuintes só teriam que pagar os depósitos garantidos e, mesmo esses, o Fundo de Garantia dos Depósitos pagaria uma parte substancial. Como este Fundo vive das contribuições dos bancos, poder-se-ia dizer que eram os bancos que pagariam a garantia dos depósitos. Assim, quem paga são os contribuintes.

O grande problema foi que o Estado interveio, em vez de esperar por um pedido dos accionistas para o fazer. Havia inclusive accionistas que estavam dispostos a injectar liquidez no banco, o que seria uma forma de se responsabilizarem pelas perdas entretanto detectadas. Assim 100% da factura fica para os contribuintes.
A incompetência da supervisão do Banco de Portugal no BPN ia-nos sair cara, mas o governo, com a sua gestão desajeitada do problema, ainda agravou mais a factura.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Altamente recomendado

“Portugal como ‘grande autarquia’ ” do João Miranda no Blasfémias.

Confusões

A Serious Fraud Office do Reino Unido, que está a investigar o caso Freeport, foi também ela investigada.

“Dezenas de funcionários do Serious Fraud Office (SFO), a agência britânica que está a investigar o processo de licenciamento do Freeport de Alcochete, receberam propostas de dispensa antecipada depois de divulgado um relatório que conclui que o seu trabalho está a ser subvertido por ‘alegado favorecimento pessoal e incompetência’, noticiou ontem o jornal britânico Sunday Times.”

“Em resposta no site do Serious Fraud Office, o director da agência desde Abril de 2008, Richard Alderman, garante que tem havido ‘mudanças’ e que o SFO trabalha agora ‘muito mais rápida e eficazmente’, apresentando, indica, um índice de condenação de 80 por cento.” (Público de hoje, p. 6).

Há para aí umas almas que logo correram a dizer que se concluía que afinal o SFO não tinha credibilidade. Lamento discordar. Em primeiro lugar, o SFO é tão bom que tem mecanismos de correcção, que levam à dispensa de funcionários e à mudança de métodos. Acham sinceramente que, se não temos ninguém dispensado do ministério público e dos tribunais, isso significa que a qualidade ali é excelente? Ou será antes que todos os erros, omissões e outras questões que a prudência me impede de escrever correm completamente impunes?

Em segundo lugar, o SFO tem “um índice de condenação de 80 por cento.” Incompetentes? Seria interessante conhecer o índice de condenação do nosso ministério público, o índice de atrasos, o índice… etc.