quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Propostas interessantes mas discutíveis

João Ferreira do Amaral defende que Portugal saia do euro, de forma "negociada e com apoio comunitário". Já defendi o mesmo, aliás, que Portugal saísse em conjunto com os países mais fracos, que seria uma opção mais interessante, porque significava que os mais fortes se livraram dos problemas todos de uma só vez. Infelizmente, a degradação da crise do euro, com o contágio a chegar a França, parece indicar que o tempo para isso já se esgotou.

Aquele economista defende ainda que o Estado a garanta a sua dívida "em euros e não na nova moeda" e "que quem tivesse investimentos em euros no sector bancário os mantinha em euros". Estas duas ideias é que já acho muito discutíveis, sobretudo a segunda.

Em primeiro lugar, a depreciação da nossa moeda, o “cruzado”, como sugiro que se chame, deveria ser, no mínimo, da ordem dos 20%. Menos que isso, nem vale a pena falar, porque não justificaria tanto trabalho por uma correcção cambial insuficiente para equilibrar as contas externas.

Vamos ainda admitir que, devido ao peso do sector não transaccionável, esta depreciação provocava uma queda do PIB (medida em euros) de cerca de 10%.

Em números redondos, a nossa dívida pública no final de 2011 deve ser 100% do PIB e os depósitos de residentes deverão ser de cerca de 140% do PIB. Os créditos dos bancos aos portugueses têm que ser convertidos em cruzados, caso contrário teríamos falências generalizadas. Se os bancos fossem obrigados a garantir os depósitos em euros, eram os próprios bancos a ir à falência, o que os impediria de cumprir essa obrigação. Resta o Estado, cuja dívida pública já teria subido para 110% do PIB. Se o Estado assumisse esta perda com os depósitos, a dívida pública dispararia para 135% do PIB.

Para além deste grave problema poderia ocorrer outro ainda, que seria os depositantes não residentes (com um montante de cerca de 50% do PIB) exigirem um tratamento idêntico, agravando ainda mais a nossa dívida soberana.

Esta proposta tem também um grave problema de justiça. Enquanto milhões de portugueses iam ver os seus salários e pensões fortemente desvalorizados, o Estado iria aumentar enormemente o seu endividamento para os mais ricos depositantes não perderem nada. O objectivo até pode não ser esse, mas o resultado é.

Também vejo aqui uma grande desproporção entre o custo e o benefício desta proposta. Para evitarmos um problema temporário de fuga de capitais criaríamos um problema permanente de contas públicas.

A Grécia, que está na berlinda há dois anos, está a sofrer uma fuga de capitais que, por enquanto, ainda só envolveu 25% do total. Para além disso, o BCE criou em Dezembro novas linhas de financiamento aos bancos, a 3 anos, o que lhes permitiria lidar de forma muito mais fácil com uma eventual fuga de capitais.

A minha proposta seria uma negociação muito rápida. No caso de os países fracos decidirem negociar em bloco (ou individualmente) a saída do euro, teriam que iniciar as negociações com um acordo de princípio e concluir as mesmas num único fim-de-semana. Se por acaso fossem necessários mais uns dias, podia-se ainda decretar feriado bancário e limitar os levantamentos e transferências entre países. A partir do momento em que se iniciarem as negociações do fim do euro é impensável que estas se prolonguem por várias semanas.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cruzado

O meu artigo de hoje no Jornal de Negócios, em que proponho que o governo e o Banco de Portugal preparem um plano de contingência para o fim do euro, incluindo a impressão de notas na nova moeda portuguesa, que sugiro que se chame "cruzado".

Há males que vêm por bem (2)

O meu artigo de hoje no jornal "i", que desenvolve o post anterior.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Há males que vêm por bem

Se Sócrates não tivesse feito explodir a dívida pública como o fez (parece que “estudou” algures que a isso se chamaria “gerir” a dívida), o seu governo não teria sido forçado a pedir ajuda externa e não teria assinado o compromisso com a troika.

Este compromisso vai-nos obrigar a fazer reformas estruturais, que há décadas estão adiadas, como é o caso da lei de arrendamento, que o actual governo se prepara para alterar.

Não vou comentar em detalhe a proposta, cujos contornos não são ainda claros, onde se prevê que o inquilino proponha uma nova renda, que o senhorio pode recusar perante o pagamento de 60 meses da renda proposta. Os números são sempre discutíveis, mas proponho um limite a estas indemnizações de, digamos, 30 mil euros, que corresponde a uma renda de 500€. Se o senhorio acha pouco é porque devemos estar a falar de uma casa grande e os inquilinos carenciados não devem ter o direito a viver em casas enormes. Aliás, se os inquilinos alegam carência de meios, os senhorios deveriam ter o direito de propor um alojamento alternativo, não “em condições análogas”, mas em consonância com a dimensão do agregado que aí coabita. É absurdo que uma velhinha tenha o direito de viver numa casa de seis assoalhadas, a que quase ninguém hoje em dia tem acesso.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Uma regra promissora

Uma coisa que sempre me fez confusão foram os sucessivos défices na saúde. Défices – note-se – após as transferências públicas. Era o meu exemplo preferido nas aulas para referir casos de expectativas não racionais. Um atirador que acerta sempre à direita e abaixo do alvo tem a obrigação de corrigir a sua pontaria. O mesmo deveria acontecer nos orçamentos da saúde.

Das poucas tentativas que fiz para perceber o problema disseram-se que havia um irrealismo muito grande na previsão de receitas, que nunca se confirmavam. Agora percebo porque havia este irrealismo: de acordo com o ministro das Finanças: "Nunca mais será possível assumir compromissos com base em previsões de receitas". As previsões de receitas eram totalmente irrealistas, porque bastava uma previsão de receita para realizar despesa.

O que continuo a não perceber é porque é que a Direcção Geral do Orçamento aceitava previsões de receita reiteradamente irrealistas na saúde.

De qualquer forma espero que com a nova regra se impeça a criação de infindáveis contas por pagar. No entanto, ou muito me engano ou vai ser necessário aplicar penas duríssimas e muito publicitadas para haver uma mudança de mentalidades, que estão muito entranhadas. Cheira-me que antes de uma expulsão da função pública ou de uma pena de prisão efectiva, pouca coisa vai mudar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

“Não pagamos”?

O vice-presidente da bancada socialista, Pedro Nuno Santos, defendeu que devíamos ameaçar os nossos credores de não pagar a dívida. Em primeiro lugar deve saudar-se o excepcional sentido de oportunidade destas declarações, poucos dias depois duma cimeira europeia em que foi decidido um controlo muito mais apertado das dívidas públicas. Será que este dirigente socialista está a defender que Portugal deveria seguir o Reino Unido e recusar o acordo da dita cimeira?

Depois ainda tivemos que ouvir mais esta pérola: “Pedro Nuno Santos lamentou hoje que Portugal não tenha um líder que ponha os interesses de Portugal em primeiro lugar, sublinhando que optará sempre pelo interesse dos portugueses em detrimento dos credores.”

Será que somos autorizados a depreender que um líder como Sócrates, que agravou brutalmente a dívida portuguesa e negociou um acordo duríssimo com a troika, defendeu os interesses de Portugal? A sério?

Pedro Nuno Santos “optará sempre pelo interesse dos portugueses em detrimento dos credores”. Ah, sim? De que modo? Fazendo gastos disparatados financiados com dívidas loucas, que depois “não pagamos!”?

Freitas do Amaral vem-se queixar de um complot europeu: "Alemanha e França querem expulsar-nos do euro". No entanto, se reparar bem não são esses países que nos querem expulsar do euro, são os seus colegas socialistas, pelo que fizeram no passado e pelo que gostariam de concretizar actualmente, que estão a fazer tudo mais um par de botas para sermos expulsos do euro.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nem carne nem peixe

O meu artigo de hoje no jornal "i", sobre a cimeira europeia da semana passada.

A Alemanha está com uma atitude que não é carne nem peixe, que, a continuar, poderá produzir o pior dos resultados: o fim caótico do euro.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ainda não se nota muito

Parece que há dois meses que alguns portugueses começaram a fazer depósitos em moeda estrangeira, com receios sobre o futuro do euro. Como venho referindo, o euro pode acabar de duas formas, com a saída dos fortes ou com a saída dos fracos.


Se ocorrer a saída dos fortes (Alemanha e outros), formalmente o euro não acabaria mas a moeda resultante sofreria uma forte depreciação face ao “novo marco” e ao dólar. Devo acrescentar que duvido muito da sobrevivência de um euro de fracos, sobretudo pelas dificuldades em impor disciplina entre eles.


Se forem os fracos a saírem, Portugal estará certamente entre eles e a nossa nova moeda (preferia que não se chamasse escudo para não gerar confusão com o antigo escudo) sofrerá uma depreciação ainda mais intensa do que no caso anterior.


Ou seja, em ambos os cenários haveria uma forte depreciação do valor depositado nos bancos portugueses. Daí o movimento de substituição de depósitos em euros para contas em outras moedas, mas ainda em bancos em Portugal.


Os depósitos em Portugal têm conhecido mesmo uma forte expansão nos últimos meses, ao contrário do que se tem passado na Grécia, onde já caíram mais de 20% face ao seu máximo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O mais urgente

A zona do euro precisa de reformas profundas, do tipo das detalhadas neste excelente estudo do Center For European Reform.


Para além disso, precisa de ganhar tempo, ou para concretizar essas reformas (hipótese improvável) ou para que a desagregação do euro se dê da forma menos desorganizada possível.


O que é possível fazer mais rapidamente, dentro do actual enquadramento institucional, é tomar medidas de estímulo ao crescimento económico, quer orçamentais quer monetárias.


Enquanto a austeridade se restringia aos países que receberam ajuda, que representavam apenas 6% do PIB da zona do euro, isso não colocava em causa o crescimento do todo. Neste momento, em que a austeridade se está a generalizar, era muito importante que a Alemanha adoptasse um pacote de expansão orçamental, até para contrariar as suas fraquíssimas perspectivas de crescimento para 2012 (apenas 0,6%, segundo a OCDE).


Do lado monetário, era muito importante que o BCE actuasse pelo menos de duas formas. Em primeiro lugar, que descesse a sua taxa de referência dos actuais 1,25% para um valor inferior a 1% na sua próxima reunião de 8 de Dezembro. Uma mini-descida não será suficiente para transmitir aos mercados o empenho do BCE no futuro da moeda única. Os EUA e o Reino Unido, com melhores perspectivas de crescimento e piores perspectivas de inflação, há muito que têm as suas taxas próximo de zero e o BCE deveria imitá-los.


A segunda medida que o BCE precisa de adoptar, que já tem sido aflorada, é a concessão de empréstimos aos bancos da zona do euro a prazos alargados, substituindo-se a um mercado monetário que praticamente não está a funcionar.


As medidas propostas não resolvem nenhum problema de fundo, apenas se destinam a ganhar tempo. Mas se nem sequer estas medidas (ou equivalentes) vierem a ser tomadas no muito curto prazo, então não só a zona do euro fica condenada à implosão, num processo particularmente turbulento, como haverá potenciais graves consequências sobre a sobrevivência da própria EU.