quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

2019, um ano particularmente incerto


É muito difícil imaginar boas notícias para 2019, com a provável excepção de nova redução do desemprego em Portugal e a estreia de novos partidos no parlamento.

O ano que está à porta não parece augurar muito de bom.

Em termos políticos, aquele que já foi o farol da democracia, os EUA, parecem estar a afastar-se cada vez mais dos seus princípios e não se sabe quão longe irão nesta deriva. A China está a caminho de ter cada vez maior influência, não parecendo disposta a abrir-se à democracia.

Na Europa, no final de Março, teremos provavelmente o Brexit, com contornos ainda hoje não definidos, o que só pode gerar inquietação.

Em Maio, teremos as eleições europeias, em que é esperado um novo recuo dos partidos tradicionais e uma subida dos partidos de protesto, seja à esquerda, seja à direita.

O eixo franco-alemão está em sérias dificuldades, com o Presidente Macron a começar o ano muito enfraquecido na frente interna, com problemas orçamentais e provavelmente sem ânimo nem autoridade para liderar qualquer tipo de reforma comunitária, que chegou a pretender protagonizar.

Na Alemanha, vamos assistir penosamente ao ocaso de Angela Merkel, que nos poderá dar uma das poucas boas notícias do ano, se decidir sair antecipadamente, pelo seu próprio pé.

A economia mundial, e a europeia em particular, estarão a desacelerar, um movimento que ocorre por via da oferta, o que o torna muito mais inevitável do que se fosse por via da procura, que poderia ser contrariada por via monetária e/ou orçamental, pelos países com margem para tal (que não é o caso português).

Em Portugal, pela amostra que vamos tendo, devemos ter um ano de forte contestação laboral e social.

Devido ao irrealismo do cenário macroeconómico (o mais acentuado desta legislatura), a necessidade de cativações vai estar ao rubro, sendo de prever a multiplicação de relatos de histórias de horrores, sobretudo agora que Marcelo Rebelo de Sousa parece ter dado – finalmente – autorização a que falasse sobre as falhas do Estado. É, agora, muito mais fácil revisitar os desastres do passado (Pedrógão Grande, Tancos, Borba, Valongo, por “coincidência”, sempre no interior), mas também os múltiplos desastres do futuro, que se podem, com facilidade, adivinhar (mas nunca desejar) na saúde e nos transportes.

A economia deverá desacelerar e, se a frente europeia correr pior, como é provável, o abrandamento poderá ser mais pronunciado.

Mesmo assim, é muito provável que o desemprego continue a baixar, um dos poucos sinais favoráveis dos próximos 12 meses, mas a gerar empregos com baixos salários.

Na antecipação das legislativas, é de esperar (diria mesmo, é de rezar) que o PSD se revolte e exija a substituição de Rui Rio, o mais inacreditável líder de oposição de que há memória. Para além disso, é expectável que muitos novos partidos se apresentem às eleições, que se deverão, deste modo, revelar as mais difíceis de prever das últimas décadas.

É provável que o PAN aumente o número de deputados (à custa do Bloco) e que novas forças se estreiem no parlamento (retirando deputados ao PSD), multiplicando as possibilidades de coligação e dificultando a previsão da composição do próximo executivo.

Por seu lado, esta multiplicidade de soluções poderá gerar instabilidade governativa, sobretudo se o país sofrer qualquer tipo de choque externo.

[Publicado na CapitalMagazine]

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A anormalidade das 35 horas


Portugal não tem economia – nem muito menos finanças públicas – que permitam sustentar a semana das 35 horas na administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o caos na saúde.

A redução do horário de trabalho para 8 horas diárias é uma conquista do final do século XIX e a redução para um horário semanal de 40 horas iniciou-se na primeira metade do século XX.

Não é um acaso que a redução do horário de trabalho tenha parado nas 40 horas durante décadas. É que oito horas de trabalho é exactamente um terço da duração do dia e permite a criação muito regular de turnos de trabalho, o que é muito importante em actividades de ciclo permanente, como é o caso de algumas indústrias e da saúde. Gerir 24 horas com turnos de sete horas cria dificuldades brutais de gestão.

A semana das 35 horas é uma raridade na UE e no mundo, sendo claramente um luxo de país rico, com actividades muito concentradas nos serviços. Como se pode ver no quadro abaixo, só países muito mais ricos do que Portugal o podem sustentar.

Horário mais frequente de trabalho, OCDE, 2017

País
Rendimento por habitante*
Horário mais frequente
Luxemburgo
345
40
Irlanda
240
40
Noruega
236
35-39
Suíça
204
40
EUA
196
40
Holanda
177
40
Suécia
168
40
Alemanha
167
40
Austrália
165
40
Dinamarca
164
35-39
Áustria
164
40
Canadá
159
40
Bélgica
153
35-39
Finlândia
146
35-39
Reino Unido
145
40
França
145
35-39
Espanha
126
40
Itália
125
40
Israel
119
40
Rep. Checa
117
40
Eslovénia
113
40
Eslováquia
108
40
Estónia
104
40
PORTUGAL
100
40
Fonte: OCDE, FMI
* em percentagem do valor para Portugal

Só países, no mínimo 45% mais prósperos do que o nosso país, como a França, é que podem oferecer esse benefício a um grupo significativo dos seus trabalhadores. Mesmo assim, no conjunto de países que são tão ou mais ricos do que os gauleses, em apenas cinco existe este tipo de horário. Dos nove países mais desenvolvidos da OCDE, só na Noruega existe este benefício, o que indica que a prosperidade não torna as 35 horas inevitáveis. Países tão desenvolvidos como o Luxemburgo, a Irlanda, a Suíça, a Holanda, a Suécia e a Alemanha não a praticam.

Por seu turno, a economia portuguesa está quase estagnada há quase duas décadas, tendo sido ultrapassada por muitos países de Leste e passado ser a quarta mais pobre do euro.

Ou seja, a instituição, em Portugal, da semana das 35 horas na administração pública é uma anormalidade, em total desacordo com o nosso nível e evolução de desenvolvimento económico. Aliás, sendo um privilégio da administração pública, não se percebe porque não foi decretada inconstitucional.

E se situarmos a nossa situação em termos de contas públicas? Aí, a anormalidade ainda é maior.

Portugal é o quarto país mais endividado do mundo dentro dos países desenvolvidos, só ultrapassado pela Grécia, Itália e Japão, sendo que a dívida portuguesa tem a particularidade de estar muito mais na posse de investidores estrangeiros, o que a torna muito mais vulnerável. Em contrapartida, a dívida japonesa está, em larga medida, nas mãos da banca nacional, o que faz que se transaccione a taxas de juro mínimas: durante quase todo o ano de 2018, a dívida a 10 anos teve uma taxa de juro quase sempre inferior a 0,1% (!).

Em suma, a dívida pública portuguesa é a mais perigosa no mundo desenvolvido (talvez com a excepção da Grécia), um sinal claríssimo de que as nossas contas públicas estão muito longe de estar minimamente saudáveis, ainda que o défice seja já baixo.

Em resumo, Portugal não tem economia – nem muito menos finanças públicas – que permitam sustentar a semana das 35 horas na administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o caos na saúde.

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Estes partidos e a justiça como coveiros da democracia


Os actuais partidos e a justiça andam a brincar com o fogo, ao não assumirem a necessidade de uma forte luta contra a corrupção, estando a abrir caminho a partidos políticos inimigos da democracia

Na semana passada, dei uma aula, como convidado, numa universidade de Lisboa, que pretendia responder à seguinte pergunta: foi a entrada no euro que nos trouxe a estagnação? Adianto já que a minha resposta é: não, foi a péssima preparação que fizemos para entrar, em especial a partir de 1995.

Fiquei impressionado por duas perguntas que os alunos fizeram. Um angolano mostrou-se chocado que um país com Portugal, com uma história com tantas feitos dignos de registo, tivesse, hoje, uma atitude de tanta subserviência face aos estrangeiros e que esperava que o nosso país fosse capaz de dar muito mais ao mundo.

Mas a outra pergunta, dum aluno português, foi a mais reveladora. Questionou-me ele que, dado que os actuais partidos eram tão incompetentes a gerir a economia e tão corruptos, se a solução não estaria num partido fascista.

Em primeiro lugar tenho que dizer que fiquei com a sensação que a única pessoa na sala que ficou chocado com a pergunta fui eu, todos os outros a encararam com naturalidade.

Em segundo lugar, é preciso registar que ele poderia ter escolhido outras formulações, mais benignas: um partido “nacionalista”, “patriota”, de “extrema-direita” ou outras, mas que não teve qualquer pejo em descrever a alternativa como “fascista”.

Respondi-lhe que estava a fazer duas perguntas, e que as responderia separadamente: 1) existem alternativas aos actuais partidos? 2) a melhor alternativa é um partido fascista?

A resposta à primeira pergunta era claramente “sim” e até havia muitos novos partidos que se perfilavam para concorrer às próximas eleições legislativas.

Em relação à segunda pergunta, disse-lhe que, para ser fascista, esse partido teria, no mínimo, de defender o nacionalismo e o proteccionismo. Assim, deveria defender a saída do euro para recuperar a soberania monetária e a saída da UE, para poder aplicar o proteccionismo. Ora, um programa desses equivaleria a um Brexit elevado ao cubo, o que seria uma calamidade económica, certamente o oposto do pretendido.

Como estávamos numa aula de economia, não me referi aos aspectos políticos do fascismo. Antes de prosseguir, gostava de sublinhar que, quer o nacionalismo (incluindo limites à imigração) quer o proteccionismo não colidem com a democracia, sendo perfeitamente integráveis no debate democrático. Pode-se concordar ou discordar destas ideias, mas elas não colocam em causa a essência da democracia.

A característica política maior do fascismo é ser anti-democrático. Provavelmente por ignorância, ele nem sequer defende o fim da democracia, mas é sintomático que não tenha qualquer pejo em usar esta designação.

Em conversa posterior com amigos, fiquei a saber que há cada vez mais pessoas que defendem mesmo que se acabe com a democracia, para pôr o país na ordem e acabar com a corrupção.

Não interessa aqui debater a ilusão destas pessoas (como se o fascismo fosse um regime santo), mas antes tomar consciência de que o que se passou na Andaluzia não está assim tão longe da realidade portuguesa.

Parece-me óbvio concluir que os actuais partidos e a nossa justiça andam a brincar com o fogo, na forma displicente com que andam a tratar a corrupção. Como nos revelou a anterior PGR, sem surpresa para os mais atentos, não há uma estratégia nacional de combate à corrupção.

Estou firmemente convencido que a incompetência (e outras características que a prudência me impede de explicitar) da justiça portuguesa é altamente responsável pelo sentimento de impunidade dos nossos corruptos e de que tivemos o décuplo de corrupção da que o teríamos tido se a nossa justiça cumprisse o mínimo do mínimo dos mínimos.

Se continuarmos por este caminho, bem podemos ficar com a democracia em risco.

[Publicado na CapitalMagazine]

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

E se tivéssemos crescido como Espanha?


Se, entre 2000 e 2017, tivéssemos crescido como Espanha, o nosso PIB seria 22% maior do que é, o emprego poderia não ter caído, poderíamos pagar menos impostos e poderíamos ter evitado a “troika” e a dose cavalar de austeridade motivada pelos erros de Sócrates.

Há, certamente, ainda muita ineficiência na despesa pública, mas o problema maior das nossas contas públicas é a falta de crescimento económico das últimas duas décadas. Entre 2000 e 2017, Portugal cresceu, em termos acumulados, apenas 7,5%, enquanto Espanha cresceu 31,3% (dados AMECO, ligeiramente diferentes dos do INE).

Se fizermos uma singela simulação, imaginando que Portugal tinha tido o mesmo crescimento do que Espanha desde o ano 2000, concluímos que a nossa dívida pública poderia estar num nível muito parecido com o do nosso vizinho (97% do PIB em 2018); as taxas de juro seriam semelhantes; os impostos poderiam ser mais baixos, sobretudo a nível dos combustíveis; a despesa pública poderia ser um pouco maior, eliminando muitas das actuais restrições (“cativações”, a nova designação da austeridade), em particular na saúde e nos transportes, onde os seus efeitos são mais visíveis e sentidos pela generalidade da população.

Para se ter uma ideia mais palpável desta simulação (com todas as suas limitações), ela significaria que o PIB seria 43 mil milhões de euros mais elevado (238 em vez de 195 mil milhões de euros em 2017), o que, aplicando as actuais taxas de imposto, de contribuições e outras receitas correntes (42,5% do PIB), geraria 18 mil milhões de euros de receitas públicas adicionais (mais de 9% do actual PIB).

Isto seria uma margem muito ampla, que permitiria o “milagre” de conseguir três objectivos, todos eles favoráveis: um défice público menor, impostos mais baixos e aumentar o investimento público. Quando se interrogam porque é que os impostos sobre os combustíveis são muito mais baixos no nosso vizinho, a resposta é: porque Espanha cresceu e Portugal não.

Naquele período o emprego caiu 5%. Se o nosso PIB tivesse crescido como o espanhol, esta queda poderia não ter ocorrido, tal como o elevado surto de emigração, e, para além disso, o salário bruto médio poderia ter subido cerca de 17%, fazendo que a massa salarial subisse 22%, em linha com o crescimento do produto e da produtividade. O salário mínimo talvez não estivesse muito longe do seu actual valor, mas abrangeria um número muito mais reduzido de trabalhadores. Como os impostos seriam mais baixos, os salários líquidos teriam subido mais do que 17%.

Se o nosso crescimento tivesse tido a qualidade do espanhol (com défices externos limitados), também não teria sido necessário pedir ajuda à “troika”, nem uma dose tão elevada de austeridade, altamente exponenciada pelas asneiras e abusos que a justiça está a investigar sobre Sócrates. Aliás, quase inevitavelmente, para termos crescido como Espanha, não poderíamos ter tido um primeiro-ministro tão mau.

Espero bem que, com estes números, tomem – finalmente – consciência de que o problema “número um” das finanças publicas é mesmo a falta de crescimento económico e que é essencial tomar medidas para o resolver.

Não se diga que crescer tanto como Espanha é algo de absurdamente ambicioso e quixotesco. Entre 2000 e 2018, o nosso vizinho cresceu em média 1,6% ao ano, enquanto a média da UE foi de 1,4%. Crescer duas décimas acima da média comunitária está longíssimo de constituir um grande desafio.

Aliás, crescer tanto como Espanha é o patamar mínimo de exigência. Os países menos desenvolvidos da UE têm a obrigação de crescer mais do que o pelotão da frente e, por isso, Portugal tem mesmo a obrigação de crescer mais do que o nosso vizinho ibérico.

Uma versão deste texto foi publicada inicialmente na “Nota de Conjuntura” de Novembro de 2018 do Forum para a Competitividade.

[Publicado na CapitalMagazine]