Portugal não tem
economia – nem muito menos finanças públicas – que permitam sustentar a semana
das 35 horas na administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o
caos na saúde.
A redução do horário de trabalho para 8 horas diárias é uma
conquista do final do século XIX e a redução para um horário semanal de 40
horas iniciou-se na primeira metade do século XX.
Não é um acaso que a redução do horário de trabalho tenha
parado nas 40 horas durante décadas. É que oito horas de trabalho é exactamente
um terço da duração do dia e permite a criação muito regular de turnos de trabalho,
o que é muito importante em actividades de ciclo permanente, como é o caso de
algumas indústrias e da saúde. Gerir 24 horas com turnos de sete horas cria
dificuldades brutais de gestão.
A semana das 35 horas é uma raridade na UE e no mundo, sendo
claramente um luxo de país rico, com actividades muito concentradas nos
serviços. Como se pode ver no quadro abaixo, só países muito mais ricos do que
Portugal o podem sustentar.
Horário mais frequente de trabalho, OCDE, 2017
País
|
Rendimento por habitante*
|
Horário mais
frequente
|
Luxemburgo
|
345
|
40
|
Irlanda
|
240
|
40
|
Noruega
|
236
|
35-39
|
Suíça
|
204
|
40
|
EUA
|
196
|
40
|
Holanda
|
177
|
40
|
Suécia
|
168
|
40
|
Alemanha
|
167
|
40
|
Austrália
|
165
|
40
|
Dinamarca
|
164
|
35-39
|
Áustria
|
164
|
40
|
Canadá
|
159
|
40
|
Bélgica
|
153
|
35-39
|
Finlândia
|
146
|
35-39
|
Reino Unido
|
145
|
40
|
França
|
145
|
35-39
|
Espanha
|
126
|
40
|
Itália
|
125
|
40
|
Israel
|
119
|
40
|
Rep. Checa
|
117
|
40
|
Eslovénia
|
113
|
40
|
Eslováquia
|
108
|
40
|
Estónia
|
104
|
40
|
PORTUGAL
|
100
|
40
|
Fonte: OCDE, FMI
* em percentagem do valor para Portugal
Só países, no mínimo 45% mais prósperos do que o nosso país,
como a França, é que podem oferecer esse benefício a um grupo significativo dos
seus trabalhadores. Mesmo assim, no conjunto de países que são tão ou mais
ricos do que os gauleses, em apenas cinco existe este tipo de horário. Dos nove
países mais desenvolvidos da OCDE, só na Noruega existe este benefício, o que
indica que a prosperidade não torna as 35 horas inevitáveis. Países tão
desenvolvidos como o Luxemburgo, a Irlanda, a Suíça, a Holanda, a Suécia e a
Alemanha não a praticam.
Por seu turno, a economia portuguesa está quase estagnada há
quase duas décadas, tendo sido ultrapassada por muitos países de Leste e
passado ser a quarta mais pobre do euro.
Ou seja, a instituição, em Portugal, da semana das 35 horas
na administração pública é uma anormalidade, em total desacordo com o nosso
nível e evolução de desenvolvimento económico. Aliás, sendo um privilégio da
administração pública, não se percebe porque não foi decretada
inconstitucional.
E se situarmos a nossa situação em termos de contas
públicas? Aí, a anormalidade ainda é maior.
Portugal é o quarto país mais endividado do mundo dentro dos
países desenvolvidos, só ultrapassado pela Grécia, Itália e Japão, sendo que a
dívida portuguesa tem a particularidade de estar muito mais na posse de
investidores estrangeiros, o que a torna muito mais vulnerável. Em
contrapartida, a dívida japonesa está, em larga medida, nas mãos da banca
nacional, o que faz que se transaccione a taxas de juro mínimas: durante quase todo
o ano de 2018, a dívida a 10 anos teve uma taxa de juro quase sempre inferior a
0,1% (!).
Em suma, a dívida pública portuguesa é a mais perigosa no
mundo desenvolvido (talvez com a excepção da Grécia), um sinal claríssimo de
que as nossas contas públicas estão muito longe de estar minimamente saudáveis,
ainda que o défice seja já baixo.
Em resumo, Portugal não tem economia – nem muito menos
finanças públicas – que permitam sustentar a semana das 35 horas na
administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o caos na saúde.
[Publicado na CapitalMagazine]
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