terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A anormalidade das 35 horas


Portugal não tem economia – nem muito menos finanças públicas – que permitam sustentar a semana das 35 horas na administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o caos na saúde.

A redução do horário de trabalho para 8 horas diárias é uma conquista do final do século XIX e a redução para um horário semanal de 40 horas iniciou-se na primeira metade do século XX.

Não é um acaso que a redução do horário de trabalho tenha parado nas 40 horas durante décadas. É que oito horas de trabalho é exactamente um terço da duração do dia e permite a criação muito regular de turnos de trabalho, o que é muito importante em actividades de ciclo permanente, como é o caso de algumas indústrias e da saúde. Gerir 24 horas com turnos de sete horas cria dificuldades brutais de gestão.

A semana das 35 horas é uma raridade na UE e no mundo, sendo claramente um luxo de país rico, com actividades muito concentradas nos serviços. Como se pode ver no quadro abaixo, só países muito mais ricos do que Portugal o podem sustentar.

Horário mais frequente de trabalho, OCDE, 2017

País
Rendimento por habitante*
Horário mais frequente
Luxemburgo
345
40
Irlanda
240
40
Noruega
236
35-39
Suíça
204
40
EUA
196
40
Holanda
177
40
Suécia
168
40
Alemanha
167
40
Austrália
165
40
Dinamarca
164
35-39
Áustria
164
40
Canadá
159
40
Bélgica
153
35-39
Finlândia
146
35-39
Reino Unido
145
40
França
145
35-39
Espanha
126
40
Itália
125
40
Israel
119
40
Rep. Checa
117
40
Eslovénia
113
40
Eslováquia
108
40
Estónia
104
40
PORTUGAL
100
40
Fonte: OCDE, FMI
* em percentagem do valor para Portugal

Só países, no mínimo 45% mais prósperos do que o nosso país, como a França, é que podem oferecer esse benefício a um grupo significativo dos seus trabalhadores. Mesmo assim, no conjunto de países que são tão ou mais ricos do que os gauleses, em apenas cinco existe este tipo de horário. Dos nove países mais desenvolvidos da OCDE, só na Noruega existe este benefício, o que indica que a prosperidade não torna as 35 horas inevitáveis. Países tão desenvolvidos como o Luxemburgo, a Irlanda, a Suíça, a Holanda, a Suécia e a Alemanha não a praticam.

Por seu turno, a economia portuguesa está quase estagnada há quase duas décadas, tendo sido ultrapassada por muitos países de Leste e passado ser a quarta mais pobre do euro.

Ou seja, a instituição, em Portugal, da semana das 35 horas na administração pública é uma anormalidade, em total desacordo com o nosso nível e evolução de desenvolvimento económico. Aliás, sendo um privilégio da administração pública, não se percebe porque não foi decretada inconstitucional.

E se situarmos a nossa situação em termos de contas públicas? Aí, a anormalidade ainda é maior.

Portugal é o quarto país mais endividado do mundo dentro dos países desenvolvidos, só ultrapassado pela Grécia, Itália e Japão, sendo que a dívida portuguesa tem a particularidade de estar muito mais na posse de investidores estrangeiros, o que a torna muito mais vulnerável. Em contrapartida, a dívida japonesa está, em larga medida, nas mãos da banca nacional, o que faz que se transaccione a taxas de juro mínimas: durante quase todo o ano de 2018, a dívida a 10 anos teve uma taxa de juro quase sempre inferior a 0,1% (!).

Em suma, a dívida pública portuguesa é a mais perigosa no mundo desenvolvido (talvez com a excepção da Grécia), um sinal claríssimo de que as nossas contas públicas estão muito longe de estar minimamente saudáveis, ainda que o défice seja já baixo.

Em resumo, Portugal não tem economia – nem muito menos finanças públicas – que permitam sustentar a semana das 35 horas na administração pública, que, ainda por cima, estão a provocar o caos na saúde.

[Publicado na CapitalMagazine]

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