sexta-feira, 12 de março de 2021

Um imposto para pagar a pandemia?

 

Há cerca de 100 anos que a ciência económica explicou que lançar um imposto no meio de uma recessão contribui para a agravar.

 

Nos últimos tempos, tem-se debatido a ideia de lançar um imposto sobre os que menos sofreram com a pandemia, para ajudar os que mais têm sofrido.

 

Antes de mais, é preciso esclarecer que, em Portugal, são raríssimos os casos de beneficiários da pandemia, ao contrário dos EUA, onde as designadas empresas tecnológicas alcançaram valorizações recordes.

 

Há uma outra questão que tem passado ao lado dos proponentes de um aumento de impostos, talvez por a generalidade deles serem funcionários públicos. Quem trabalha no sector privado começou por sofrer a incerteza de perda de rendimentos, mesmo que, no final, estes não se tenham concretizado. Para além disso, enquanto a pandemia não for claramente debelada, não é possível saber quem mais sofre com ela, porque ainda há muito desemprego adiado, pelas ajudas públicas e moratórias de créditos. Só no final é que saberemos quem foi prejudicado.

 

Se houve poucos beneficiários, indirectos, do COVID-19, houve imensos que perderam com ele, desde logo, os que perderam a vida ou a saúde, a sua própria e/ou dos seus familiares e amigos.

 

Em relação a perdas económicos, houve um número muito grande de pessoas com perdas, algumas das quais com quebras brutais do rendimento. No entanto, estas perdas foram muito aumentadas pela forma como o governo reagiu: com atrasos inaceitáveis, com burocracias absurdas, com critérios demasiado restritivos e mesmo mesquinhos. Houve atrasos de meses que causaram um sofrimento brutal e desnecessário e que não aparecem nas contas públicas anuais. Mesmo assim, fomos confrontados com o cúmulo do absurdo: o governo nem sequer gastou a despesa autorizada pela AR no orçamento aprovado ANTES da pandemia, quanto mais no orçamento rectificativo. Foram quase 7 mil milhões de euros não gastos, o que corresponde a mais de metade do IRS cobrado em 2019.

 

Se o governo não foi capaz de ajudar quem precisava, apesar de ter acesso a condições para o fazer (autorização da AR e juros negativos), o que nos permite acreditar que um pouco mais de receitas fiscais teriam feito a diferença? Que garantias temos que não seriam desbaratadas na primeira oportunidade, nomeadamente face à forma amadora (e caríssima) com que tem sido gerido o dossier TAP, só para dar um exemplo?

 

Finalmente, passemos à questão da estabilização económica (minimizar as flutuações económicas), uma questão que passou a fazer parte das funções económicas essenciais do Estado há cerca de 100 anos, através do trabalho de Keynes. Uma das coisas que mais horrorizava este economista era a forma como os governos tentavam equilibrar o orçamento no meio de uma grave recessão, lançando impostos que só a agravavam. Ou seja, aumentar impostos no meio da pandemia é o pior que se pode fazer.

 

Em resumo, a ajuda aos prejudicados pela pandemia deveria ser mais generosa imediatamente e, antes de qualquer subida de imposto, é essencial aumentar a eficiência da despesa pública.

 

[Publicado no Jornal Económico]