terça-feira, 27 de julho de 2010

Usar o ouro como colateral

Tal como o Jorge Costa já chamou a atenção aqui, o IGCP prepara-se para ceder colateral nas suas operações de derivados, por razões que não são ainda inteiramente claras: estão a ser forçados a isso ou estão a antecipar-se ao mercado?

De qualquer forma coloca-se o problema de qual o colateral o IGCP vai ceder e como o vai obter. Como já tinha sido sugerido na peça inicial, o ouro parece ser um colateral interessante e sucede que o Banco de Portugal (BdP) ainda mantém um valor apreciável deste activo. O Estado poderia pedir ouro emprestado ao nosso banco central, sem a necessidade de prestar colateral, porque até seria muito estranho o BdP exigi-lo, logo após os testes de stress dos bancos terem deixado de fora a hipótese de incumprimento das dívidas soberanas.

Este empréstimo seria uma violação dos tratados europeus, mas menos grave do que a compra de dívida soberana pelo BCE, dado que o ouro não é moeda como a que o BCE pagou os títulos e o BdP não tem capacidade de criar moeda. Para além disso, se houve outra violação dos tratados com a ajuda à Grécia, neste caso a violação também é menos grave, dado que se trata de um activo português, o ouro (aliás em última análise propriedade do Estado português), que seria emprestado ao Estado português. Não há aqui nenhum bail out de outros estados membros do euro a Portugal.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um mistério

Sócrates veio vangloriar-se de uma redução da pobreza, reportando-se a dados de 2008. Desde 2008 tivemos: a) a maior recessão desde há mais de cinquenta anos; b) a subida da taxa de desemprego para níveis nunca antes atingidos; c) o corte pelo governo de apoios aos desempregados.

Julgo que mesmo entre os militantes mais ferrenhos do PS será muito difícil encontrar quem acredite que a pobreza baixou em Portugal. Assim sendo, qual o benefício político que o PM espera obter de fazer este tipo de declarações? Um mistério.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Estatizar as SCUTs

A actualidade do tema das SCUTs suscita uma analogia com as leis das rendas desde 1974. Em ambos os casos há uma desvalorização do stock de capital existente e a opção pela construção de novo.

As sucessivas leis das rendas conduziram ao incentivo perverso de os proprietários desejarem a destruição do seu património, ou, pelo menos, retiraram-lhes o incentivo a preservar o seu património imobiliário. Milhares de imóveis foram-se degradando e novos foram construídos, num conjunto de decisões racionais individualmente (mas distorcidas pelas leis) que se traduziram numa total irracionalidade macroeconómica.

Também no caso das SCUTs as infra-estruturas existentes foram (em alguns casos) desprezadas e foram construídas vias novas, com luxos a mais. Há aqui também uma depreciação acelerada do capital existente, que envolve um enorme desperdício de capital.

Estes dois exemplos são graves, não se trata de desperdício de tremoços. Não conheço dados para Portugal, mas o stock de imobiliário representa tipicamente cerca de metade de todo o stock de capital de um país. As infra-estruturas rodoviárias são também uma importante componente do stock de capital e o investimento realizado nas SCUTs representou cerca de 12% do PIB, o que está longe de se poder encarar como um caso menor.

De qualquer maneira, estes dois casos ajudam claramente a explicar um paradoxo português. Somos em simultâneo um dos países onde se gastou mais em investimento (em % do PIB) e onde se assistiu a um dos menores ganhos de produtividade. Ou seja, temos a honra duvidosa de ser um dos países com maior nível de desperdício no investimento.

Mas as SCUTs produziram um outro efeito extraordinariamente negativo: ao terem sido construídas num período em que a economia estava sobreaquecida, provocaram uma explosão de custos, que explica a nossa enorme perda de competitividade, que nos conduziu à década perdida de crescimento que temos vivido e que não tem fim à vista. A perda de competitividade que vivemos na entrada para o euro e depois, não caiu do céu: foi provocada por uma das menos esclarecidas gestões macroeconómicas das últimas décadas, que atirou gasolina para cima de uma economia a arder. Se há um erro simbólico (e não só) da infeliz gestão portuguesa da adesão ao euro, esse erro é insuperavelmente representado pelas SCUTs.

Depois de tantos erros, que soluções? É difícil, mas o pouco que se pode fazer neste momento é estatizar as SCUTs. Em vez de ficarmos mais umas décadas a pagar os contratos de “carpintaria financeira” que as envolvem, o Estado propunha-se pagar já hoje tudo, descontado às elevadas taxas de rentabilidade garantidas nesses contratos. Como essas taxas são muito elevadas, o seu valor actualizado é relativamente baixo. O Estado emite nova dívida pública, que remunera a taxas muito mais baixas, gerando-se assim uma substancial poupança.

Para tornar esta proposta mais interessante sugiro que esta estatização seja voluntária, com leilão de propostas, possivelmente um por ano em que o número de SCUTs a comprar não é definido à partida, para dificultar o conluio. O Estado define um preço máximo a pagar, ajustado pelas condições específicas de cada concessão. Com as dificuldades de liquidez com que vivemos, o Estado poderá obter verdadeiras pechinchas.

Esta solução tem o problema de fazer a nossa dívida pública subir, mas parece-me improvável (será mesmo?) que os investidores estrangeiros e as agências de rating sejam tão destituídos que não percebam que as nossas responsabilidades com as SCUTs são já hoje dívida pública encapotada. A medida poderia assim ser “vendida” como uma medida que simultaneamente aumenta a transparência das nossas contas públicas e diminui efectivamente a nossa despesa pública.

Dadas as dificuldades de financiamento com que se debate a Estradas de Portugal (que tem a responsabilidade de pagar as rendas das SCUTs), nem vejo mesmo como é que esta solução possa ser adiada por muito mais tempo.

PS. Atenção que isto em nada diminui a necessidade de introduzir portagens nas SCUTs, porque aquelas continuarão a ser insuficientes face às responsabilidades, mesmo após a estatização.

[também publicado no http://cachimbodemagritte.blogspot.com/]

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Este país existe? (4)

O Público de hoje tem uma daquelas estórias que revelam mais uma vez a extraordinária capacidade deste país em conviver com o absurdo. “Governo mantém fundação que há 30 anos não cumpre objectivos”. Leiam os detalhes, que eu nem tenho paciência para os replicar.

Só destaco o seguinte: toda esta estória tem origem no facto de a testadora querer doar os seus bens à Casa do Gaiato, que recusou, “por não receber heranças”!!!!!!!!!!!!!!! A Casa do Gaiato, uma instituição afinal muitíssimo mais próspera do que imaginávamos, é tão rica que se pode dar ao luxo de recusar receber heranças, porque sim. Ou porque os estatutos não têm essa cláusula especificada e, como já se sabe, o que não é explicitamente permitido é implicitamente proibido. Se havia qualquer tipo de obstáculo a receber heranças, não passou pela cabeça dos dirigentes da Casa do Gaiato remover esses obstáculos.

sábado, 10 de julho de 2010

O cerco aperta-se

Os bancos estão a cortar o crédito à Estradas de Portugal, que detém a responsabilidade do pagamento das rendas das SCUTs. É muito sintomático que os bancos estejam a cortar o crédito a uma empresa pública, embora isto possa ter duas leituras. Ou os bancos estão tão aflitos a obter recursos, que já só emprestam a quem não tem alternativas; ou os bancos não acreditam que o risco de crédito das Estradas de Portugal seja tão baixo assim.

Em todo o caso, é impossível esquecer que há poucos meses, no vórtice da crise de financiamento, a Estradas de Portugal tomou a inacreditável decisão de assinar a concessão da auto-estrada do Pinhal Interior. Arrependidos? Ou foram forçados? Seria interessante que viesse para aí um “zanga de comadres”…