quinta-feira, 24 de abril de 2014

Recuo de sintomas

A correcção dos défices externos dos países periféricos não está a ser acompanhada de uma correcção simétrica dos superavits externos dos Estados mais fortes, que ocorreria, num grau significativo, se cada país mantivesse a sua própria moeda.

O excessivo superavit externo daí resultante para a zona do euro como um todo tem conduzido à apreciação do euro que, por seu turno, tem agravado os riscos de deflação. Como os países com margem para uma expansão orçamental, sobretudo a Alemanha, não têm querido usar essa folga, parece que teremos que recorrer a uma expansão monetária para corrigir a escassez de procura interna da zona do euro. Mas, como estamos numa situação clássica de “armadilha da liquidez”, com a taxa de juro de referência quase a zero, a eficácia da política monetária é muito inferior à da política orçamental.
Por pura teimosia moralista dos países do Norte da Europa, em vez de usarmos o instrumento mais eficaz, teremos que utilizar o instrumento mais débil.

O BCE já deu indicações de que estaria a ponderar uma política de expansão quantitativa, envolvendo a compra significativa de obrigações, públicas e privadas, em moldes ainda não definidos. Antecipando estas sugestões, os mercados têm vindo a fazer descer, de forma generalizada, as taxas de juro das obrigações de dívida soberana, mesmo a dos países mais afligidos pela crise.

Como estas taxas de juro têm sido o termómetro da crise do euro, estamos a assistir a um claro recuo dos sintomas daquela crise. É mesmo provável que nos próximos meses venhamos a testemunhar uma continuação da redução destes sintomas. A própria Grécia, que tem as suas necessidades de financiamento asseguradas pela troika até 2023, já conseguiu voltar a financiar-se no mercado, apesar de ter um dívida pública de quase 180% do PIB, praticamente insustentável.

Todas estas boas notícias, aliadas à proverbial miopia dos mercados financeiros, demasiado focados no curto prazo, têm todas as condições para criar dois graves riscos: a ilusão e a complacência.

É altamente provável que se instale a ilusão de que a crise do euro está a chegar ao fim. Esta ilusão tem todas as condições para sedimentar a crença fantasiosa de que estamos a chegar a um novo “bom” equilíbrio, gerador de auto-concretização de expectativas, com redução sucessiva das taxas de juro de longo prazo.

O problema da complacência reside na ideia, junto dos principais actores políticos, de que tudo está bem e que novas reformas estruturais na arquitectura do euro – absolutamente essenciais – são, afinal, dispensáveis.

Estas reformas, politicamente dificílimas, ficarão mais longe, e a sobrevivência a médio prazo do euro ficará mais ameaçada.

Estamos, assim, perante um presente envenenadíssimo: quanto mais os sintomas da crise recuarem, mais longe estaremos de construir uma solução duradoura para o euro.

[Publicado no Jornal de Negócios]

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Democracia e mau governo

O mau governo dos últimos 40 anos tem dado mau nome à democracia

Nos últimos 40 anos, Portugal já esteve três vezes à beira da bancarrota, o que legitima associar um mau governo à democracia. A fraca apreciação que os portugueses fazem da democracia (segundo o estudo recente do ICS/Expresso), como bem aventa Pedro Magalhães, não se deve tanto ao menosprezo da liberdade, mas ao facto de um mau governo ser demasiado frequente. Nos países nórdicos, onde a democracia também está associada a bom governo, é natural que a democracia seja muito mais valorizada.

Como explicar então o mau governo em democracia em Portugal? Julgo que ele decorre de três características principais: a irresponsabilidade dos executivos, a falta de continuidade das políticas e a corrupção.

Portugal, como a generalidade dos países do Sul da Europa, exibe níveis elevados de distância ao poder. Infelizmente, parece que este padrão continua a ser reproduzido nas gerações mais novas, em que os caloiros toleram, silenciosos e demasiado obedientes, as mais inacreditáveis praxes. As praxes são o exemplo mais flagrante de obediência a ordens estúpidas, que são acatadas sem o menor protesto.

Esta excessiva subserviência a chefes, por mais incompetentes que estes sejam, traduz-se numa impotência, que tem como benefício a irresponsabilidade. Os eleitores portugueses, mesmo aqueles de quem se esperaria mais, demitem-se dos seus deveres cívicos, de responsabilidade e exigência, e esperam que “eles” resolvam tudo. Daqui decorre a exigência, generalizada a todo o espectro político, de que o Estado resolva tudo e mais um par de botas.

Nesta exigência há vários pensamentos mágicos, desde a ideia de que o Estado tem recursos inesgotáveis, até à fantasia de que o Estado decide sempre bem, como se as decisões fossem do Estado, quando são de pessoas, políticos e bur(r)ocratas, que, demasiadas vezes, decidem na sua incompetência e a pensar nos seus interesses.

Neste contexto, políticos responsáveis estão votados ao fracasso, enquanto políticos mentirosos e irresponsáveis, que dêem gás ao pensamento mágico dos eleitores, têm a vitória assegurada.
Julgo poder deduzir-se que as políticas de governos irresponsáveis em democracia se devem à irresponsabilidade dos eleitores.

Se a irresponsabilidade das políticas se encontram com frequência, nos países do Sul da Europa, a falta de continuidade das políticas parece constituir uma especificidade portuguesa.

Em Portugal, a falta de continuidade das políticas verifica-se, não apenas quando há uma mudança de governo, mas também quando há uma mudança de ministro, dentro do mesmo executivo.

Esta mudança constante envolve custos brutais de adaptações sucessivas. Por outro lado, dado que há custos de aprendizagem, mesmo que cada novo modelo fosse bom, ele nunca chega a produzir os seus melhores resultados, porque é interrompido entretanto. Como é evidente, há aqui doses brutais de desperdício, de investimentos deitados à rua, que são um travão ao crescimento económico.

A corrupção não será específica da democracia, mas o estudo recente citado, identifica-o como a segunda questão que mais se deteriorou a seguir ao 25 de Abril, apenas suplantado pelo crime/insegurança. O que mais choca no problema da corrupção em Portugal são, julgo eu, duas coisas: a falta de pudor como muito é feito às claras, sem a menor necessidade de disfarçar; e o estado da justiça, que permite que aconteçam situações tão inacreditáveis que só o mais crédulo dos crédulos pode imaginar que se explicam com as leis, a alegada “falta de meios” e outras desculpas de que nunca há défice. Aliás, a justiça ocupa mesmo a quarta posição nos temas que mais se deterioraram desde a revolução dos cravos, sendo a terceira o desemprego.

Pode a democracia em Portugal passar a estar associada a um bom governo? Sim, se os eleitores assumirem as suas responsabilidades, em que se inclui não dar ouvidos a propostas demagógicas (difícil) e serem mais exigentes com o Estado que pagamos com os nossos impostos, sobretudo com a justiça, que se tem mantido demasiado longe do essencial escrutínio público.


[Publicado no jornal “i”]

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Subir o salário mínimo?

Aumentar o salário mínimo neste momento arrisca-se a agravar o desemprego, sobretudo entre as mulheres

Ao contrário do que muitíssimas pessoas desejavam que fosse verdade, os governos não podem determinar os salários na economia, que dependem sobretudo da produtividade.

No caso do salário mínimo é preciso reconhecer que este tem um impacto assimétrico no emprego. Se for definido muito abaixo da produtividade dos trabalhadores com menor produtividade (os mais jovens, sem experiência, e aqueles com menores qualificações), ele torna-se irrelevante porque as empresas pagariam sempre salários acima do mínimo legal. Se for legislado acima daquela produtividade, proíbe a contratação dos trabalhadores em situação mais frágil, agravando o desemprego neste segmento.

Como os governos desprezam geralmente as leis económicas e procuram a maior popularidade, o risco de decidirem salários mínimos demasiado abaixo daquele limiar de produtividade é insignificante. Mas persiste o risco de os governos tomarem decisões fantasiosas sobre o salário mínimo.

Até aqui há alguns anos, havia duas restrições muito importantes que limitavam a demagogia na fixação do salário mínimo: a necessidade de ter contas externas equilibradas e o facto de o salário mínimo ser um importante indexante de prestações públicas, com fortes implicações orçamentais. Infelizmente ambas as restrições foram destruídas entretanto, permitindo a políticos irresponsáveis perpetrarem os maiores erros neste domínio.

Antes da entrada no euro, subidas do salário mínimo acima do crescimento da produtividade criavam graves problemas de competitividade, que se traduziam em défices externos elevados, cuja correcção exigia uma forte desvalorização, que diminuía os salários reais, eliminando os excessos anteriores. Após a entrada no euro, por pura ignorância e irresponsabilidade dos governantes e com a indesculpável conivência do governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, criou-se a ilusão de que os desequilíbrios externos tinham deixado de ser importantes e destruiu-se a primeira restrição sobre os aumentos do salário mínimo. Em 2007, antes da grave crise internacional, Portugal apresentava um défice externo de 9,5% do PIB e uma dívida externa de 89% do PIB. Estes valores indicavam um gravíssimo problema de competitividade, que foi olimpicamente ignorado.

Em 2006, com a criação do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), o salário mínimo perdeu a sua importante função de indexante de um conjunto muito variado de situações, em particular de prestações sociais pagas pelo Estado.

Liberto desta segunda restrição, o governo da época pôde ser extremamente generoso com o dinheiro dos outros. Dado que uma subida do salário mínimo deixou de ter impacto nas contas públicas, isso deixou mãos livres ao executivo para decretar substanciais aumentos desta remuneração básica.

Sublinhe-se que a subida extraordinária plurianual do salário mínimo que foi negociada na altura aconteceu quando já havia sinais extremamente preocupantes de falta de competitividade, que desaconselhavam em absoluto esta medida.

Os resultados foram muito preocupantes, como não podia deixar de ser: enquanto em 2005 a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo era de apenas 4,5%, ela foi subindo sucessivamente, encontrando-se nos 11,7% em Abril de 2013. Isto é grave porque indicia que se está a gerar desemprego, sobretudo nas mulheres, já que nestas a percentagem a receber a retribuição mínima é superior a 15%. Há mesmo um conjunto de actividades em que mais de um quinto das trabalhadoras aufere o salário mínimo: indústria têxtil, alimentar, da madeira e em vários serviços (restauração e imobiliária).

É extraordinário que ainda a troika não tenha saído e já estejamos a prepararmo-nos para repetir todos os erros que nos forçaram a pedir auxílio externo. Parece que três quase bancarrotas em menos de 40 anos é pouco e precisamos de começar, desde já, a trabalhar para a próxima crise.

Esta ideia de subir, neste momento, o salário mínimo parece ser mais um claro exemplo do ditado “de boas intenções está o inferno cheio”.


[Publicado no jornal “i”]

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Intolerância ao erro

Em Portugal, a intolerância ao erro é, paradoxalmente, uma enorme fonte de bandalheira

Os erros são a coisa mais natural da vida, não têm absolutamente nada de anormal. O que já não é normal, nem desejável, é a intolerância ao erro. Claro que não se defende a bandalheira mas, paradoxalmente, a forma de intolerância ao erro que existe em Portugal é a maior fonte de laxismo.

A intolerância ao erro faz com que seja dificílimo, quer em termos pessoais, quer em termos institucionais, assumir um erro. É quase impossível encontrar uma instituição portuguesa que tenha assumido um erro. Em vez disso, encobrem-se as mais graves incompetências e corrupções, recorrendo-se ao discurso mais despudorado, incluindo frases ocas como “cumprimos a lei”, “fizemos o melhor possível” e outras afirmações de puro branqueamento de responsabilidades.

Onde se encontra também muito presente a intolerância ao erro é no meio empresarial. Um empresário que lance um projecto que falhe fica logo estigmatizado, ainda que o “direito ao erro” seja essencial para criar mais empresas e mais emprego.

É interessante contrastar esta atitude com outra semelhante existente nos países do norte da Europa. Em certo sentido, pode dizer-se que nestes Estados a intolerância ao erro seria superior à existente em Portugal, onde é frequente ministros pedirem a demissão, por razões que a nós nos parecem secundárias, quase risíveis em alguns casos. Mas nesses países, onde domina a ética protestante, há um claro foco na responsabilidade, fomentando uma elevada exigência cívica. Por seu turno, esta exigência cívica limita a demagogia dos políticos e produz instituições públicas que se responsabilizam pelos seus erros, os assumem e os corrigem.

De tudo isto, parece poder concluir-se que o tipo de intolerância ao erro vigente em Portugal conduz ao pior dos dois mundos. Por um lado, constitui uma barreira social a muitos comportamentos que nos poderiam ser benéficos. Por outro, e de uma forma extremamente paradoxal, que é impossível de sobrevalorizar, conduz a uma degradação ética, em clara oposição ao que se passa no Norte da Europa. Enquanto aí, em que a responsabilidade domina, a intolerância ao erro eleva a ética social, em Portugal, bem como em outros países do Sul da Europa, onde a responsabilidade é substituída por uma culpa pesada e ingerível, de forte inspiração católica, a intolerância ao erro gera um abafamento generalizado de erros e responsabilidades, degradando de forma muito profunda a ética social.

Parece que a intolerância ao erro tem, entre nós, uma dimensão tendencialmente hierárquica. Os países do Norte da Europa são genericamente menos hierárquicos do que os Estados mais a Sul. Por isso, naqueles, um deslize, ainda que mínimo, de um superior hierárquico, como um ministro, recebe uma forte sanção social. Nos países a Sul, como Portugal, é muito fácil criticar violentamente um subordinado ou um igual, mas já é muito complicado colocar em causa um chefe directo.

Vejam-se, por exemplo, os graves erros do Banco de Portugal, quer a nível de recomendação da gestão macroeconómica (a conversa delirante de Constâncio sobre a suposta irrelevância do desequilíbrio externo dentro do euro), quer a nível da supervisão bancária (quando o BPN teve graves problemas com os auditores já sobre o exercício de 2002). Como é possível que uma instituição com um dos maiores números de doutorados fora das universidades se tenha subjugado a um dos seus piores líderes? Como é possível que uma instituição das mais prestigiadas do país tenha assistido – toda ela –, silenciosa e reverente, à destruição desse prestígio às mãos do pior chefe que jamais teve? Este é um dos maiores dramas nacionais: a forma como milhares de trabalhadores altamente qualificados assistem, impávidos, à destruição do prestígio de uma instituição por um chefe para lá de inconcebível.

Em relação aos chefes indirectos, como deputados e ministros, há uma contestação, espalhafatosa e inconsequente, que se aceita, na verdade, que não tenha quaisquer efeitos práticos. Este é mesmo um dos piores defeitos do país: a contestação inconsequente que, por isso, se torna irrelevante.


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Prefácio à 2ª edição

Pré-publicação do meu livro, que deverá estar disponível na próxima semana:

Passado cerca de ano e meio do lançamento da primeira edição deste livro, é chegada a hora de uma nova edição, revista e actualizada.

A revisão incide sobretudo sobre gralhas, questões de pormenor e de estilo. A única revisão importante prende-se com a previsão que fiz inicialmente, que o euro iria acabar em Portugal até ao final de 2012. Como é evidente, isso não se confirmou, mas continuo a prever que o euro não deverá ter muito mais tempo de vida. Saliento que nenhum dos problemas estruturais do euro foi até agora resolvido. Para além disso, também não parece existir margem, sobretudo política, para que isso venha a ocorrer em tempo útil.
A actualização prende-se com o tempo que decorreu entretanto, que trouxe algumas novidades, com destaque para o pedido de ajuda de Chipre, em Março de 2013, que foi excepcionalmente mal gerido. A inépcia em torno deste episódio reforça a ideia de que as lideranças europeias não têm soluções preparadas de antemão, estão a gerir a crise à medida que os problemas ocorrem e nem isso estão a fazer de forma minimamente satisfatória.

Foi acrescentado um capítulo sobre o programa da troika, onde se faz a sua avaliação, com algumas limitações, por estarmos ainda demasiado próximos.

A decepção em relação à prometida união bancária, quase inútil na forma aprovada, também reforça o cepticismo em relação à capacidade política dos líderes europeus de construírem as condições de sobrevivência a médio prazo do euro.

No início de 2014, verificou-se uma descida generalizada das taxas de juro de longo prazo, o que poderá transmitir uma sensação de fim da crise, mas isto não passa de um alívio temporário. A própria decisão, com alguma ambiguidade, do Tribunal Constitucional alemão também não deve inspirar tranquilidade.

Saliento que não defendo a saída do euro, apenas prevejo que isso venha a acontecer, devido às fragilidades da moeda única e da impossibilidade de se gerarem condições políticas para construir uma solução estrutural.


Esta nova edição mantém a estrutura da primeira, com duas partes sobre o passado e duas outras sobre o futuro.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Por más razões

As taxas de juro da dívida portuguesa estão a cair, porque há o receio de que a zona do euro entre em deflação

Nos últimos meses, as taxas de juro da dívida pública na zona do euro têm vindo a cair de forma pronunciada. Em Itália, no pico da crise, a taxa da dívida a 10 anos ultrapassou os 7%, começando o ano de 2014 nos 4,1% e estando esta semana nos 3,3%. As taxas em Espanha seguiram uma trajectória muito semelhante à italiana, encontrando-se hoje em valores idênticos aos do daquele Estado.

Em Portugal, as taxas chegaram a ultrapassar os 14%, mas iniciaram o corrente ano nos 5,5%, estando agora em torno dos 4%.

Isto significa que a excelente evolução das taxas de juro portuguesas se deve essencialmente a um movimento externo, ainda que o previsível fim do programa da troika também esteja a ajudar.

Estamos aqui a viver a versão favorável da auto-concretização das expectativas. Com os mercados confiantes, como estão actualmente, há uma descida das taxas de juro, o que facilita a sustentabilidade da dívida portuguesa. No entanto, deve também dizer-se que, no essencial, a nossa dívida ainda não atingiu o patamar da sustentabilidade e que qualquer desconfiança futura dos mercados pode levar à versão negativa da auto-concretização das expectativas. Um evento suficientemente negativo, como mais um chumbo do Tribunal Constitucional (TC) que impossibilite, na prática, o cumprimento da meta orçamental para 2014, pode fazer disparar as taxas de juro portuguesas dificultando a sustentabilidade orçamental e agravando a desconfiança.

Confesso que tenho curiosidade em saber se o TC considera o Tratado Orçamental inconstitucional, já que é este que está a condicionar a redução actual e futura dos défices portugueses. Também gostava de saber, embora para isso já seja um pouco tarde, se o TC considera inconstitucional o memorando com a troika, que previa que dois terços da consolidação orçamental se fizesse do lado da despesa.

É que a fantasia de que os cortes em salários e pensões seriam temporários foi sempre isso mesmo: uma fantasia. Ficamos a aguardar, para percebermos se o TC ainda acredita no Pai Natal.

Mas voltando às taxas de juro da dívida pública na zona do euro, deve-se esclarecer que esta queda, que se saúda, se deve – infelizmente – a más razões.

A economia da zona do euro, após dois anos de queda, deverá conhecer um crescimento tímido em 2014, numa recuperação ainda frágil, que os últimos desenvolvimentos na Ucrânia poderão fazer descarrilar.

A inflação, que em 2013 ficou longe da meta do BCE, deveria ficar ainda mais longe, ao fixar-se nos 1,0% em 2014 (Previsões da Comissão Europeia, de Fev-14). No entanto, devido à debilidade da procura e ao fortalecimento cambial do euro, os preços estão a subir ainda menos do que o previsto.

Este desvio da inflação face à meta do BCE (abaixo mas próximo dos 2%) está a modificar o discurso desta instituição e, inclusive, do próprio Bundesbank, que começa a ponderar a utilização de medidas não convencionais para impedir que a zona do euro entre numa muito temida deflação (inflação negativa), que agravaria todos os problemas de dívidas e crescimento.

Por isso, os mercados têm antecipado um programa generalizado de compra de dívida soberana, o que tem motivado esta descida generalizada das taxas de juro.

Ou seja, as taxas de juro da dívida soberana estão a cair porque se está a instalar o receio de que estejamos próximo de um problema muito difícil: a deflação. Por isso digo que estas boas notícias surgem por más razões.

Entretanto, há fortes expectativas de que na reunião de amanhã o BCE dê indicação de estímulos adicionais, que dificilmente podem passar por descida da taxa de juro de referência, que já se encontra nos 0,25%.


[Publicado no jornal “i”]