quinta-feira, 17 de abril de 2014

Subir o salário mínimo?

Aumentar o salário mínimo neste momento arrisca-se a agravar o desemprego, sobretudo entre as mulheres

Ao contrário do que muitíssimas pessoas desejavam que fosse verdade, os governos não podem determinar os salários na economia, que dependem sobretudo da produtividade.

No caso do salário mínimo é preciso reconhecer que este tem um impacto assimétrico no emprego. Se for definido muito abaixo da produtividade dos trabalhadores com menor produtividade (os mais jovens, sem experiência, e aqueles com menores qualificações), ele torna-se irrelevante porque as empresas pagariam sempre salários acima do mínimo legal. Se for legislado acima daquela produtividade, proíbe a contratação dos trabalhadores em situação mais frágil, agravando o desemprego neste segmento.

Como os governos desprezam geralmente as leis económicas e procuram a maior popularidade, o risco de decidirem salários mínimos demasiado abaixo daquele limiar de produtividade é insignificante. Mas persiste o risco de os governos tomarem decisões fantasiosas sobre o salário mínimo.

Até aqui há alguns anos, havia duas restrições muito importantes que limitavam a demagogia na fixação do salário mínimo: a necessidade de ter contas externas equilibradas e o facto de o salário mínimo ser um importante indexante de prestações públicas, com fortes implicações orçamentais. Infelizmente ambas as restrições foram destruídas entretanto, permitindo a políticos irresponsáveis perpetrarem os maiores erros neste domínio.

Antes da entrada no euro, subidas do salário mínimo acima do crescimento da produtividade criavam graves problemas de competitividade, que se traduziam em défices externos elevados, cuja correcção exigia uma forte desvalorização, que diminuía os salários reais, eliminando os excessos anteriores. Após a entrada no euro, por pura ignorância e irresponsabilidade dos governantes e com a indesculpável conivência do governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, criou-se a ilusão de que os desequilíbrios externos tinham deixado de ser importantes e destruiu-se a primeira restrição sobre os aumentos do salário mínimo. Em 2007, antes da grave crise internacional, Portugal apresentava um défice externo de 9,5% do PIB e uma dívida externa de 89% do PIB. Estes valores indicavam um gravíssimo problema de competitividade, que foi olimpicamente ignorado.

Em 2006, com a criação do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), o salário mínimo perdeu a sua importante função de indexante de um conjunto muito variado de situações, em particular de prestações sociais pagas pelo Estado.

Liberto desta segunda restrição, o governo da época pôde ser extremamente generoso com o dinheiro dos outros. Dado que uma subida do salário mínimo deixou de ter impacto nas contas públicas, isso deixou mãos livres ao executivo para decretar substanciais aumentos desta remuneração básica.

Sublinhe-se que a subida extraordinária plurianual do salário mínimo que foi negociada na altura aconteceu quando já havia sinais extremamente preocupantes de falta de competitividade, que desaconselhavam em absoluto esta medida.

Os resultados foram muito preocupantes, como não podia deixar de ser: enquanto em 2005 a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo era de apenas 4,5%, ela foi subindo sucessivamente, encontrando-se nos 11,7% em Abril de 2013. Isto é grave porque indicia que se está a gerar desemprego, sobretudo nas mulheres, já que nestas a percentagem a receber a retribuição mínima é superior a 15%. Há mesmo um conjunto de actividades em que mais de um quinto das trabalhadoras aufere o salário mínimo: indústria têxtil, alimentar, da madeira e em vários serviços (restauração e imobiliária).

É extraordinário que ainda a troika não tenha saído e já estejamos a prepararmo-nos para repetir todos os erros que nos forçaram a pedir auxílio externo. Parece que três quase bancarrotas em menos de 40 anos é pouco e precisamos de começar, desde já, a trabalhar para a próxima crise.

Esta ideia de subir, neste momento, o salário mínimo parece ser mais um claro exemplo do ditado “de boas intenções está o inferno cheio”.


[Publicado no jornal “i”]

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