segunda-feira, 27 de maio de 2019

Prenúncio das legislativas


Em Outubro, o parlamento deve tornar-se mais cacofónico e, com uma provável geometria variável das coligações do PS, deve também tornar-se um foco mais importante do regime.

Os resultados das eleições europeias trouxeram algumas surpresas, a maior das quais foi a forte subida do PAN, o que significa que, a partir de Outubro, o PS tem mais um potencial parceiro a quem se aliar, afastando-o ainda mais da fórmula actual.

O BE subiu, mas teve uma votação inferior à das legislativas, enquanto o PC teve uma forte queda. A direita tradicional teve um mau resultado, provavelmente castigada pelo desastre na condução do dossier dos professores, enquanto a nova direita se pulverizou.

Vou extrapolar os actuais resultados para as eleições de Outubro, admitindo como razoável que a maior participação então não afectará as posições relativas, o que pressupõe que os votos nos novos partidos não estão associados a nenhuma nova militância, mas antes a uma inclinação geral do eleitorado.

Estou particularmente interessado nestes novos partidos, na medida em que possam mudar muito o nosso parlamento, à semelhança do que o PAN fez, com os surpreendentes resultados agora verificados.

Em Lisboa, teríamos um deputado da Aliança, do Livre (finalmente!) e do Basta. Para meu grande desgosto, com apenas 1,3% dos votos, a Iniciativa Liberal (IL) não seria capaz de eleger ninguém, demasiado longe do mínimo de 2,1% para tal. Nos outros distritos, nenhum destes partidos parece capaz de eleger representantes.

Com mais três partidos, o parlamento deve tornar-se mais cacofónico e, com uma provável geometria variável das coligações do PS, deve também tornar-se um foco mais importante do regime.

Como é evidente, daqui até Outubro muita coisa pode mudar. Em primeiro lugar, a conjuntura internacional, com o potencial agravar da guerra comercial no seu início; um desfecho menos feliz do Brexit; uma Europa a sofrer com os resultados destas europeias, em que os partidos do centro, pela primeira vez, representam menos de metade do parlamento europeu.

Uma desaceleração económica tem, geralmente, consequências eleitorais, e orçamento de 2019 está baseado num crescimento económico que era, à partida, irrealista, pelo que o aumento de cativações pode agravar a já deteriorada imagem dos serviços públicos.

Como dizia um primeiro-ministro britânico, a política são também os “casos”, e daqui até ao Outono teremos certamente vários e alguns poderão virar a mesa de forma actualmente inesperada. 

Para além disso, espera-se que os novos partidos continuem a difundir as suas mensagens, influenciando as suas hipóteses eleitorais em Outubro.

Exorto a IL a pegar em três temas, que tem negligenciado: o ambiente, a habitação e a corrupção. O sucesso do PAN e da Greta Thunberg são sinal evidente da apetência do eleitorado pelo tema e a respostas liberais são muito mais interessantes e realistas do que as daqueles protagonistas.

Quanto à habitação, preocupa sobremaneira os habitantes dos distritos de Lisboa e Porto, onde a IL tem mais hipótese de eleger deputados. Já escrevi aqui a propor soluções e o Victor Reis também já demoliu a anunciada Lei de Bases da Habitação.

Em relação à corrupção, há uma indignação generalizada pela extraordinária impunidade vigente, supremamente simbolizada por Joe Berardo e não só. Os partidos do regime, quase todos com rabos de palha, não são capazes de ter um discurso forte e coerente sobre o tema, mas a IL tem a obrigação de o fazer.

[Publicado na Capital Magazine]

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Uma boa revisão dos benefícios fiscais?


Há dois erros em curso: não ouvir a sociedade civil e basear a revisão num documento oficial com demasiados erros

Em Junho, devemos conhecer uma proposta de revisão dos benefícios fiscais. Espera-se que o objectivo desta revisão não seja apenas a simplificação e a redução da perda de receita a que estão associados.

Convinha que se tivesse presente os problemas mais graves da economia portuguesa, que requerem solução:

1.      Aumentar o crescimento económico. Se continuarmos a crescer três décimas acima da média europeia, precisamos de 87 anos para atingir o nível médio de rendimento europeu. Muito antes disse seríamos o país mais pobre da UE.
2.      Aumentar a poupança, quer privada quer pública.
3.      Aumentar o investimento. Durante demasiados anos foi inferior ao necessário para compensar o desgaste de material.
4.      Atrair muito mais Investimento Directo Estrangeiro. Temos demasiada dívida externa, quase toda financeira, que é extremamente vulnerável. Estes investidores pedem IRC mais baixo e estabilidade fiscal.

Por tudo isto, era essencial que na revisão dos benefícios fiscais o governo ouvisse a sociedade civil e os potenciais investidores estrangeiros, em particular as principais câmaras de comércio.

Infelizmente, parece que o trabalho está a ser feito em circuito fechado, com a agravante de o documento de base ao “custo” dos benefícios fiscais, conhecido por despesa fiscal, conter erros graves.

Diz este relatório: “Seguindo a prática generalizada entre os Estados-Membros da OCDE, o método de quantificação e estimativa da despesa fiscal adotado no presente relatório é o da receita cessante.” (p. 10). Este método é dos mais simples, mas é preciso ter consciência das suas fortes limitações, nomeadamente o não prever alteração nas acções dos agentes económicos, com e sem benefício fiscal.

Despesa fiscal por imposto, 2017

Imposto
Milhões de euros
%
Total
12017,7
100,0%
IVA
7442,7
61,9%
Imposto de selo
1082,2
9,0%
IRS
972,2
8,1%
IRC
855,2
7,1%
IMI
442,9
3,7%
ISP
394,3
3,3%
Imposto sobre veículos
327,7
2,7%
Álcool
151,2
1,3%
Outros
349,3
2,9%
Fonte: Despesa fiscal, 2017, p. 4.

Começamos por ficar muito admirados com o montante da despesa fiscal total, mais de 12 mil milhões de euros, 6,2% do PIB. Quer dizer que se eliminássemos todos os benefícios fiscais passávamos a ter um superavit orçamental de 6% do PIB? Claro que não, porque estes valores não são minimamente confiáveis.

Comecemos pelo IVA, responsável por mais de 60% desta “perda” de receita. Este valor absurdo é calculado presumindo que, se o IVA fosse de 23% em todos os produtos, os consumidores comprariam exactamente a mesma quantidade que consomem com as taxas de 6% e 13%. Onde é que as pessoas iam inventar rendimento para pagar mais esta barbaridade de impostos? É evidente que não iam, simplesmente seriam forçadas a reduzir drasticamente o consumo.

Não vou falar sobre os outros impostos, até porque a informação fornecida é mínima, pouco permitindo perceber como se chega a estes valores, que não fazem qualquer sentido. Só um outro alerta: alguém acredita que se pagássemos muito mais impostos passaríamos a ter um PIB 6% superior ao actual?

Vou só dar um exemplo extremo, que não estou seguro que se aplique à zona franca da Madeira. Imaginem que, para atrair investimento directo estrangeiro, é necessário criar um benefício fiscal igual ao vigente em Espanha, sob pena de ser impossível atrair um único euro de investimento. À conta deste benefício, entram centenas de milhões de investimento, que a administração fiscal, com aquele método estima que represente dezenas de milhões de despesa fiscal a par de outras dezenas de receita fiscal. Alguém poderá ser tentado a acabar com este benefício fiscal, porque “custa” muito dinheiro, o que não é verdade, porque este benefício gera nova receita fiscal que, sem ele, pura e simplesmente não existiria.

Ou seja, estamos não só em presença de uma sobre-estimação absurda da despesa fiscal, como podemos estar em risco de acabar com benefícios fiscais cujo impacto final será uma perda de receita fiscal, o oposto do que se pretende.

Sem ouvir a sociedade civil e partindo de um documento com tantos erros, a probabilidade de tal acontecer é muito elevada.

[Publicado no jornal online ECO]

segunda-feira, 20 de maio de 2019

A uniformização europeia é má e perigosa


A uniformização europeia está a alimentar o risco de desintegração da UE

Parece que a maioria já esqueceu que os principais objectivos da construção europeia eram: a paz e a contenção da Alemanha. As questões económicas, sendo importantes, não eram as principais.

A meio do processo, isto foi esquecido e embarcou-se num processo de uniformização sem sentido, que gerou graves riscos, que agora presenciamos. Esta uniformização tem inspiração no detestável centralismo francês, tentando impor as mesmas regras a um espaço cada vez maior e mais heterogéneo.

O Brexit tem, certamente, muitas raízes, mas uma delas tem a ver com a introdução do euro. Alguns já não se lembrarão, mas a versão inicial do tratado de Maastricht previa que os Estados-Membros que respeitassem os chamados “critérios de Maastricht” eram obrigados a aderir ao euro. Reparem na loucura: se respeitarem uns critérios tecnocráticos perdem automaticamente a soberania monetária.

Os ingleses revoltaram-se contra este absurdo, mas tiveram que lutar muito para se livrarem deste abuso. Eles, com o seu respeito pela liberdade, não eram contrários a que se criasse o euro, apenas eram contra o serem obrigados, contra a sua vontade, a aderir quase automaticamente à moeda única. É verdade que conseguiram uma cláusula de excepção, mas só o facto de isso não ser óbvio e terem que lutar tanto para obter o que seria evidente deve ter constituído uma forte vacina contra a UE.

Mais genericamente, em países federais, os Estados que os compõem, que não são independentes, têm mais liberdade do que os Estados-Membros da UE, o que é absurdo. Em particular, nos EUA, há Estados com impostos diferenciados, com legislação diferente, etc., etc.

Esta pulsão para a uniformização dentro da UE ainda se tornou mais tresloucada com o alargamento de 2004, que aumentou imenso a heterogeneidade da união. Se já antes, a igualização era perniciosa, ela agora ficou ainda mais perigosa. Faz algum sentido tentar impor as mesmas regras à Suécia e à Bulgária, em estados de desenvolvimento tão diferentes?

O problema principal desta uniformização é que, dado que a UE é um pacote grande, do qual muito pouco se pode escolher, há muitos países que foram obrigados a aceitar partes que não gostavam, o que tem gerado os anti-corpos a que temos assistido. Uma Europa “à la carte” poderia ter evitado muitos dos actuais problemas. Não se fez isso no passado, o que agora não se pode mudar, mas essa devia ser a regra futura, para obviar aos riscos crescentes de desintegração que se vêem por tantos lados e que se deverão materializar nas eleições de Domingo. Veremos se os políticos europeus aprendem alguma lição com os resultados eleitorais. 

[Publicado na Capital Magazine]

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O risco da queda da biodiversidade na agricultura

A queda da biodiversidade na alimentação e agricultura pode criar um colapso na produção de alimentos num futuro não muito longínquo.

A FAO divulgou, em Fevereiro, o primeiro relatório sobre o Estado da biodiversidade na alimentação e agricultura no mundo, que traça um cenário preocupante.

As conclusões principais são as seguintes:

“1. A biodiversidade na alimentação e na agricultura é indispensável para a segurança alimentar, o desenvolvimento sustentável e muitos serviços vitais dos ecossistemas.

“2. Apesar de muitas mudanças estarem a ter impactos negativos na biodiversidade na alimentação e na agricultura, algumas apresentam oportunidades de promover uma gestão mais sustentável.

“3. A biodiversidade na alimentação e na agricultura está em declínio.

“4. A utilização de práticas amigas da biodiversidade está a aumentar.

“5. O actual enquadramento para a sustentabilidade da biodiversidade na alimentação e na agricultura é insuficiente.

“O que precisa de ser feito é melhorar o conhecimento do papel da biodiversidade nos processos ecológicos da alimentação e agricultura, e usar esse conhecimento para desenvolver estratégias de gestão que protegem, restauram e melhoram estes processos.” (minha tradução).


Esta falta de biodiversidade constitui um risco gravíssimo, porque qualquer doença pode ter um efeito devastador na produção e colocar em causa a alimentação da humanidade.

As implicações disto para a Política Agrícola Comum (PAC) são bastante óbvias. É necessário substituir os subsídios à produção por subsídios à biodiversidade e Portugal estará numa posição privilegiada para aproveitar isto.

Mais genericamente, o orçamento comunitário precisa de ser profundamente revisto, com uma forte redução no peso da PAC, quase metade do total, e aumento da componente destinada a investigação e desenvolvimento. É muitíssimo mais útil encaminhar verbas para o progresso tecnológico, sobretudo na área das energias renováveis, para, numa abordagem mais global, aumentarmos a sustentabilidade do nosso modo de vida.  

[Publicado na Capital Magazine]

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Conjuntura de greves

Há muitas razões para virmos a ter mais greves, mas uma delas tem sido esquecida: a descida da taxa de desemprego.

Há várias razões para esperar um aumento da contestação laboral e do seu caso limite, as greves.

Desde logo é importante distinguir entre o sector público e o sector privado. No público, o problema principal reside no flagrante contraste entre o discurso do fim da austeridade e a realidade da sua continuação no terreno, sob a nova designação de “cativações”. Tivemos mesmo este caso flagrante da manutenção da austeridade nos salários dos professores, que a direita, em vez de sublinhar e usar isso como prova de que a austeridade foi sempre necessária e nunca um capricho, desastrosamente tentou anular. Pode dar agora todas as explicações, mas falhou politicamente em toda a linha.

A isto acrescentam-se dois factores. O primeiro é que, contra tudo o que é recomendado, este governo distribuiu as benesses no início do mandato e agora já não tem (quase) nada para oferecer. Em segundo lugar, a economia europeia e portuguesa deverão ter, em 2019, o pior crescimento dos últimos quatro anos, pelo que a margem orçamental é agora mínima.

No sector privado, as razões são diferentes. Em primeiro lugar, a estagnação da produtividade nos últimos anos, a somar ao aumento de impostos exigido pelo desgoverno herdado de Sócrates, tem conduzido a uma estagnação salarial profunda, com excepção dos salários mais baixos, devido à subida do salário mínimo. A substituição de impostos directos por indirectos tem impedido de aumentar o poder de compra dos trabalhadores, que só parcialmente estão a ser iludidos por esta estratégia do executivo de tirar com uma mão o que dá com a outra.

Mas o que está a fazer a diferença é a redução da taxa de desemprego para níveis da chamada “taxa natural de desemprego” (estimada entre 6% e 7% em Portugal). Isto significa que as empresas estão com dificuldade crescente em conseguir mão-de-obra com as qualificações necessárias (não necessariamente elevadas, apenas adequadas).

O resultado prático é que os trabalhadores estão agora na mó de cima, com o máximo de poder negocial. É, assim, a coisa mais natural deste mundo que aproveitem isso e lutem pelos aumentos salariais que não conseguiram há, pelo menos, dez anos. Resta saber, sobretudo nos casos das empresas que concorrem nos mercados internacionais, se haverá margem para acolher estas reivindicações.

Em suma, por razões diferentes, quer no sector público quer no privado, é de esperar uma forte agitação laboral, pelo menos até às eleições legislativas.

Não devemos ficar surpreendidos pela emergência de novos sindicatos e novas formas de luta, face à falência de centrais sindicais, cuja agenda subjuga os interesses laborais aos partidários, servindo muito mal os seus associados.

Isso deverá levar a rever uma lei da greve, totalmente desactualizada das actuais condições do mercado de trabalho e a actual maioria de esquerda está numa posição privilegiada para o fazer.

A direita escusa de espernear, porque isto é um caso típico conhecido na ciência política como “Nixon vai à China”. Só um político conservador como Nixon, com as mais altas credenciais anti-comunistas, poderia estabelecer relações diplomáticas com a China, em 1972, sem suscitar críticas. Em Portugal, também só a esquerda está em condições de rever a lei da greve. Espera-se (sem grande esperança, diga-se) é que esta revisão tenha em atenção as preocupações das empresas e dos consumidores e não apenas as preocupações do actual governo com o sector público.

[Publicado na Capital Magazine]