Há dois erros em
curso: não ouvir a sociedade civil e basear a revisão num documento oficial com
demasiados erros
Em
Junho, devemos conhecer uma proposta de revisão dos benefícios fiscais.
Espera-se que o objectivo desta revisão não seja apenas a simplificação e a
redução da perda de receita a que estão associados.
Convinha que se tivesse presente os problemas mais graves da
economia portuguesa, que requerem solução:
1.
Aumentar o
crescimento económico. Se continuarmos a crescer três décimas acima da
média europeia, precisamos de 87 anos para atingir o nível médio de rendimento
europeu. Muito antes disse seríamos o país mais pobre da UE.
2. Aumentar a poupança, quer privada quer
pública.
3. Aumentar o investimento. Durante
demasiados anos foi inferior ao necessário para compensar o desgaste de
material.
4. Atrair muito mais Investimento Directo
Estrangeiro. Temos demasiada dívida externa, quase toda financeira, que é
extremamente vulnerável. Estes investidores pedem IRC mais baixo e estabilidade
fiscal.
Por tudo isto, era essencial que na revisão dos benefícios
fiscais o governo ouvisse a sociedade civil e os potenciais investidores
estrangeiros, em particular as principais câmaras de comércio.
Infelizmente, parece que o trabalho está a ser feito em
circuito fechado, com a agravante de o documento
de base ao “custo” dos benefícios fiscais, conhecido por despesa fiscal,
conter erros graves.
Diz este relatório: “Seguindo a prática generalizada entre
os Estados-Membros da OCDE, o método de quantificação e estimativa da despesa
fiscal adotado no presente relatório é o da receita cessante.” (p. 10). Este
método é dos mais simples, mas é preciso ter consciência das suas fortes
limitações, nomeadamente o não prever alteração nas acções dos agentes
económicos, com e sem benefício fiscal.
Despesa fiscal por imposto, 2017
Imposto
|
Milhões de euros
|
%
|
Total
|
12017,7
|
100,0%
|
IVA
|
7442,7
|
61,9%
|
Imposto de selo
|
1082,2
|
9,0%
|
IRS
|
972,2
|
8,1%
|
IRC
|
855,2
|
7,1%
|
IMI
|
442,9
|
3,7%
|
ISP
|
394,3
|
3,3%
|
Imposto sobre veículos
|
327,7
|
2,7%
|
Álcool
|
151,2
|
1,3%
|
Outros
|
349,3
|
2,9%
|
Fonte: Despesa fiscal, 2017, p. 4.
Começamos por ficar muito admirados com o montante da
despesa fiscal total, mais de 12 mil milhões de euros, 6,2% do PIB. Quer dizer
que se eliminássemos todos os benefícios fiscais passávamos a ter um superavit
orçamental de 6% do PIB? Claro que não, porque estes valores não são
minimamente confiáveis.
Comecemos pelo IVA, responsável por mais de 60% desta
“perda” de receita. Este valor absurdo é calculado presumindo que, se o IVA
fosse de 23% em todos os produtos, os consumidores comprariam exactamente a
mesma quantidade que consomem com as taxas de 6% e 13%. Onde é que as pessoas
iam inventar rendimento para pagar mais esta barbaridade de impostos? É
evidente que não iam, simplesmente seriam forçadas a reduzir drasticamente o
consumo.
Não vou falar sobre os outros impostos, até porque a
informação fornecida é mínima, pouco permitindo perceber como se chega a estes
valores, que não fazem qualquer sentido. Só um outro alerta: alguém acredita
que se pagássemos muito mais impostos passaríamos a ter um PIB 6% superior ao
actual?
Vou só dar um exemplo extremo, que não estou seguro que se
aplique à zona franca da Madeira. Imaginem que, para atrair investimento
directo estrangeiro, é necessário criar um benefício fiscal igual ao vigente em
Espanha, sob pena de ser impossível atrair um único euro de investimento. À
conta deste benefício, entram centenas de milhões de investimento, que a
administração fiscal, com aquele método estima que represente dezenas de
milhões de despesa fiscal a par de outras dezenas de receita fiscal. Alguém
poderá ser tentado a acabar com este benefício fiscal, porque “custa” muito
dinheiro, o que não é verdade, porque este benefício gera nova receita fiscal
que, sem ele, pura e simplesmente não existiria.
Ou seja, estamos não só em presença de uma sobre-estimação
absurda da despesa fiscal, como podemos estar em risco de acabar com benefícios
fiscais cujo impacto final será uma perda de receita fiscal, o oposto do que se
pretende.
Sem ouvir a sociedade civil e partindo de um documento com
tantos erros, a probabilidade de tal acontecer é muito elevada.
[Publicado no jornal online ECO]
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