quinta-feira, 9 de maio de 2019

Conjuntura de greves

Há muitas razões para virmos a ter mais greves, mas uma delas tem sido esquecida: a descida da taxa de desemprego.

Há várias razões para esperar um aumento da contestação laboral e do seu caso limite, as greves.

Desde logo é importante distinguir entre o sector público e o sector privado. No público, o problema principal reside no flagrante contraste entre o discurso do fim da austeridade e a realidade da sua continuação no terreno, sob a nova designação de “cativações”. Tivemos mesmo este caso flagrante da manutenção da austeridade nos salários dos professores, que a direita, em vez de sublinhar e usar isso como prova de que a austeridade foi sempre necessária e nunca um capricho, desastrosamente tentou anular. Pode dar agora todas as explicações, mas falhou politicamente em toda a linha.

A isto acrescentam-se dois factores. O primeiro é que, contra tudo o que é recomendado, este governo distribuiu as benesses no início do mandato e agora já não tem (quase) nada para oferecer. Em segundo lugar, a economia europeia e portuguesa deverão ter, em 2019, o pior crescimento dos últimos quatro anos, pelo que a margem orçamental é agora mínima.

No sector privado, as razões são diferentes. Em primeiro lugar, a estagnação da produtividade nos últimos anos, a somar ao aumento de impostos exigido pelo desgoverno herdado de Sócrates, tem conduzido a uma estagnação salarial profunda, com excepção dos salários mais baixos, devido à subida do salário mínimo. A substituição de impostos directos por indirectos tem impedido de aumentar o poder de compra dos trabalhadores, que só parcialmente estão a ser iludidos por esta estratégia do executivo de tirar com uma mão o que dá com a outra.

Mas o que está a fazer a diferença é a redução da taxa de desemprego para níveis da chamada “taxa natural de desemprego” (estimada entre 6% e 7% em Portugal). Isto significa que as empresas estão com dificuldade crescente em conseguir mão-de-obra com as qualificações necessárias (não necessariamente elevadas, apenas adequadas).

O resultado prático é que os trabalhadores estão agora na mó de cima, com o máximo de poder negocial. É, assim, a coisa mais natural deste mundo que aproveitem isso e lutem pelos aumentos salariais que não conseguiram há, pelo menos, dez anos. Resta saber, sobretudo nos casos das empresas que concorrem nos mercados internacionais, se haverá margem para acolher estas reivindicações.

Em suma, por razões diferentes, quer no sector público quer no privado, é de esperar uma forte agitação laboral, pelo menos até às eleições legislativas.

Não devemos ficar surpreendidos pela emergência de novos sindicatos e novas formas de luta, face à falência de centrais sindicais, cuja agenda subjuga os interesses laborais aos partidários, servindo muito mal os seus associados.

Isso deverá levar a rever uma lei da greve, totalmente desactualizada das actuais condições do mercado de trabalho e a actual maioria de esquerda está numa posição privilegiada para o fazer.

A direita escusa de espernear, porque isto é um caso típico conhecido na ciência política como “Nixon vai à China”. Só um político conservador como Nixon, com as mais altas credenciais anti-comunistas, poderia estabelecer relações diplomáticas com a China, em 1972, sem suscitar críticas. Em Portugal, também só a esquerda está em condições de rever a lei da greve. Espera-se (sem grande esperança, diga-se) é que esta revisão tenha em atenção as preocupações das empresas e dos consumidores e não apenas as preocupações do actual governo com o sector público.

[Publicado na Capital Magazine]

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