quarta-feira, 17 de maio de 2017

Vamos elevar a política?

Quando se discutia o alargamento da rede de Metro de Lisboa em mais duas ou três estações, Assunção Cristas veio propor mais vinte estações, sem apresentar um calendário, um orçamento, uma avaliação de custo-benefício.

Conseguem imaginar alguma empresa em que, em resposta a um desafio da concorrência, o seu chefe vem propor um plano de investimento que é dez vezes superior ao que está em vigor e não tem nenhum estudo de mercado nem plano de financiamento definido? Conseguem imaginar um presidente da Gulbenkian decidir que se vai passar a gastar 300% dos rendimentos da fundação? Estão a ver o provedor da Santa Casa da Misericórdia afirmar que vai passar a gastar mais dez vezes do que até aqui?

Não estou a afirmar que as instituições portuguesas sejam um primor de profissionalismo, que não são, mas o grau de escandaloso amadorismo que é comum na política portuguesa está muito para lá do que é admissível. Pior do que isso, tenho a certeza que Assunção Cristas (que é um pretexto para falar sobre isto) não se atreveria a comportar-se desta forma num contexto profissional fora da política. Ou seja, parece que na política o nível de exigência baixa imenso, incluindo o de auto-exigência.

Em certo sentido, o problema nem estaria em sermos governados pelos piores, mas pela pior versão de alguns.

Estamos certamente num ciclo vicioso de a política ter atraído os piores, que dão mau nome à política, que afasta os melhores, também receosos de um escrutínio mais intriguista do que sobre o essencial. Em Portugal, parece que chegámos ao pior de dois mundos: a pequena estória de alcoviteira recebe uma atenção desmesurada enquanto graves conflitos de interesse e suspeitas claríssimas são inexplicavelmente silenciados.

Mas imaginemos que conseguíamos quebrar este ciclo vicioso e conseguíamos trazer para a política novos (não necessariamente em idade) talentos. Onde estão eles? Poderão ser pessoas que nunca se expuseram publicamente, por exemplo num artigo de jornal? Relembro que vários jornais acolhem com alguma facilidade artigos de opinião isolados, desde que a sua qualidade o justifique.

Se alargarmos este universo ao mundo dos principais blogues e a comentadores televisivos (onde há uma excessiva repetição dos actuais e ex-políticos) conseguimos um grupo um pouco mais extenso, mas não especialmente numeroso nem qualificado.

Parece que a sociedade civil com conhecimento e capacidade para rejuvenescer a política em Portugal está demasiado demitida de sequer o tentar fazer. Mas esta participação cívica é essencial, quanto mais não seja para aumentar o grau de exigência sobre os nossos políticos e apelo aqui para que se manifestem mais da forma que considerem mais relevante.

Também apelo aos jornalistas para darem mais eco a estes mesmos textos. Ainda recentemente li um texto no Diário de Notícias de PauloFerrero, fundador e activista do movimento Fórum Cidadania Lisboa, queixando-se do excesso de abate de árvores em Lisboa (peço desculpa por ser mais um exemplo lisboeta), em que existe um claro conflito de interesse por as empresas que recomendam o abate de árvores serem as mesmas que o fazem. É evidente que há, no mínimo, suspeitas de corrupção, com claro prejuízo para a cidade, mas não houve um único jornal que pegasse no tema, quanto mais não fosse com uma entrevista ao autor do artigo. A comunicação social também precisa de elevar o escrutínio sobre a política, para contrariar o tal círculo vicioso de que falei. Se colectivamente não fizermos nada, não será com esta permissibilidade e com os actuais políticos que nos vamos safar.

[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 9 de maio de 2017

Os trabalhos de Macron ainda mal começaram

Será difícil que Macron consiga fazer aprovar as reformas de que França precisa e isso poderá aumentar a popularidade dos partidos dos extremos, com graves consequências para a sobrevivência da UE.

Macron conseguiu melhorar a sua posição nos últimos dias de campanha, tendo obtido um resultado um pouco melhor do que as sondagens indicavam, muito longe da sua adversária. Os mercados financeiros rejubilaram com esta vitória, mas parece cedo para respirar de alívio perante os riscos que Marine Le Pen encerra, sobretudo no seu discurso anti-euro.

Ainda faltam as eleições legislativas, a 11 e 18 de Junho, com um sistema eleitoral peculiar. Na segunda ronda, entram os dois candidatos mais votados, mas também aqueles que obtenham 12,5% do número de eleitores registados, o que por vezes dá lugar a disputas com três candidatos, não sendo necessário alcançar a maioria absoluta para ganhar.

Estas legislativas estão rodeadas de um nível invulgar de incerteza. Em primeiro lugar, o presidente eleito não pertence a nenhum partido e não tem máquina por trás, pelo que ficará muito dependente de negociar apoios à sua volta.

Em segundo lugar, o sistema eleitoral vinha impedindo a Frente Nacional de eleger deputados (apenas dois em 2012), mas com a sua forte progressão nas presidenciais, deve aumentar em muito a sua representação (junto com os seus aliados), para algumas dezenas de deputados.

Mélenchon, líder da França Insubmissa, também com um discurso anti-euro e um bom quarto lugar na eleição presidencial também poderá conquistar algumas dezenas de lugares, suplantando os 15 deputados da actual Frente de Esquerda, onde estava integrado.

Apesar de um sistema eleitoral que tende a promover um certo bipartidarismo, nestas eleições o centro deverá sofrer um rombo apreciável.

O que poderá Macron sem forças próprias fazer com um parlamento tão atípico? Dificilmente poderá ir muito longe nas reformas que pretende e que até são razoavelmente em linha do que França precisa para sair do seu esclerosamento. A Alemanha fez um conjunto significativo de reformas ao entrar no euro (que custaram a eleição a Gerhard Schröder), para se adaptar à moeda única e à globalização. A França não o fez (e Portugal também não) e agora acresce a este o desafio da economia digital, que se arrisca a ser ainda mais difícil do que os anteriores.

O que está em causa é muito grave. Se a França não se reformar, os votos de protesto irão aumentar e os partidos de ambos os extremos poderão ganhar peso e aumentar a sua influência disruptiva. Sem crescimento mais robusto será muito difícil acalmar os perdedores das mudanças e é preciso ter consciência que as classes mais baixas, as em maior risco, votaram nos extremos.

Há também a questão da ordem. Ainda recentemente, li uma carta pública de um polícia francês criticando o discurso anti-autoridade dos “intelectuais” que fizeram com que não fosse invulgar haver distúrbios em que carros da polícia são incendiados – com polícias lá dentro!

O problema principal é que estes partidos dos extremos não têm verdadeiras soluções para apresentar e poderão destruir a UE, com consequências muito sérias para todos, em especial para os países com economias mais frágeis como Portugal.


[Publicado no jornal online ECO]

terça-feira, 2 de maio de 2017

Querem provocar os especuladores contra Portugal?

Reduzir a almofada financeira do Estado e diminuir os prazos da nossa dívida é colocarmo-nos a jeito para sofrermos um ataque especulativo na primeira oportunidade.

O primeiro – grave – problema do relatório de “Sustentabilidade das Dívidas Externa e Pública” é a falta de consciência de que a melhor forma de reduzir as dívidas (em percentagem do PIB) é interromper a estagnação dos últimos 16 anos e voltar a crescer de forma robusta. Para conseguir isso, é necessário aprovar novas reformas estruturais, aprofundando o trabalho feito por pressão da troika. Como é possível ignorar este elefante no meio da sala?

Como expliquei com mais detalhe aqui, há aqui uma confusão entre o objectivo “reduzir os encargos com a dívida” e o instrumento “reestruturar a dívida”, que é apenas o instrumento pior, sendo preferível voltar a crescer, de que dependem muito mais factores, entre os quais a sustentabilidade do Estado social, que deveriam ser bem caros ao PS e BE, que produziram este relatório. 

Dado que o Joaquim Miranda Sarmento e o Ricardo Santos já escreveram excelentes e detalhadas análises sobre este relatório, vou ser muito breve na minha apreciação.

Duas das propostas são puro disparate: baixar o prazo médio da dívida e diminuir a almofada de segurança. Em primeiro lugar, isto é uma panaceia de curto prazo, sem qualquer efeito estrutural sobre a dívida. Em segundo lugar, este é o pior momento para fazer isto: os investidores estrangeiros estão a fugir da nossa dívida, o BCE estará a poucos meses de deixar de comprar dívida portuguesa e as taxas de juro de curto prazo deverão começar a subir. Ainda não se sabe o efeito de deixarmos de ter o apoio do BCE, mas é evidente que vamos passar a estar numa posição mais frágil. O que é evidente é que esta é a pior altura para baixarmos a margem de segurança e pode-se estar a criar uma oportunidade para os especuladores atacarem a dívida portuguesa.

Em relação à apropriação de mais dividendos do Banco de Portugal, isso pode colocar em causa da independência deste banco, mas esperemos sobre a apreciação que o BCE sobre isso fará.

Quanto a tornar dívida ao Banco de Portugal perpétua, isso viola o artigo 123º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE, pelo que é para esquecer.

Finalmente, coloca-se a hipótese de renegociar a dívida com as instituições europeias, baixando a taxa de juro e aumentando o prazo em mais 45 anos. Em primeiro lugar, as instituições europeias já vieram dizer que isso não é possível. Em segundo lugar, mesmo admitindo que se conseguiria obter esta transferência de recursos, não é explicitada nenhuma moeda de troca nestas negociações.

O mais irónico disto tudo, é que essa contrapartida nacional seria, quase de certeza, algo de muito semelhante com um programa vasto e profundo de reformas estruturais que nos permitisse voltar a crescer de forma sustentável e que diminuísse de forma clara o nosso risco de endividamento. Ou seja, um programa muito na linha do que comecei por referir, que Portugal deveria adoptar desde já, por sua própria iniciativa e não por pressão negocial com os nossos parceiros europeus.

[Publicado no jornal online ECO]