Reduzir a almofada
financeira do Estado e diminuir os prazos da nossa dívida é colocarmo-nos a
jeito para sofrermos um ataque especulativo na primeira oportunidade.
O primeiro – grave – problema do relatório de
“Sustentabilidade das Dívidas Externa e Pública” é a falta de consciência de
que a melhor forma de reduzir as dívidas (em percentagem do PIB) é interromper
a estagnação dos últimos 16 anos e voltar a crescer de forma robusta. Para
conseguir isso, é necessário aprovar novas reformas estruturais, aprofundando o
trabalho feito por pressão da troika.
Como é possível ignorar este elefante no meio da sala?
Como expliquei com mais detalhe aqui, há aqui uma confusão entre o objectivo “reduzir os encargos com a dívida” e
o instrumento “reestruturar a dívida”, que é apenas o instrumento pior, sendo
preferível voltar a crescer, de que dependem muito mais factores, entre os
quais a sustentabilidade do Estado social, que deveriam ser bem caros ao PS e
BE, que produziram este relatório.
Dado que o Joaquim Miranda Sarmento e o Ricardo Santos já escreveram excelentes e detalhadas análises sobre este relatório, vou ser
muito breve na minha apreciação.
Duas das propostas são puro disparate: baixar o prazo médio
da dívida e diminuir a almofada de segurança. Em primeiro lugar, isto é uma
panaceia de curto prazo, sem qualquer efeito estrutural sobre a dívida. Em
segundo lugar, este é o pior momento para fazer isto: os investidores
estrangeiros estão a fugir da nossa dívida, o BCE estará a poucos meses de
deixar de comprar dívida portuguesa e as taxas de juro de curto prazo deverão
começar a subir. Ainda não se sabe o efeito de deixarmos de ter o apoio do BCE,
mas é evidente que vamos passar a estar numa posição mais frágil. O que é
evidente é que esta é a pior altura para baixarmos a margem de segurança e
pode-se estar a criar uma oportunidade para os especuladores atacarem a dívida
portuguesa.
Em relação à apropriação de mais dividendos do Banco de
Portugal, isso pode colocar em causa da independência deste banco, mas
esperemos sobre a apreciação que o BCE sobre isso fará.
Quanto a tornar dívida ao Banco de Portugal perpétua, isso
viola o artigo 123º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE, pelo que é para
esquecer.
Finalmente, coloca-se a hipótese de renegociar a dívida com
as instituições europeias, baixando a taxa de juro e aumentando o prazo em mais
45 anos. Em primeiro lugar, as instituições europeias já vieram dizer que isso
não é possível. Em segundo lugar, mesmo admitindo que se conseguiria obter esta
transferência de recursos, não é explicitada nenhuma moeda de troca nestas
negociações.
O mais irónico disto tudo, é que essa contrapartida nacional
seria, quase de certeza, algo de muito semelhante com um programa vasto e
profundo de reformas estruturais que nos permitisse voltar a crescer de forma
sustentável e que diminuísse de forma clara o nosso risco de endividamento. Ou
seja, um programa muito na linha do que comecei por referir, que Portugal
deveria adoptar desde já, por sua própria iniciativa e não por pressão negocial
com os nossos parceiros europeus.
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