sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Subinvestimento público

Nem com receitas fiscais excedentárias o governo respeita o investimento público orçamentado, em particular no SNS, bloqueando a convergência com a UE.

 

Entre 2000 e 2010, o investimento público representou 4,2% do PIB. Durante os anos de austeridade, provocadas pelos excessos anteriores, houve naturalmente uma quebra nestes indicadores e o investimento público baixou para 2,5% do PIB.

 

Desde então, surpresa das surpresas, o investimento público degradou-se, tendo diminuído para 2,1% do PIB. A partir de 2015 e do anunciado “fim da austeridade”, o corte no investimento público foi um dos instrumentos utilizados para controlar as contas públicas. Trata-se, obviamente, de uma das piores escolhas porque, a prazo, se traduz numa degradação da capacidade de lidar com as mais prementes questões sociais e económicas, e qualquer cidadão tem tido a oportunidade de sentir na pele esta degradação do investimento público.

 

O mais extraordinário é que, mais recentemente com a inflação elevada e concomitante aumento excepcional das receitas públicas, este caminho continuou a ser trilhado. Em 2022, as receitas fiscais e contributivas excederam em 3114 milhões de euros o orçamentado, mas o investimento público ficou 1022 milhões abaixo do projectado.

 

Mais inacreditável ainda, o investimento no SNS era suposto subir 172% e caiu 18%(!). Após o período excepcional da pandemia, em que muitas terapias foram sacrificadas, quando se acumularam inúmeras situações de atrasos ainda maiores do que aqueles que já são intoleravelmente longos, como é possível não ter cumprido o que estava previsto na saúde? É frequente haver a desculpa de falta de dinheiro, mas se houve ano em que esse “argumento” não poderia ser usado foi em 2022.

 

O mais extraordinário é tudo isto se passar com um governo que enche a boca com a defesa do SNS e nem sequer cumpre o orçamento que não teve que negociar com nenhum partido. Também é incompreensível os partidos da oposição ficarem silenciosos perante este escândalo e a comunicação pouca atenção lhe prestar.

 

Em 2023, o padrão repete-se: até Julho, o investimento público continua misteriosamente esquecido. O investimento no SNS ainda só foi executado em 16,7% do total do ano e o governo nem se dá ao trabalho de um simulacro de desculpa para este absurdo.

 

Finalmente, refira-se ainda que apenas falámos sobre a quantidade de investimento público, sem avaliar a sua qualidade e relevância para melhorar o nível de vida no país. Como é evidente, tudo isto é – mais um – travão para a convergência com a UE.

 

[Publicado no Jornal Económico]

sexta-feira, 11 de março de 2022

Consequências económicas da guerra

As consequências principais da guerra deverão ser a subida da inflação e uma desaceleração do PIB, que, por enquanto, parece que será limitada, não obstante a elevada incerteza.

 

A invasão da Ucrânia pela Rússia veio gerar uma enorme perturbação mundial, a todos os níveis, e iremos tentar resumir as suas consequências económicas, com consciência das elevadíssimas limitações deste exercício.

 

Antes de mais temos as incertezas militares, a que se somam as respostas, sob a forma de sanções. Em seguida, haverá respostas económicas das autoridades para os próprios países e regiões, com destaque para os bancos centrais e talvez também orçamentais. Finalmente, teremos o resultado deste conjunto de efeitos sobre as variáveis económicas, concentrando a nossa atenção sobre a inflação e o PIB.

 

Sobre as incertezas militares, temos sobretudo perguntas: qual será a duração do conflito? até onde se expandirá, em termos geográficos?

 

As principais sanções decididas até ao momento terão sido financeiras, com limitações sobre alguns bancos russos, incluindo exclusão do SWIFT (sistema de pagamentos internacionais), e sobre o próprio Banco Central da Rússia, impedindo-o de usar as suas reservas internacionais.

 

É dos bancos centrais ocidentais que poderá vir a principal resposta, embora estes estejam numa posição especialmente delicada, já que os efeitos iniciais serão de subida de preços e de abrandamento da actividade. O primeiro efeito pediria um aumento das taxas de juro, enquanto o segundo requereria a decisão oposta. As reuniões de Março da Reserva Federal e do BCE deverão lançar luz sobre este dilema, havendo alguma expectativa de que prevaleça o impacto sobre o PIB, conduzindo a um adiamento do calendário de subida de taxas de juro.

 

Em termos orçamentais, não há, para já, indicações claras, excepto no caso da Alemanha, que se comprometeu a subir as despesas militares, mas poderão ocorrer se a situação se agravar.

 

O impacto sobre os preços é o mais óbvio, dada a importância da Rússia nos mercados energéticos mundiais, mas também nos mercados agrícolas, em que a Ucrânia também desempenha um papel de relevo.

 

O impacto negativo sobre o PIB decorre de várias vias: pela subida dos preços, pelas sanções e pela incerteza. A subida de preços dos combustíveis prejudica os consumidores e aumenta os custos das empresas. As sanções deverão prejudicar os países com laços comerciais mais fortes com a Rússia, com destaque para a Alemanha, que deverão afectar indirectamente os restantes, em particular Portugal. Já a incerteza afecta as decisões de consumo e investimento, conduzindo ao adiamento de algumas delas. As primeiras estimativas apontam para um impacto limitado sobre o PIB, sugerindo que a retoma da pandemia deverá continuar, embora a um ritmo mais moderado do que anteriormente se previa.

 

Nas reuniões de Março do BCE e da Reserva Federal dos EUA deverão ser divulgadas novas previsões macroeconómicas, que deverão balizar o novo cenário económico, permitindo ter uma visão mais clara, ainda que provisória, do que nos espera. 

 

[Publicado no Jornal Económico]

quarta-feira, 9 de março de 2022

DESCER OS IMPOSTOS SOBRE OS COMBUSTÍVEIS

Após muita teimosia, o governo lá percebeu que era economicamente absurdo e imoral assistir impávido ao aumento do valor dos impostos sobre cada litro de combustíveis, à medida que o preço no consumidor ia subindo.

No entanto, ainda falta perceber a que nível é que o executivo se compromete a manter a neutralidade fiscal, porque se teme que seja demasiado elevado. Recorde-se que, de acordo com a DGEG, em 2021, o preço médio da gasolina 95 foi de 1,62 euros/litro e o do gasóleo foi de 1,42euros/litro. Qualquer referencial acima destes patamares será abusivo. 

Mas o governo deveria ir mais longe nesta descida de impostos, para contrariar o efeito de abrandamento da economia, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma das três funções económicas do Estado é a estabilização da economia (as outras duas são: a redistribuição do rendimento e a regulação dos mercados), que consiste em contrariar as flutuações naturais da economia, refreando-a nos momentos de excessos e apoiando-a nas fases de debilidade.

Assim, deveria haver uma intervenção para contrariar o abrandamento económico, até porque a subida dos preços dos combustíveis é um dos canais principais que está a provocar aquele efeito. Acrescente-se que o outro canal é a desaceleração das economias que são destino das nossas exportações.

Partidos políticos da oposição, por favor, manifestem-se.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Basear a retoma nas exportações

Dado o atraso da recuperação portuguesa, as exportações podem ajudar a trazer para o nosso país a retoma dos nossos principais parceiros, ainda que esta se atrase com a guerra.

 

De acordo com as mais recentes previsões da Comissão Europeia, de Fevereiro, Portugal deveria ter a terceira mais fraca recuperação acumulada da UE, entre 2019 e 2023, apenas à frente de Itália e Espanha. Como é evidente, estas previsões ficaram desactualizados com o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, mas é provável que a nossa fraca posição relativa se mantenha.

 

Para além de aproveitar o crescimento dos nossos parceiros, há outras importantes razões para valorizar as exportações, retomando, desde logo, a ambição de fazer subir o seu peso no PIB, adiado pela pandemia. A primeira questão é que a subida do preço dos produtos energéticos e das matérias primas em geral se traduz numa deterioração dos termos de troca e consequente diminuição do saldo externo, criando a necessidade de compensar isso com um reforço das exportações.

 

A segunda questão, de médio prazo, é que os saldos externos relativamente equilibrados dos últimos anos estão associados a níveis muito deprimidos de investimento, que são incompatíveis com a convergência com a UE. Ou seja, se aumentássemos o investimento para níveis mais saudáveis iríamos – fatalmente – cair em significativos défices externos. Ora, é justamente para criar margem para uma acumulação de capital que nos permita aproximar dos níveis de prosperidade europeus que reside um argumento adicional e importante de estimular o sector exportador.

 

Então, o que podemos fazer para estimular as exportações? Dou apenas uma pista: tornar o IDE mais atraente. O IDE é uma forma de expandir a produção de bens e serviços transaccionáveis, até porque o mercado nacional é demasiado pequeno. Para o alcançar, o caminho é reduzir os obstáculos de que os investidores se queixam: alto IRC, burocracia e licenciamentos lentos, etc.

 

Finalmente, um dos impactos previsíveis desta guerra é que a UE se empenhe em aumentar a sua auto-suficiência energética, para além de aumentar a diversificação de fontes de energia bem como a sua origem geográfica, para reduzir a dependência da Rússia. Portugal tem condições de beneficiar desta evolução, quer na produção de energia de base renovável para exportação, quer como porta de entrada de gás liquefeito por Sines.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Inventar desculpas para os maus resultados

Não é aceitável inventar desculpas para os problemas, em vez de propor soluções.

 

A economia portuguesa está estagnada há mais de duas décadas, mas a tomada de consciência deste problema tardou imenso, continuando a haver largos segmentos da população e do espectro político para quem isto não é – ainda – suficientemente claro.

 

Há quem imagine que a questão já está resolvida e, quanto a isso, saliento apenas dois factos recentes. Em primeiro lugar, as novas previsões da Comissão Europeia, divulgadas este mês, indicam que, entre os 27 países da UE, Portugal terá o terceiro pior crescimento acumulado entre 2019 e 2023, apenas ligeiramente menos mau do que o de Espanha e Itália.

 

Já esta semana, o instituto europeu Brueghel divulgou um estudo em que estima que Portugal possa vir a receber mais 11% de fundos para o PRR, pelas piores razões: por ser dos países com uma das maiores perdas acumuladas de PIB em 2020 e 2021. Não imagino como é que a propaganda irá disfarçar isto, porque é totalmente falso que seja qualquer tipo de prémio. Trata-se apenas de um apoio adicional, para auxiliar a recuperação da economia.

 

Se temos um grave – e antigo – problema de crescimento, é fácil deduzir que o PRR deveria ter como foco principal ajudar a solucioná-lo, mas não é nada disso que se passa. A versão portuguesa deste programa europeu não passa dum amontoado de programazitos sem qualquer visão estratégica. Nem sequer nas componentes digital e de alterações climáticas há uma visão integrada e de longo prazo.

 

Infelizmente, uma das estratégias para (não) encarar a nossa estagnação tem sido a sua negação. Em versão ainda pior, há quem se dedique a coleccionar desculpas para os nossos maus resultados. Como se, quando há problemas, o que se exigisse fosse encontrar umas justificações, como se isso nos dispensasse de os resolver.

 

Ficou em último lugar na corrida? É verdade, mas isso foi porque só treinou meia hora por dia; porque tinha trocado os ténis de corrida por umas sandálias de praia; porque se tinha esquecido de levar água; porque não ouviu o tiro de partida; etc., etc. Por isso, é muito natural ter ficado em último e não há nada a criticar porque temos aqui uma lista muito completa das razões desta classificação.

 

Um dos argumentos mais inaceitáveis para sermos ultrapassados pelos países de Leste é que eles tinham um sistema de ensino melhor do que o nosso no tempo do comunismo. A queda do muro de Berlim foi há 32 anos (!) e ainda continuamos a usar isso como desculpa? Mas isso não era mais do que sabido? Não percebemos que passaríamos a ter uma concorrência muito mais difícil? O que fizemos ao nosso sistema de ensino e de formação profissional?

 

É altamente escandaloso que o IEFP continue a ser um sorvedouro de milhões, de “formação” cujo único propósito é retirar desempregados das estatísticas. O PRR apenas dedica 8% à formação e, mesmo assim, mais de metade, para gastar em instalações. Queremos mesmo continuar a ter apenas desculpas para os resultados dos erros inacreditáveis que – ainda hoje – repetimos sem cessar?

 

[Publicado no Jornal Económico]

Pesos e contrapesos, precisam-se

A debilidade dos pesos e contrapesos na democracia portuguesa não se encontra apenas na lei, mas também na prática, com recorrentes incumprimentos impunes.

 

A ideia da necessidade de pesos e contrapesos (“checks and balances”) para o sucesso de uma democracia tem, pelo menos, 200 anos, e seria de esperar que, por isso, fosse relativamente óbvia e generalizada. Infelizmente, Portugal tem um sistema de pesos e contrapesos extremamente frágil e insuficiente e essa insuficiência torna-se mais patente e grave nos casos de maioria absoluta, como a que agora se inicia.

 

Há deficiências legais graves, em que um dos exemplos é o poder que maioria tem de bloquear a audição parlamentar de quem a oposição considere relevante, o que é um obstáculo inadmissível à fiscalização que a Assembleia da República deveria exercer sobre o governo.

 

Mais grave que as restrições legais é a prática. Nos casos de perguntas ao governo ou requerimentos, apresentados pelo parlamento, o executivo tem a obrigação legal de responder em 30 dias. O primeiro-ministro cessante especializou-se em não dar qualquer satisfação à casa da democracia, apesar de insistências recorrentes de alguns grupos parlamentares. Este desrespeito alastra-se, aliás, à própria provedora de Justiça, cujos pedidos são olimpicamente ignorados. Este incumprimento não tem qualquer sanção legal nem sequer política.

 

Em relação a este último ponto, julgo que a oposição deveria ser muito menos permissiva e criar “casos” políticos em relação à falta de resposta a requerimentos especialmente importantes. Sem querer entrar em grandes detalhes, a oposição deveria exigir que o presidente da Assembleia da República admoestasse o chefe do governo por essa especial falta de respeito pelo parlamento. Por isso, também, a oposição deve ser muito exigente em relação ao próximo presidente, não podendo tolerar a repetição do que se passou na última legislatura. Essa função exige imparcialidade e uma clara valorização do papel fiscalizador do parlamento, em especial num contexto de maioria absoluta.

 

Outra das questões mais graves é a instrumentalização da administração pública pelos governos, com a escandalosa profusão de “jobs for the boys”, um conjunto de incompetentes totalmente servis ao poder político. Se esta situação é já hoje muito séria, o risco de se agravar aumenta exponencialmente com uma maioria absoluta.

 

Este é um tema que exige uma resposta completa, que não cabe aqui detalhar, mas o mínimo que se exige é que a AR passe a perscrutar, com muito maior exigência, as nomeações que aí vêm.

 

Se o parlamento tem estado, na prática, muito limitado na sua função de contrapeso, a comunicação social também tem apresentado sérias deficiências, ampliadas pela fragilidade financeira das últimas décadas. Dada a dimensão desta questão, apenas me atrevo a fazer uma proposta lateral: criem sistemas, em que garantem o anonimato, de forma ainda mais vincada do que o habitual, de denúncias das nomeações mais escandalosas de “boys” na administração pública.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Habitação, um problema que não deveríamos ter

Temos espaços vazios nas cidades, capacidade de construção e meios de financiamento suficientes, pelo que não deveríamos ter o grave problema de habitação que temos.

 

Analisando os dados recém publicados do Censos 2021, constata-se que: 1. entre 2001 e 2011, o número de alojamentos subiu 16%, tendo desacelerado brutalmente na década seguinte, para apenas 1,7%. 2. Na Área Metropolitana de Lisboa, o crescimento foi ainda pior, de apenas de 0,8% na década, o que dá um ritmo anual ridículo de apenas 0,08%. Em termos absolutos, os valores são ainda mais risíveis: apenas cerca de 1120 novos alojamentos por ano, numa área com 2,87 milhões de habitantes. 3. No município de Lisboa, o número de alojamentos diminuiu (!) 2,0%, em cerca de 6,6 milhares.

 

O problema da habitação é gravíssimo porque: 1. Há uma escassez brutal, sendo dificílimo encontrar fogos disponíveis. 2. As rendas estão completamente desfasadas dos rendimentos dos portugueses. 3. Afecta o bem-estar da população, em especial dos mais jovens. 3. É um dos maiores obstáculos à natalidade, outro dos mais graves problemas nacionais. 4. Agrava a pressão para a emigração já existente. 5. É um travão à imigração, em particular dos nómadas digitais.

 

A solução da habitação passa necessariamente pela construção maciça de novas habitações e pela re-habilitação.

 

O que mais choca é que parece que temos todos os instrumentos disponíveis para resolver este problema, apenas faltando vontade política para os resolver. Há muitos espaços livres nas cidades, em particular em Lisboa (vejam-se os “baldios” que ainda hoje há na zona oriental), onde construir a habitação que falta, ao contrário de muitas outras cidades europeias.

 

Por outro lado, a nossa indústria de construção tem a capacidade técnica para construir toda a habitação que falta, ainda que possa ter que passar por alguma fase de adaptação, nomeadamente angariando mão-de-obra no exterior.

 

Finalmente, há amplas condições de financiamento desta expansão do parque habitacional. Os bancos têm excesso de liquidez e estão disponíveis para emprestar às famílias para a compra de casa própria, que é o tipo de crédito com a menor taxa de incumprimento. Há também montantes elevadíssimos de depósitos a prazo a receber juros quase nulos, cujos depositantes estariam muito interessados em aplicar em imobiliário, desde que as condições fossem minimamente razoáveis, nomeadamente o fim rápido de contratos de arrendamento não cumpridos.

 

Seria importante, por exemplo, que o município de Lisboa assumisse o compromisso de aumentar o número de alojamentos disponíveis na cidade em 10 mil unidades por ano, entre 2022 e 2026, para minorar a grave carência habitacional.

 

A habitação é mesmo um problema que não deveríamos ter, porque temos todas as condições para o solucionar: espaço, capacidade de construção e financiamento.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Mudança de título do blog

 Decidi mudar o título deste blog, para "Minerva", a deusa romana das artes, do comércio e da sabedoria, que é mais respeitável do que o anterior. 

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Subida dos preços da energia

 

Para já, parece que esta subida de preços é temporária, mas será necessário tomar medidas estruturais para que não se repita, pelo menos com a intensidade actual.

 

A recente subida dos preços da energia coloca, pelo menos, seis questões: 1) porque é que os preços do gás natural subiram? 2) porque é que os preços da electricidade subiram? 3) qual a posição relativa de Portugal? 4) esta subida é temporária? 5) quais as consequências desta subida? 6) quais as respostas políticas recomendadas? Como é evidente, neste espaço, as respostas terão que ser quase telegráficas.

 

1. Os preços da energia subiram por uma conjunção muito significativa de factores adversos, de acordo com a Agência Internacional de Energia: a recuperação forte da economia europeia depois de um Inverno longo e frio, que reduziu as reservas de gás natural; restrições na oferta desta matéria-prima, com interrupções não planeadas e operações prolongadas de manutenção; eventos climáticos desfavoráveis à produção de fonte renovável.

 

2. Estima-se que, da excepcional subida dos preços electricidade, 90% será explicada pela subida do preço do gás natural, a componente crítica na produção daquele factor de produção, e 10% será devida à subida do preço das licenças de CO2, que também foram influenciadas pela escassez de gás, que forçou à sua substituição por carvão.

 

3. Não há grandes diferenças entre o preço que Portugal paga pelo gás natural e o que se verifica no resto da Europa. Em relação à electricidade, em Setembro, o preço era o 2º mais elevado da Europa continental, cerca de 15% acima da média, devido a problemas excepcionais na produção de renováveis.

 

4. Os mercados de futuros de gás natural, onde se definem os preços previstos para os próximos meses, indicam que deverá haver uma substancial redução de preços no início de 2022, mais nítido a partir do 2º trimestre, correspondendo a uma quase normalização. Ou seja, com a informação actualmente disponível, espera-se que estes aumentos sejam temporários, durando menos de seis meses. Mas é preciso salientar que podemos voltar a ter um Inverno severo; as interrupções na produção de gás natural podem regressar; a “arma” da energia poderá ser usada com intuitos geopolíticos; etc.

 

5. A subida dos preços da energia ocorreu cerca de um ano depois da pandemia, tendo sido recebido por um tecido económico já fragilizado. As empresas mais dependentes de energia foram as mais afectadas, havendo riscos de consolidação nos sectores com excesso de capacidade, deixando como vítimas as que estavam em posição mais vulnerável. Em geral, deverá haver uma aceleração da inflação, mas, por se esperar que o fenómeno seja temporário, não deverá ter um impacto directo na política monetária.

 

6. Em relação às medidas conjunturais, deve-se ajudar as empresas a enfrentar este desafio, sobretudo por ocorrer após as dificuldades muito atípicas do COVID. Há queixas fundamentadas de que o governo português apoiou relativamente menos as empresas nacionais, colocando-as em desvantagem competitiva. Em termos estruturais, conviria que a UE se empenhasse na criação de um mercado único de electricidade, fortalecendo as ligações com a Península Ibérica, mas evitar as actuais disparidades de preços. Também se tem referido a necessidade de aumentar as reservas estratégicas de gás. Mais genericamente, tem que se fazer muito mais para a transição energética, sob pena de aumentos recorrentes de preços diminuírem a sua exequibilidade política.

 

[Publicado no Jornal Económico]

PRR, lições de Espanha

 

Comparar o PRR português com o programa espanhol não só ajuda a explicar muitos erros, como dá importantes pistas sobre o futuro.

 

O PRR revisto começa por ser decepcionante em relação à forma como o governo não ouviu os inúmeros protestos da sociedade civil, que se queixou de excesso de Estado.

 

Escolhendo apenas um tema, pela sua especial importância, o da Formação e qualificação, verificamos que é um dos elementos mais mal tratados do programa. Não se antecipa a reforma profunda que esta actividade necessita, que deveria ser mais focada nas necessidades concretas da economia e das empresas; os montantes previstos, em vez de serem largamente expandidos da quota original de apenas 8%, sofreram um corte de 35 milhões de euros; mais de metade da verba é destinada a “Modernização da oferta e dos estabelecimentos de ensino e da formação profissional”, como se o problema residisse nas instalações.

 

As insuficiências e defeitos do PRR português tornam-se ainda mais flagrantes e indesculpáveis quando aquele é confrontado com o programa espanhol (PRTE), também apresentado por um governo de esquerda, sublinhe-se.

 

Enquanto o nosso fala genericamente no digital, em Madrid assume-se claramente o investimento na Inteligência Artificial; enquanto nos queixamos das perdas no turismo, os nossos vizinhos têm um programa específico de revitalização do sector, aproveitando a baixa ocupação durante a pandemia para o concretizar.

 

Um dos problemas maiores do nosso PRR é vir colmatar investimento corrente, que o governo cortou (temos tido investimento público ainda mais baixo do que no tempo da “troika”), para financiar políticas eleitoralistas, como as 35 horas na administração pública. Assim, em vez de termos novos investimentos, vamos apenas ter o que foi (mal) adiado.

 

Comparando com o caso espanhol, isso ainda se torna mais flagrante. Em primeiro lugar, a saúde, em “18. Renovación y ampliación de las capacidades del Sistema Nacional de Salud”, recebe apenas 1,5% dos investimentos enquanto no caso português o SNS irá receber 8,3% do total, um sinal evidente que o nosso governo pretende usar o PRR para colmatar os investimentos que deixou de fazer nesta área nos últimos anos.

 

Em segundo lugar, todo o capítulo “XX. Modernización del sistema fiscal”, não tem qualquer verba atribuída neste programa, sinal de que será concretizado com base na actividade corrente do executivo e dos orçamentos nacionais.

 

Um dos aspectos mais incompreensíveis é que este PRR, infelizmente, por um lado, se assume mais como instrumento de recuperação de curto prazo do que como desenvolvimento de médio prazo, e, por outro, tem um calendário de investimento dos mais atrasados da UE. Isto é absurdo, porque se a preocupação maior é a recuperação, então o investimento deveria ser realizado o mais cedo possível.

 

Quando comparado o calendário português com o espanhol, ainda se torna mais visível a incongruência: enquanto em Espanha se antecipa realizar quase todo o investimento até 2023, no nosso caso há um atraso de dois anos em relação a este desempenho.

 

Agora que o PRR, com todas as suas limitações, está definido, temos que nos focar na sua fiscalização, para o que se exige a maior transparência e uma oposição especialmente exigente.

 

[Publicado no Jornal Económico]