A debilidade dos pesos e contrapesos na democracia portuguesa não se encontra apenas na lei, mas também na prática, com recorrentes incumprimentos impunes.
A ideia da necessidade de pesos e contrapesos (“checks and
balances”) para o sucesso de uma democracia tem, pelo menos, 200 anos, e seria
de esperar que, por isso, fosse relativamente óbvia e generalizada.
Infelizmente, Portugal tem um sistema de pesos e contrapesos extremamente
frágil e insuficiente e essa insuficiência torna-se mais patente e grave nos casos
de maioria absoluta, como a que agora se inicia.
Há deficiências legais graves, em que um dos exemplos é o
poder que maioria tem de bloquear a audição parlamentar de quem a oposição
considere relevante, o que é um obstáculo inadmissível à fiscalização que a
Assembleia da República deveria exercer sobre o governo.
Mais grave que as restrições legais é a prática. Nos casos
de perguntas ao governo ou requerimentos, apresentados pelo parlamento, o
executivo tem a obrigação legal de responder em 30 dias. O primeiro-ministro
cessante especializou-se em não dar qualquer satisfação à casa da democracia,
apesar de insistências recorrentes de alguns grupos parlamentares. Este
desrespeito alastra-se, aliás, à própria provedora de Justiça, cujos pedidos
são olimpicamente ignorados. Este incumprimento não tem qualquer sanção legal
nem sequer política.
Em relação a este último ponto, julgo que a oposição deveria
ser muito menos permissiva e criar “casos” políticos em relação à falta de
resposta a requerimentos especialmente importantes. Sem querer entrar em
grandes detalhes, a oposição deveria exigir que o presidente da Assembleia da
República admoestasse o chefe do governo por essa especial falta de respeito
pelo parlamento. Por isso, também, a oposição deve ser muito exigente em
relação ao próximo presidente, não podendo tolerar a repetição do que se passou
na última legislatura. Essa função exige imparcialidade e uma clara valorização
do papel fiscalizador do parlamento, em especial num contexto de maioria
absoluta.
Outra das questões mais graves é a instrumentalização da
administração pública pelos governos, com a escandalosa profusão de “jobs for
the boys”, um conjunto de incompetentes totalmente servis ao poder político. Se
esta situação é já hoje muito séria, o risco de se agravar aumenta
exponencialmente com uma maioria absoluta.
Este é um tema que exige uma resposta completa, que não cabe
aqui detalhar, mas o mínimo que se exige é que a AR passe a perscrutar, com
muito maior exigência, as nomeações que aí vêm.
Se o parlamento tem estado, na prática, muito limitado na
sua função de contrapeso, a comunicação social também tem apresentado sérias
deficiências, ampliadas pela fragilidade financeira das últimas décadas. Dada a
dimensão desta questão, apenas me atrevo a fazer uma proposta lateral: criem
sistemas, em que garantem o anonimato, de forma ainda mais vincada do que o
habitual, de denúncias das nomeações mais escandalosas de “boys” na
administração pública.
[Publicado no Jornal Económico]
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