O mau governo dos
últimos 40 anos tem dado mau nome à democracia
Nos últimos 40 anos, Portugal já esteve três vezes à beira
da bancarrota, o que legitima associar um mau governo à democracia. A fraca
apreciação que os portugueses fazem da democracia (segundo o estudo recente do
ICS/Expresso), como bem aventa Pedro Magalhães, não se deve tanto ao menosprezo
da liberdade, mas ao facto de um mau governo ser demasiado frequente. Nos
países nórdicos, onde a democracia também está associada a bom governo, é
natural que a democracia seja muito mais valorizada.
Como explicar então o mau governo em democracia em Portugal?
Julgo que ele decorre de três características principais: a irresponsabilidade
dos executivos, a falta de continuidade das políticas e a corrupção.
Portugal, como a generalidade dos países do Sul da Europa,
exibe níveis elevados de distância ao poder. Infelizmente, parece que este
padrão continua a ser reproduzido nas gerações mais novas, em que os caloiros
toleram, silenciosos e demasiado obedientes, as mais inacreditáveis praxes. As
praxes são o exemplo mais flagrante de obediência a ordens estúpidas, que são
acatadas sem o menor protesto.
Esta excessiva subserviência a chefes, por mais
incompetentes que estes sejam, traduz-se numa impotência, que tem como
benefício a irresponsabilidade. Os eleitores portugueses, mesmo aqueles de quem
se esperaria mais, demitem-se dos seus deveres cívicos, de responsabilidade e
exigência, e esperam que “eles” resolvam tudo. Daqui decorre a exigência,
generalizada a todo o espectro político, de que o Estado resolva tudo e mais um
par de botas.
Nesta exigência há vários pensamentos mágicos, desde a ideia
de que o Estado tem recursos inesgotáveis, até à fantasia de que o Estado
decide sempre bem, como se as decisões fossem do Estado, quando são de pessoas,
políticos e bur(r)ocratas, que, demasiadas vezes, decidem na sua incompetência
e a pensar nos seus interesses.
Neste contexto, políticos responsáveis estão votados ao
fracasso, enquanto políticos mentirosos e irresponsáveis, que dêem gás ao
pensamento mágico dos eleitores, têm a vitória assegurada.
Julgo poder deduzir-se que as políticas de governos
irresponsáveis em democracia se devem à irresponsabilidade dos eleitores.
Se a irresponsabilidade das políticas se encontram com
frequência, nos países do Sul da Europa, a falta de continuidade das políticas
parece constituir uma especificidade portuguesa.
Em Portugal, a falta de continuidade das políticas
verifica-se, não apenas quando há uma mudança de governo, mas também quando há
uma mudança de ministro, dentro do mesmo executivo.
Esta mudança constante envolve custos brutais de adaptações
sucessivas. Por outro lado, dado que há custos de aprendizagem, mesmo que cada
novo modelo fosse bom, ele nunca chega a produzir os seus melhores resultados,
porque é interrompido entretanto. Como é evidente, há aqui doses brutais de
desperdício, de investimentos deitados à rua, que são um travão ao crescimento
económico.
A corrupção não será específica da democracia, mas o estudo
recente citado, identifica-o como a segunda questão que mais se deteriorou a
seguir ao 25 de Abril, apenas suplantado pelo crime/insegurança. O que mais
choca no problema da corrupção em Portugal são, julgo eu, duas coisas: a falta
de pudor como muito é feito às claras, sem a menor necessidade de disfarçar; e o
estado da justiça, que permite que aconteçam situações tão inacreditáveis que
só o mais crédulo dos crédulos pode imaginar que se explicam com as leis, a
alegada “falta de meios” e outras desculpas de que nunca há défice. Aliás, a
justiça ocupa mesmo a quarta posição nos temas que mais se deterioraram desde a
revolução dos cravos, sendo a terceira o desemprego.
Pode a democracia em Portugal passar a estar associada a um
bom governo? Sim, se os eleitores assumirem as suas responsabilidades, em que
se inclui não dar ouvidos a propostas demagógicas (difícil) e serem mais
exigentes com o Estado que pagamos com os nossos impostos, sobretudo com a
justiça, que se tem mantido demasiado longe do essencial escrutínio público.
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
Os maus governos em Portugal, como de resto na Europa do Sul em geral, são o reflexo dos defeitos dos portugueses e dos europeus do Sul. No fim de contas, são os eleitores que põem e dispõem dos governos.
Um desses defeitos é a tendencia para avaliarem as politicas mais em função das suas consequencias imediatas para a economia doméstica de cada um do que em termos das consequencias finais e mais duradouras, que passam naturalmente pela situação global da economia e do Estado.
Trata-se da aplicação à politica do "aproveitar o dia de hoje e amanhã logo se ve" !
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