As taxas de juro da
dívida portuguesa estão a cair, porque há o receio de que a zona do euro entre
em deflação
Nos últimos meses, as taxas de juro da dívida pública na
zona do euro têm vindo a cair de forma pronunciada. Em Itália, no pico da
crise, a taxa da dívida a 10 anos ultrapassou os 7%, começando o ano de 2014 nos
4,1% e estando esta semana nos 3,3%. As taxas em Espanha seguiram uma
trajectória muito semelhante à italiana, encontrando-se hoje em valores
idênticos aos do daquele Estado.
Em Portugal, as taxas chegaram a ultrapassar os 14%, mas
iniciaram o corrente ano nos 5,5%, estando agora em torno dos 4%.
Isto significa que a excelente evolução das taxas de juro
portuguesas se deve essencialmente a um movimento externo, ainda que o
previsível fim do programa da troika
também esteja a ajudar.
Estamos aqui a viver a versão favorável da
auto-concretização das expectativas. Com os mercados confiantes, como estão
actualmente, há uma descida das taxas de juro, o que facilita a
sustentabilidade da dívida portuguesa. No entanto, deve também dizer-se que, no
essencial, a nossa dívida ainda não atingiu o patamar da sustentabilidade e que
qualquer desconfiança futura dos mercados pode levar à versão negativa da auto-concretização
das expectativas. Um evento suficientemente negativo, como mais um chumbo do
Tribunal Constitucional (TC) que impossibilite, na prática, o cumprimento da
meta orçamental para 2014, pode fazer disparar as taxas de juro portuguesas
dificultando a sustentabilidade orçamental e agravando a desconfiança.
Confesso que tenho curiosidade em saber se o TC considera o
Tratado Orçamental inconstitucional, já que é este que está a condicionar a
redução actual e futura dos défices portugueses. Também gostava de saber,
embora para isso já seja um pouco tarde, se o TC considera inconstitucional o
memorando com a troika, que previa
que dois terços da consolidação orçamental se fizesse do lado da despesa.
É que a fantasia de que os cortes em salários e pensões
seriam temporários foi sempre isso mesmo: uma fantasia. Ficamos a aguardar,
para percebermos se o TC ainda acredita no Pai Natal.
Mas voltando às taxas de juro da dívida pública na zona do
euro, deve-se esclarecer que esta queda, que se saúda, se deve – infelizmente –
a más razões.
A economia da zona do euro, após dois anos de queda, deverá
conhecer um crescimento tímido em 2014, numa recuperação ainda frágil, que os
últimos desenvolvimentos na Ucrânia poderão fazer descarrilar.
A inflação, que em 2013 ficou longe da meta do BCE, deveria
ficar ainda mais longe, ao fixar-se nos 1,0% em 2014 (Previsões da Comissão
Europeia, de Fev-14). No entanto, devido à debilidade da procura e ao
fortalecimento cambial do euro, os preços estão a subir ainda menos do que o
previsto.
Este desvio da inflação face à meta do BCE (abaixo mas
próximo dos 2%) está a modificar o discurso desta instituição e, inclusive, do
próprio Bundesbank, que começa a ponderar a utilização de medidas não
convencionais para impedir que a zona do euro entre numa muito temida deflação
(inflação negativa), que agravaria todos os problemas de dívidas e crescimento.
Por isso, os mercados têm antecipado um programa
generalizado de compra de dívida soberana, o que tem motivado esta descida
generalizada das taxas de juro.
Ou seja, as taxas de juro da dívida soberana estão a cair
porque se está a instalar o receio de que estejamos próximo de um problema
muito difícil: a deflação. Por isso digo que estas boas notícias surgem por más
razões.
Entretanto, há fortes expectativas de que na reunião de
amanhã o BCE dê indicação de estímulos adicionais, que dificilmente podem
passar por descida da taxa de juro de referência, que já se encontra nos 0,25%.
[Publicado no jornal “i”]
Adenda: O BCE não desiludiu.
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