Se o Estado pagasse a
tempo e horas, isso iria libertar financiamento para as empresas investirem e
exportarem mais. Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras medidas
– correctas – , que permitiriam contrariar a desaceleração económica em curso.
O Estado consegue (quase) sempre financiar-se a taxas mais
baixas do que os privados, pelo que, ao atrasar-se nos pagamentos, está a
obrigar os fornecedores (e outros) a pagar juros mais altos do que o Estado
pagaria. Dado que a economia portuguesa tem uma elevada dívida externa, isso
significa que, em termos macroeconómicos, estamos a pagar mais juros ao
exterior do que seria possível – e desejável.
Não tenham qualquer dúvida que estes custos mais altos que o
Estado impõe aos seus fornecedores são, de uma maneira ou de outra (geralmente
sob a forma de preços mais altos), pagos pelos contribuintes, pelo que o
pagamento atempado permitiria poupanças.
Se, em geral, isto se passa assim, no actual contexto isto
ainda é mais verdade, porque na emissão de dívida de curto prazo (até um ano),
desde 2015, a taxa de juro passou a ser negativa, ou seja, em vez de pagar
juros, o Estado recebe-os.
Em suma, se o Estado emitisse Bilhetes do Tesouro no
montante das suas dívidas correntes ainda poderia receber alguns juros com
isso. O total de Bilhetes do Tesouro emitidos é de cerca de 15 mil milhões de
euros, pelo que não estamos a falar num aumento significativo deste montante
(talvez um quinto), não se devendo esperar que o impacto nos juros seja
expressivo.
Aliás, a Directiva
(comunitária) 2011/7/UE (reformulação da Directiva 2000/35/CE), que
estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções
comerciais, define como prazo comum os 30 dias, e apenas excepcionalmente os 60
dias, prazos que o Estado português reiteradamente não cumpre, sem nenhuma boa
desculpa.
Temos aqui também a habitual esquizofrenia das políticas
públicas. Os atrasos nos pagamentos são uma fonte importante de
descapitalização (ou dificuldades de financiamento) das empresas, que depois o
Estado tenta compensar com programas de capitalização, largamente ineficazes.
Se o Estado reduzisse – drasticamente – os prazos de
pagamentos, não só dava o exemplo moral, como fornecia às empresas meios
concretos para replicar esse exemplo, pelo que é muito provável que os efeitos
indirectos excedessem muito largamente os efeitos directos.
Sem necessidade de recorrer a financiamento (muito escasso)
para fazer face às necessidades do fundo de maneio, as empresas teriam mais
margem para investir. E oportunidades não faltam, muitas das quais não são
exploradas, devido justamente ao estrangulamento no financiamento.
Cerca de 70% das empresas exportadoras exportam apenas para
um mercado, por vezes bem exigente, como é o caso da Suíça, dos Espanha e dos
EUA. Ou seja, têm um bom produto, mas não têm condições para aumentar a
produção. Com mais financiamento, poderiam expandir as suas exportações para
outros mercados, favorecendo o nosso crescimento económico.
Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras
medidas – correctas –, que permitiriam contrariar a desaceleração
económica em curso, sem cair no erro de estimular a procura, onde temos muito
pouca margem para agir, devido ao ainda elevado nível de dívida pública.
PS. Se a ADSE tem saldo positivo, não há qualquer tipo de
desculpa para ter atrasos tão grandes nos pagamentos aos fornecedores, uma das
principais causas de queixa destes.
[Publicado na CapitalMagazine]
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