segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Estado pagar a tempo e horas


Se o Estado pagasse a tempo e horas, isso iria libertar financiamento para as empresas investirem e exportarem mais. Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras medidas – correctas – , que permitiriam contrariar a desaceleração económica em curso.

O Estado consegue (quase) sempre financiar-se a taxas mais baixas do que os privados, pelo que, ao atrasar-se nos pagamentos, está a obrigar os fornecedores (e outros) a pagar juros mais altos do que o Estado pagaria. Dado que a economia portuguesa tem uma elevada dívida externa, isso significa que, em termos macroeconómicos, estamos a pagar mais juros ao exterior do que seria possível – e desejável.

Não tenham qualquer dúvida que estes custos mais altos que o Estado impõe aos seus fornecedores são, de uma maneira ou de outra (geralmente sob a forma de preços mais altos), pagos pelos contribuintes, pelo que o pagamento atempado permitiria poupanças.

Se, em geral, isto se passa assim, no actual contexto isto ainda é mais verdade, porque na emissão de dívida de curto prazo (até um ano), desde 2015, a taxa de juro passou a ser negativa, ou seja, em vez de pagar juros, o Estado recebe-os.

Em suma, se o Estado emitisse Bilhetes do Tesouro no montante das suas dívidas correntes ainda poderia receber alguns juros com isso. O total de Bilhetes do Tesouro emitidos é de cerca de 15 mil milhões de euros, pelo que não estamos a falar num aumento significativo deste montante (talvez um quinto), não se devendo esperar que o impacto nos juros seja expressivo.

Aliás, a Directiva (comunitária) 2011/7/UE (reformulação da Directiva 2000/35/CE), que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, define como prazo comum os 30 dias, e apenas excepcionalmente os 60 dias, prazos que o Estado português reiteradamente não cumpre, sem nenhuma boa desculpa.

Temos aqui também a habitual esquizofrenia das políticas públicas. Os atrasos nos pagamentos são uma fonte importante de descapitalização (ou dificuldades de financiamento) das empresas, que depois o Estado tenta compensar com programas de capitalização, largamente ineficazes.

Se o Estado reduzisse – drasticamente – os prazos de pagamentos, não só dava o exemplo moral, como fornecia às empresas meios concretos para replicar esse exemplo, pelo que é muito provável que os efeitos indirectos excedessem muito largamente os efeitos directos.

Sem necessidade de recorrer a financiamento (muito escasso) para fazer face às necessidades do fundo de maneio, as empresas teriam mais margem para investir. E oportunidades não faltam, muitas das quais não são exploradas, devido justamente ao estrangulamento no financiamento.

Cerca de 70% das empresas exportadoras exportam apenas para um mercado, por vezes bem exigente, como é o caso da Suíça, dos Espanha e dos EUA. Ou seja, têm um bom produto, mas não têm condições para aumentar a produção. Com mais financiamento, poderiam expandir as suas exportações para outros mercados, favorecendo o nosso crescimento económico.

Na actual conjuntura, poderia ser mesmo uma das raras medidas correctas –, que permitiriam contrariar a desaceleração económica em curso, sem cair no erro de estimular a procura, onde temos muito pouca margem para agir, devido ao ainda elevado nível de dívida pública.

PS. Se a ADSE tem saldo positivo, não há qualquer tipo de desculpa para ter atrasos tão grandes nos pagamentos aos fornecedores, uma das principais causas de queixa destes.

[Publicado na CapitalMagazine]

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