O actual conflito
entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar num
conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, com óbvias
consequências eleitorais.
Tudo indica que a administração da ADSE entrou em guerra com
o sector privado, sem uma estratégia de solução, sem dar resposta às queixas
dos privados e sem reflectir sobre as consequências, arriscando-se a infligir
inúmeros custos aos seus beneficiários, movida por uma cegueira ideológica e
irracional de esquerda.
A ausência de uma estratégia de solução ressalta da absoluta
falta de vontade de negociar com os privados (não negociam desde Outubro) e do
lirismo de esperar que o sector social, que apenas representa um quarto do
total, possa substituir os outros três quartos. A expectativa da quadruplicação
do sector social no curto prazo (e mesmo a médio prazo) é simplesmente
irrealista, de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer.
Para se ter uma noção da “falta de noção” da administração
da ADSE, atentem-se nas palavras de Alexandre Abrantes, presidente do Conselho
de Administração do Hospital da Cruz Vermelha, uma das entidades do tal sector
social: “Estávamos
a pensar em duplicar a proporção de doentes da ADSE, em criar canais especiais
para doentes com este convénio mas essas negociações fracassaram umas vez que as tabelas de reembolso que a ADSE nos
paga, neste momento, até são negativas para grande parte das prestações que
damos. (…) Até lhe digo, se nos dessem as tabelas que nos dá o IASFA – Instituto de Acção Social das Forças
Armadas ou até as tabelas que pagam ao setor privado, nós já conseguíamos
fechar negócio com eles.”
Os privados apresentaram três
queixas em relação ao que a ADSE exige: regularizações retroactivas (sem
considerar a complexidade clínica do doente e a utilização de procedimentos
diferenciados); a tabela de preços de medicamentos e dispositivos médicos (“totalmente
desajustadas do real custo dos atos médicos”) e prazos de pagamentos. No caso
da CUF, este prazo médio é de 283 dias, quando o prazo contratado é de 120
dias, mesmo este “excessivamente longo” e que “contraria a transposição da
Diretiva Europeia que impõe ao Estado e demais entidades públicas o pagamento a
fornecedores num prazo máximo de 60 dias”.
O que se segue é que alguns dos actuais beneficiários da
ADSE podem deixar de pertencer ao sistema (perda de receita para a ADSE), trocando-a
por seguros de saúde, podem passar a recorrer ao SNS (que já está a rebentar
pelas costuras), ou manter os hospitais privados, mas pagando antecipadamente
os serviços e aguardando pelo posterior reembolso pela ADSE.
Um doente que tenha sofrido um AVC poderá ter de passar
cerca de quatro meses numa clínica de recuperação, com um custo de 4 mil € por
mês, com 80% de comparticipação da ADSE. Hoje em dia, pagaria 800€ por mês, um
valor elevado, mas relativamente gerível.
A partir de Abril, o doente tem que passar a pagar 4 mil €
por mês e esperar nove meses para o receber (se os prazos forem semelhantes aos
da CUF). Se a estadia na clínica for de quatro meses, como é que consegue pagar
16 mil €? Vai para casa mais cedo, num 2º andar sem elevador, preso em casa por
não conseguir descer nem subir escadas, por não ter ainda concluído a
recuperação? O que é que este doente – e a sua família – vão pensar sobre a
ideologia que destruiu os benefícios anteriores da ADSE?
Outro doente precisa da prótese de um braço e a ADSE, com
enorme atraso, propõe-lhe pagar o preço da prótese de um dedo, que é o valor
mínimo que está na tabela. Como é que este paciente vai reagir?
Em suma, o actual
conflito entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar
num conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, que
relatarão, diariamente, os casos de atrasos mais inadmissíveis nos reembolsos e
de casos em que a ADSE quer pagar reembolso por um acto médico que não tem nada
a ver com o que foi realizado.
A poucos meses das eleições, isto é uma estratégia de “génio”.
A ADSE vai perder receitas, vai expandir a concorrência, o SNS vai ficar mais
próximo da implosão e vamos ouvir uma sucessão interminável de relatos que
revelam um comportamento inaceitável por parte da ADSE.
É praticamente impossível isto não ter consequências
eleitorais. Só se a direita for muito burra (hipótese não impossível de
descartar) é que não cavalgará a onda de descontentamento que esta cegueira
ideológica de esquerda irá produzir. Com tanta asneira junta, a direita tem
mesmo grandes hipóteses de conseguir desfazer a actual maioria de esquerda e,
atraindo abstencionistas, conseguir uma maioria absoluta.
[Publicado no Observador]
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