quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A guerra da ADSE será paga em Outubro


O actual conflito entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar num conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, com óbvias consequências eleitorais.

Tudo indica que a administração da ADSE entrou em guerra com o sector privado, sem uma estratégia de solução, sem dar resposta às queixas dos privados e sem reflectir sobre as consequências, arriscando-se a infligir inúmeros custos aos seus beneficiários, movida por uma cegueira ideológica e irracional de esquerda.

A ausência de uma estratégia de solução ressalta da absoluta falta de vontade de negociar com os privados (não negociam desde Outubro) e do lirismo de esperar que o sector social, que apenas representa um quarto do total, possa substituir os outros três quartos. A expectativa da quadruplicação do sector social no curto prazo (e mesmo a médio prazo) é simplesmente irrealista, de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer.


Os privados apresentaram três queixas em relação ao que a ADSE exige: regularizações retroactivas (sem considerar a complexidade clínica do doente e a utilização de procedimentos diferenciados); a tabela de preços de medicamentos e dispositivos médicos (“totalmente desajustadas do real custo dos atos médicos”) e prazos de pagamentos. No caso da CUF, este prazo médio é de 283 dias, quando o prazo contratado é de 120 dias, mesmo este “excessivamente longo” e que “contraria a transposição da Diretiva Europeia que impõe ao Estado e demais entidades públicas o pagamento a fornecedores num prazo máximo de 60 dias”.

O que se segue é que alguns dos actuais beneficiários da ADSE podem deixar de pertencer ao sistema (perda de receita para a ADSE), trocando-a por seguros de saúde, podem passar a recorrer ao SNS (que já está a rebentar pelas costuras), ou manter os hospitais privados, mas pagando antecipadamente os serviços e aguardando pelo posterior reembolso pela ADSE.

Um doente que tenha sofrido um AVC poderá ter de passar cerca de quatro meses numa clínica de recuperação, com um custo de 4 mil € por mês, com 80% de comparticipação da ADSE. Hoje em dia, pagaria 800€ por mês, um valor elevado, mas relativamente gerível.

A partir de Abril, o doente tem que passar a pagar 4 mil € por mês e esperar nove meses para o receber (se os prazos forem semelhantes aos da CUF). Se a estadia na clínica for de quatro meses, como é que consegue pagar 16 mil €? Vai para casa mais cedo, num 2º andar sem elevador, preso em casa por não conseguir descer nem subir escadas, por não ter ainda concluído a recuperação? O que é que este doente – e a sua família – vão pensar sobre a ideologia que destruiu os benefícios anteriores da ADSE?

Outro doente precisa da prótese de um braço e a ADSE, com enorme atraso, propõe-lhe pagar o preço da prótese de um dedo, que é o valor mínimo que está na tabela. Como é que este paciente vai reagir?

Em suma, o actual conflito entre a ADSE e “meia dúzia” de operadores privados vai-se transformar num conflito entre a ADSE milhares e milhares de beneficiários, que relatarão, diariamente, os casos de atrasos mais inadmissíveis nos reembolsos e de casos em que a ADSE quer pagar reembolso por um acto médico que não tem nada a ver com o que foi realizado.

A poucos meses das eleições, isto é uma estratégia de “génio”. A ADSE vai perder receitas, vai expandir a concorrência, o SNS vai ficar mais próximo da implosão e vamos ouvir uma sucessão interminável de relatos que revelam um comportamento inaceitável por parte da ADSE.

É praticamente impossível isto não ter consequências eleitorais. Só se a direita for muito burra (hipótese não impossível de descartar) é que não cavalgará a onda de descontentamento que esta cegueira ideológica de esquerda irá produzir. Com tanta asneira junta, a direita tem mesmo grandes hipóteses de conseguir desfazer a actual maioria de esquerda e, atraindo abstencionistas, conseguir uma maioria absoluta.

[Publicado no Observador]

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