Qual é a lógica de a
Comissão Europeia não agir de forma antecipada e pretender aplicar multas a
posteriori?
O actual imbróglio nacional em torno das sanções europeias
tem três grupos de responsáveis: o anterior governo, o actual governo e a
Comissão Europeia. O executivo de Passos Coelho fez um orçamento de 2015
arriscado, desrespeitando o Tratado Orçamental e as recomendações da Comissão,
com a óbvia intenção de ter um bom resultado eleitoral que, em alguma medida,
conseguiu. Para além disso, tem também uma forte responsabilidade, repartida
com o Banco de Portugal, na péssima gestão do dossier Banif, que inclui oito
(!) chumbos de projectos de solução e um arrastar incompreensível de todo o
processo.
O governo de António Costa carrega o ónus de ter aceite a
caríssima e inexplicável solução final para o Banif, para além de ter revertido
várias reformas estruturais exigidas pela troika
e uma irresponsável gestão do orçamento de 2016, que tem gerado uma enorme
indisposição dos nossos parceiros comunitários contra o nosso país. Acresce que
nos tem levado a pagar pesadas sanções desde há seis meses, sob a forma de
juros mais altos, pela desastrosa estratégia económica e opções orçamentais,
que também têm gerado uma enorme desconfiança junto dos investidores
internacionais.
A Comissão Europeia também não está isenta de
responsabilidades. Em primeiro lugar, pela forma como permitiu que o governo
PSD/CDS fosse avante com a sua proposta orçamental, em clara violação dos
tratados europeus. Em segundo lugar, por ter permitido que, desde que o euro
foi criado, as sanções previstas tenham permanecido letra morta até aqui.
Imaginem uma rua, onde está uma placa uma placa de proibição
de estacionamento há 15 anos, mas onde a polícia sempre fez vista grossa das
insistentes violações. Se a polícia decide que, afinal, a partir de agora a
sinalização tem que ser respeitada, tem que avisar os condutores disso, e não
tem legitimidade de passar multas de estacionamento por casos passados.
Por isso, julgo que a Comissão e o Conselho Europeu
pretendem que as sanções sobre os resultados de 2015 sejam meramente simbólicas
mas, para 2016, já deverão doer.
O que é totalmente incompreensível é a atitude da Comissão
face ao orçamento português de 2016. É evidente, para todos e para a Comissão,
que as metas de 2015 não foram respeitadas e que as metas de 2016 também não o
serão. Como é que se explica, então, que a Comissão tenha permitido que o
governo de António Costa tenha feito entrar em vigor, a partir do 2º semestre
deste ano, três medidas que vão agravar o défice: reposição parcial dos mais
altos vencimentos da função pública, a semana das 35 horas e a descida do IVA
na restauração? Qual é a lógica de não agir de forma antecipada e pretender
aplicar multas a posteriori?
Entendamo-nos: o primeiro responsável é o governo socialista
do país que faz disparates e só em segundo lugar podemos responsabilizar a
Comissão por não ter impedido que eles tivessem lugar. Não me venham com –
patéticos – argumentos legalistas, de que a Comissão não tinha instrumento
legais para proibir o que quer que seja. A Comissão tem sempre, a seu favor, a
possibilidade de pressão “moral”, com fortíssimos impactos financeiros, de
acusar um executivo de estar a desrespeitar as normas comunitárias. Não são
necessárias medidas formais, bastam pressões em privado, ou em público se se
chegar a tanto, para fazer os países entrar na linha. O que não se percebe
mesmo é a repetição da asneira.
[Publicado no jornal “i”]
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