A UE é um dos
principais responsáveis pelo Brexit, mas parece incapaz de reconhecer isso
Penso que tem havido um conjunto de explicações pouco
satisfatórias sobre a vitória do Brexit, nomeadamente de que seria fruto de
manipulação de políticos populistas. Não negando a completa irresponsabilidade
de Cameron, parece-me que aquele resultado decorre de décadas de excesso de
integração europeia forçada e mal preparada, de que o euro é o exemplo máximo;
de décadas de défice de subsidiariedade e híper-regulamentação centralizada; da
total inconsciência da UE dos problemas acumulados e da necessidade de os
corrigir.
Para além disso, há também um défice constitucional do Reino
Unido, com menos freios e contrapesos para a saída da UE dos que os que existem
para os casais se separarem. Há, aliás, vários sinais de que poderá haver a
repetição do referendo, o que seria curioso porque o novo resultado poderia ser
atribuído à intransigência da UE. Repare-se que uma confirmação eleitoral deste
resultado (eventualmente através de eleições legislativas antecipadas), longe
de ter como objectivo a obtenção do resultado “correcto”, se destinaria a
garantir que essa é a vontade de uma maioria consistente do eleitorado e não a
expressão de um exaltado e pouco informado voto de protesto, que recua quando
cai em si.
Provavelmente, há também uma manifestação de desagrado com a
globalização, por parte de segmentos menos prósperos e dinâmicos da população.
O que há aqui de muito irónico, é que o Reino Unido, dirigido por Thatcher,
teve um duplo papel de promoção daquela globalização. Em primeiro lugar, pela
liberalização da economia e do comércio internacional, que contagiou imensos
países; em segundo lugar, pelo seu papel na queda dos regimes comunistas, que
conduziu à actual hegemonia da economia de mercado, que derrotou o seu
concorrente: a economia de planificação central.
Assumindo que o desejo de Brexit é consistente, como deve a
UE negociar? Em primeiro lugar, deve recordar-se que o objectivo primordial da
UE é a paz, pelo que uma atitude não cooperativa é totalmente contrária ao
espírito “europeu”.
Depois, deve-se evitar a todo o custo tentar impor condições
punitivas aos britânicos, como se querer sair da UE fosse uma ofensa e houvesse
a necessidade de dissuadir outros. Querem mesmo que os países fiquem, não
porque é bom estar, mas porque sair é pior, como já se passa no caso do euro?
Mas querem maior receita para o desastre, a prazo? O objectivo é maximizar os
anti-corpos à UE, para que uma eventual saída futura se faça com o máximo de
estrondo e conflito?
Da parte de Portugal, deve haver o maior empenho para que se
evitem condições gravosas ao Reino Unido que, ainda por cima, devem também ser
prejudiciais para a própria UE. Em linha com isso, devemos também reforçar os
laços bilaterais com o nosso mais antigo aliado.
O Brexit deverá também conduzir a alterações dentro da
própria UE e, neste campo, Portugal deve mostrar a sua oposição frontal a
qualquer tipo de criação de directórios, sejam eles dos membros fundadores, dos
maiores Estados Membros ou quaisquer outros. Um grupo restrito de países não
deve ter o poder de ditar o que se aplica aos outros.
Em contrapartida, defendo uma UE a várias velocidades, em
que cada grupo tem plena liberdade de decidir o que se aplica ao grupo. A
tentativa de uniformização total de um conjunto cada vez mais heterogéneo de
países faz cada vez menos sentido, para além de estar na origem de imensos dos
actuais anti-corpos.
[Publicado no jornal “i”]
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