Espero que o nosso
ministro das Finanças saiba defender as taxas de juro baixas do BCE, um
benefício importante para um país tão endividado como Portugal
Os próximos 18 meses deverão ser fortemente condicionados,
quer pelas eleições presidenciais francesas na Primavera de 2017 quer pelas
eleições legislativas alemãs no Outono seguinte. É natural que os interesses
nacionais destes dois países, os mais importantes da zona do euro e da UE, se
sobreponham à necessária solidariedade com o conjunto da Comunidade, cujo
sucesso é também importante para aqueles dois Estados.
As eleições regionais germânicas têm sido um aperitivo sobre
a votação do próximo ano e não têm sido favoráveis aos partidos no poder, com a
subida de partidos anteriormente muito pequenos, como o Alternativa para a
Alemanha, anti-refugiados.
Neste contexto de dificuldades políticas, o muito poderoso
ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, veio atacar o BCE por este ter
taxas de juro muito baixas, que estão a prejudicar os aforradores alemães e o
país como um todo, por ser o maior credor da zona do euro.
Estas declarações são, por um lado, totalmente egoístas,
porque pretendem que o BCE olhe para os interesses individuais do seu país em
vez da zona do euro como um todo e, por outro, completamente demagógicas.
As taxas de juro estão muito baixas não só na zona do euro,
como na generalidade das principais economias e isto é assim porque o mundo,
como um todo, sofre há já vários anos de um excesso de poupança, o que faz com
que a sua remuneração seja muito reduzida.
Antes de prosseguir, é preciso esclarecer que este excesso
de poupança não tem nada a ver com um eventual excesso de liquidez, que teria
sido criado pelos maiores bancos centrais do mundo após a crise de 2008. Um
excesso de poupança é um fenómeno da economia real, é equivalente a um défice
de investimento e é muito anterior àquela crise e terá mesmo estado na origem
dessa mesma crise. Aquele excesso de poupança, ao conduzir a taxas de juro
muito baixas, terá levado os bancos americanos a criarem produtos cada vez mais
complexos para tentarem conseguir remunerações que não fossem tão diminutas.
Os principais responsáveis por este excesso de poupança mundial
são os países que apresentam os maiores superavits externos e que, em 2015,
foram a China (297 mil milhões de dólares), Alemanha (292), Japão (168), Coreia
do Sul (109), Holanda (81), Taiwan (76), Suíça (76), Rússia (65), Singapura
(58), Itália (38) e Noruega (35).
Do outro lado da barricada, estão os países que apresentam
as contas externas mais negativas, tais como os EUA (-484 mil milhões de
dólares), Reino Unido (-123), Brasil (-59), Austrália (-56), Canadá (-51) e
Arábia Saudita (-41).
Como se pode ver, a Alemanha é um dos principais
responsáveis pelo excesso de poupança mundial, isto é, um dos principais
responsáveis por as taxas de juro estarem tão baixos. Por isso, é o cúmulo do
absurdo e do descaramento a acusação feita ao BCE.
Se Schäuble aumentasse o investimento público no seu país,
quanto mais não fosse na antecipação de obras conservação de infra-estruturas,
estimularia a economia do seu país e da generalidade dos outros países da zona
do euro, também pelo efeito de depreciação do euro que a redução do superavit
alemão traria. Quanto mais essa política tivesse sucesso, maior a margem para o
BCE iniciar a subida das taxas de juro.
Na verdade, o governo germânico está num dilema insolúvel:
por um lado, o eleitorado não quer ouvir falar em estímulos orçamentais e, por
outro, detesta taxas de juro muito baixas, que colocam em causa as suas pensões
futuras.
[Publicado no jornal “i”]
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