sexta-feira, 8 de abril de 2016

Pior era difícil

Para um governo que queria estimular a procura interna, é muito irónico e grave o efeito desastroso sobre o investimento

O Banco de Portugal publicou a semana passada novas previsões económicas, que incluem já o ano de 2018, para o qual se espera uma continuação da moderada recuperação económica em curso.

Para os anos anteriores, há uma ligeira revisão em baixa, de poucas décimas, de 1,7% para 1,5% em 2016 e de 1,8% para 1,7% em 2017, o que, em princípio, não deveria causar sobressaltos de maior. No entanto, as novidades são muito mais alarmantes do que se poderia imaginar à partida.

Em primeiro lugar, tem que se salientar que o Banco de Portugal parece estar um pouco optimista em relação ao cenário internacional, ainda que as previsões sobre as exportações tenham sido revistas em baixa.

No entanto, a parte mais alarmante encontra-se na frente interna. Mantém-se a previsão sobre o consumo privado, em 1,8% em 2016, alargando-se a sua diferença em relação ao andamento do PIB. Este crescimento do consumo acima do PIB agrava o nosso problema de termos um nível de consumo privado (em percentagem do PIB) que está acima da média da UE e que implica que temos uma taxa de poupança claramente insuficiente. A perpetuar-se esta tendência, quando assistirmos à recuperação do investimento, voltaremos aos défices externos, que já nos conduziram a três resgates internacionais nas últimas quatro décadas.

Mesmo assim, o mais grave ocorre no investimento, que sofreu uma fortíssima revisão em baixa, de 4,1% para 0,7% em 2016 e menos forte em 2017 (de 6,1% para 4,5%). Já desde 2012 que Portugal tem um nível de investimento muito abaixo do mínimo aceitável, que é aquele que permite manter o nível total de capital do país intacto.

Este capital é composto por infra-estruturas (estradas, caminhos-de-ferro, portos, aeroportos), edifícios (de habitação, industriais e de serviços), equipamento agrícola, industrial, informático entre outros, veículos comerciais, etc. Todos os anos, este capital vai-se depreciando, de forma mais lenta do caso das infra-estruturas e edifícios e de forma mais rápida no caso dos equipamentos, com destaque para a informática.

Como é evidente, o novo investimento não vem apenas substituir o antigo, mas traz consigo uma modernização dos meios de produção. O que é habitual é que, todos os anos, o investimento seja suficiente para não só compensar a deterioração do capital existente, mas também para permitir aumentar o seu total, o que é absolutamente essencial para criar novo emprego, aumentar a produtividade e dar sustentabilidade ao aumento dos salário reais.

O que é totalmente anormal é o que se está a passar em Portugal desde 2012, em que o investimento tem sido abaixo daquele mínimo, o que faz com que o nível total de capital esteja a cair desde então.

Por tudo isto, espero que não subsista qualquer dúvida sobre a gravidade da revisão em baixa do Banco de Portugal sobre o investimento. Se não sobram dúvidas sobre a gravidade desta questão, resta-nos esclarecer a razão porque aconteceu, salientando que a anterior previsão tinha sido feita há apenas três meses.

Se olharmos para as perspectivas do PIB, verificamos que não houve nenhuma mudança substancial, pelo que não é a falta de optimismo sobre a economia que motiva aquela desaceleração.

Em contrapartida, sabemos que o actual governo tomou posse a 26 de Novembro e que tem tomado um conjunto significativo de medidas (reversão de privatizações e de concessões, aumento do IRC) que não são amigas dos empresários. Daí decorreu uma forte perda de confiança, que, essa sim, explica este empalidecimento do investimento.


[Publicado no jornal “i”]

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