Para um governo que
queria estimular a procura interna, é muito irónico e grave o efeito desastroso
sobre o investimento
O Banco de Portugal publicou a semana passada novas
previsões económicas, que incluem já o ano de 2018, para o qual se espera uma
continuação da moderada recuperação económica em curso.
Para os anos anteriores, há uma ligeira revisão em baixa, de
poucas décimas, de 1,7% para 1,5% em 2016 e de 1,8% para 1,7% em 2017, o que,
em princípio, não deveria causar sobressaltos de maior. No entanto, as
novidades são muito mais alarmantes do que se poderia imaginar à partida.
Em primeiro lugar, tem que se salientar que o Banco de
Portugal parece estar um pouco optimista em relação ao cenário internacional,
ainda que as previsões sobre as exportações tenham sido revistas em baixa.
No entanto, a parte mais alarmante encontra-se na frente
interna. Mantém-se a previsão sobre o consumo privado, em 1,8% em 2016,
alargando-se a sua diferença em relação ao andamento do PIB. Este crescimento
do consumo acima do PIB agrava o nosso problema de termos um nível de consumo
privado (em percentagem do PIB) que está acima da média da UE e que implica que
temos uma taxa de poupança claramente insuficiente. A perpetuar-se esta
tendência, quando assistirmos à recuperação do investimento, voltaremos aos
défices externos, que já nos conduziram a três resgates internacionais nas
últimas quatro décadas.
Mesmo assim, o mais grave ocorre no investimento, que sofreu
uma fortíssima revisão em baixa, de 4,1% para 0,7% em 2016 e menos forte em
2017 (de 6,1% para 4,5%). Já desde 2012 que Portugal tem um nível de
investimento muito abaixo do mínimo aceitável, que é aquele que permite manter
o nível total de capital do país intacto.
Este capital é composto por infra-estruturas (estradas,
caminhos-de-ferro, portos, aeroportos), edifícios (de habitação, industriais e
de serviços), equipamento agrícola, industrial, informático entre outros,
veículos comerciais, etc. Todos os anos, este capital vai-se depreciando, de
forma mais lenta do caso das infra-estruturas e edifícios e de forma mais
rápida no caso dos equipamentos, com destaque para a informática.
Como é evidente, o novo investimento não vem apenas
substituir o antigo, mas traz consigo uma modernização dos meios de produção. O
que é habitual é que, todos os anos, o investimento seja suficiente para não só
compensar a deterioração do capital existente, mas também para permitir
aumentar o seu total, o que é absolutamente essencial para criar novo emprego,
aumentar a produtividade e dar sustentabilidade ao aumento dos salário reais.
O que é totalmente anormal é o que se está a passar em
Portugal desde 2012, em que o investimento tem sido abaixo daquele mínimo, o
que faz com que o nível total de capital esteja a cair desde então.
Por tudo isto, espero que não subsista qualquer dúvida sobre
a gravidade da revisão em baixa do Banco de Portugal sobre o investimento. Se
não sobram dúvidas sobre a gravidade desta questão, resta-nos esclarecer a
razão porque aconteceu, salientando que a anterior previsão tinha sido feita há
apenas três meses.
Se olharmos para as perspectivas do PIB, verificamos que não
houve nenhuma mudança substancial, pelo que não é a falta de optimismo sobre a
economia que motiva aquela desaceleração.
Em contrapartida, sabemos que o actual governo tomou posse a
26 de Novembro e que tem tomado um conjunto significativo de medidas (reversão
de privatizações e de concessões, aumento do IRC) que não são amigas dos
empresários. Daí decorreu uma forte perda de confiança, que, essa sim, explica
este empalidecimento do investimento.
[Publicado no jornal “i”]
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