domingo, 3 de abril de 2016

Reformas vagas

O Plano Nacional de Reformas tem debilidades estruturais e é muito vago

No âmbito do chamado Semestre Europeu, durante o mês de Abril, todos os Estados-Membros da UE estão obrigados a presentar o seu Plano Nacional de Reformas, onde deverão estar contidas as políticas e medidas para o crescimento e o emprego sustentável e também para atingir as metas nacionais definidas no programa Europa 2020.

Este programa europeu é o sucessor da Agenda de Lisboa, que foi aprovada em Março de 2000 e que tinha como objectivo estratégico transformar a UE “na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado por uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e uma maior coesão social”. Isto lido na altura dava vontade de rir, mas hoje dá vontade de chorar.

Como não surpreende, a esmagadora maioria dos objectivos traçados e metas quantitativas estabelecidas não foi cumprido. No entanto, parece que isso pouco serviu de exemplo para ter mais cuidado, em 2010, com o programa “Europa 2020 –Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”. É verdade que o objectivo estratégico já não é delirante, mas algumas das metas são questionáveis.

Mas o que não mudou foi o total irrealismo da parte do governo de Portugal. Apesar de ser possível definir metas nacionais menos ambiciosas do que a meta para o conjunto da UE, o executivo de Sócrates não usou desta prerrogativa, tendo escolhido algumas metas totalmente delirantes.

Em relação ao investimento em Investigação e Desenvolvimento, em 2009, a Alemanha gastava 2,72% do PIB, enquanto Portugal só despendia 1,58% do PIB. Pois o governo português achou que faria sentido subirmos estes gastos para 3% do PIB em 2020, tal como a Alemanha, não percebendo que investir bem nesta área exige um progresso lento. Infelizmente, o que se tem passado é o inverso, tendo este sector sofrido pesados cortes.

O Plano Nacional de Reformas agora apresentado tem várias deficiências estruturais. Em primeiro lugar, não reconhece dois dos mais graves económicos do país: que estamos quase estagnados há quinze anos; que o stock de capital tem vindo a cair há vários anos, devido a um nível de investimento demasiado baixo.

Dos seis pilares estratégicos, há um em particular que está definido de forma incompreensivelmente limitada, o “Capitalizar as empresas”. Aumentar o stock de capital é um dos elementos chave de qualquer processo de desenvolvimento, porque só isso permite aumentar o emprego, a produtividade e dar sustentação à subida dos salários reais.

Ou seja, este pilar deveria ser “Aumentar o investimento”, o que abarca muito mais coisas, nomeadamente atrair Investimento Directo Estrangeiro, como também tornar o investimento genericamente mais atraente. Para além disso, tudo isto está em total contradição com a programada subida do IRC.

Para concluir uma primeira avaliação genérica deste Plano de Reformas, é preciso acrescentar que há uma sistemática confusão entre o que são “objectivos intermédios” e o que são “medidas”. “Garantir o ensino secundário como patamar mínimo de qualificações” (p. 11) não é nenhuma medida, é mais um objectivo piedoso.

Na página 38, surge como medida “Simplificar a legislação e garantir a estabilidade e a previsibilidade normativas”. Isto também não é nenhuma medida, é um objectivo, que o governo, nos seus poucos meses de vida, tem torpedeado completamente. A confusão de excepções que o executivo pretende criar em relação aos impostos sobre os combustíveis não podia complicar mais e quanto à estabilidade normativa na educação e no IRC estamos conversados.


[Publicado no jornal “i”]

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