terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Mais elefantes brancos, não!

Se se vai voltar ao investimento público, é essencial não repetir os erros do passado e deixar de construir elefantes brancos e obras da mais duvidosa utilidade

O investimento público foi o grande sacrificado na execução orçamental de 2016, tendo sofrido uma forte queda, ao contrário da expansão projectada, para acomodar o insucesso da estratégia económica do governo, que abrandou fortemente a economia e comprometeu as metas para as receitas fiscais.

Em 2017 e anos seguintes, parece que o executivo quer reviver o investimento público, embora não seja certo que conseguirá recursos para o fazer.

De qualquer forma, é importante esclarecer que o investimento público pode promover o crescimento económico por duas vias, a procura e a oferta, e não é nada indiferente qual delas é predominante.

Pela via da procura, o crescimento é promovido pela criação de emprego nas obras públicas e equipamento durante a fase da construção do investimento. Em alguns casos, esse é mesmo o único efeito produzido, como é o caso do estádio de Leiria, onde só se realizou um jogo de futebol.

Pela via da oferta, da produção, o investimento público estimula o crescimento se melhorar a capacidade produtiva do resto da economia. Um dos casos mais evidentes foi a construção da auto-estrada Lisboa-Porto, que gerou uma alternativa vital à estrada nacional número 1, que se tinha tornado num obstáculo gigante ao transporte de pessoas e bens entre as duas principais cidades (e regiões) do país. A construção desta auto-estrada ajudou o PIB do lado da procura até ao início dos anos noventa, mas ela tem ajudado a actividade económica do lado da oferta desde então, sendo evidente que os benefícios deste investimento do lado da oferta são muitíssimo superiores aos do lado da procura, que já se esgotaram há mais de 25 anos, se exceptuarmos os insignificantes investimentos de reparação e conservação.

Como se pode ver deste exemplo, os benefícios do investimento público do lado da procura têm uma duração muito limitada, enquanto os que derivam do lado da oferta se prolongam durante muito tempo. Infelizmente, para políticos míopes ou com receio de não ser reeleitos, o que é importante são os resultados de curto prazo, o que gera um foco em investimento público cujos benefícios (quase) se esgotam do lado da procura, o que é péssimo.

As inúmeras auto-estradas do interior praticamente vazias poupam pouco tempo de viagem a um número limitado de veículos. Assim, o benefício que trazem é muito inferior ao custo que ainda hoje pagamos por elas todos os anos, sob a forma de juros da dívida pública em que foi necessário incorrer para as financiar.

Infelizmente, temos um excesso de exemplos de mau investimento público, desde grande parte do investimento municipal, as obras sumptuárias da Parque Escolar, os estádios de futebol do Euro, o aeroporto de Beja, etc., etc.

Há a ideia de mudar o porto de Lisboa para o Barreiro, cujas condições naturais são muito piores, o que corresponderá a deitar para o caixote do lixo todo o investimento já realizado na capital, o que é uma loucura, para além de se criar tráfego rodoviário entre as margens do Tejo, actualmente já muito congestionadas.

O investimento público com lógica seria tornar (quase) todos os edifícios públicos eficientes em termos energéticos, o que é algo que se paga num número reduzido de anos. Nos portos existem também alguns constrangimentos que requerem algum investimento. Na verdade, deveria haver uma lista extensa com grande variedade de investimentos potenciais, para se fazer uma ordenação deles, em função da sua genuína utilidade. É claro que há sempre a capacidade de fazer asneira perante uma necessidade, como foi o caso do novo Museu dos Coches.


[Publicado no jornal online ECO]

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