Reestruturar a dívida
pública levaria o sistema bancário à falência e exigiria um novo resgate da troika. Têm a certeza que é isso que querem?
Em relação aos mais variados assuntos é muito importante
distinguir entre objectivos e instrumentos. O objectivo é aquilo que
verdadeiramente interessa, enquanto os possíveis instrumentos são completamente
secundários, devendo ser escolhidos com flexibilidade e inteligência, sendo
absurdo qualquer tipo de finca-pé em relação a um instrumento específico.
No caso da dívida pública, o objectivo – totalmente
consensual – será diminuir o peso dos seus encargos. No caso português, quais
são os instrumentos possíveis para alcançar isto? Um primeiro instrumento, que
é um objectivo em si mesmo e até mais importante do que diminuir o peso da
dívida, é crescer de forma robusta e sair da estagnação dos últimos 16 anos.
Com mais PIB, o rácio da dívida sobre o PIB irá diminuindo naturalmente, para o
mesmo nível de défice público.
Se queremos crescer mais não devemos reverter as reformas do
tempo da troika cujo objectivo era
exactamente esse, nomeadamente no mercado de trabalho, nem afugentar
investidores com reversão de privatizações e contratos de concessão.
Um segundo instrumento para diminuir os encargos com a
dívida é reduzir o défice público, o que ajuda por duas vias: porque a dívida
se vai reduzindo e porque o bom comportamento se traduz em taxas de juro mais
baixas.
O caminho não é certamente assustar investidores (da
economia real), que leva à desaceleração da economia, que faz cair as receitas
fiscais, que coloca as metas orçamentais em causa, que afasta investidores
financeiros e faz subir as nossas taxas de juro.
Há quem avance com um terceiro instrumento, a reestruturação
da dívida. Como é que este instrumento se compara com os anteriores e como é
que se relaciona com eles? Desde logo, tem que se reconhecer que o primeiro
instrumento – crescer – é muito mais importante do que este terceiro
instrumento, porque é um objectivo em si mesmo, do qual depende tudo o resto,
desde a criação de emprego até à preservação do Estado social. É certamente
absurdo tomar medidas que impedem o crescimento e depois vir defender a
reestruturação da dívida.
Em seguida tem que se dizer, que uma reestruturação da
dívida implica ficar fora dos mercados financeiros durante um período
significativo, porque tão cedo não conseguiremos que haja quem confie em nós.
Ou seja, o terceiro instrumento pressupõe a aplicação do segundo instrumento e
um novo resgate da troika. É que a
banca portuguesa iria toda à falência, porque são dos grandes investidores em
dívida portuguesa. Como é que um Estado sem acesso aos mercados financeiros
poderia recapitalizar todo um sistema bancário falido?
Como é óbvio, a troika
iria impor medidas para conseguir os dois primeiros instrumentos referidos.
Aliás, não faria qualquer sentido reestruturar a dívida e deixar intacto o que
nos levou a uma dívida muito elevada (fraco crescimento e défices excessivos).
Em relação às taxas de juro pós-reestruturação, convém
recordar que na Grécia, que já fez uma restruturação, as taxas de juro só há
poucos meses é que diminuíram para menos de 8%. Em Portugal, no final de 2015,
estavam em 2,5% enquanto em Espanha se fixavam nos 1,8%. Entretanto, no nosso
vizinho caíram para 1,5%, como na generalidade dos países europeus, enquanto em
Portugal subiram para 3,8%, graças às “excelentes” escolhas deste governo. Com
medidas melhores, elas poderiam estar entre 2% e 2,5%, enquanto com uma
reestruturação é facílimo que ultrapassassem os 5%. Ou seja, mesmo que
conseguíssemos cortar a dívida em metade (no mais fantasioso delírio), nem isso
faria diminuir os encargos com juros. Para já não falar em como ficarmos com o
carimbo de “caloteiros” seria um desastre para a atracção de investimento e
criação de emprego.
Concluindo: o instrumento reestruturação para o objectivo de
reduzir os encargos com a dívida é não só pior do que os outros instrumentos
disponíveis, como até contraproducente. Será excessivo pedir que se adopte uma
abordagem racional?
[Publicado no jornal online ECO]
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