Trump deverá,
indirectamente, levar o BCE a deixar de comprar dívida pública portuguesa,
cujas taxas de juro deverão subir e ficar mais vulneráveis.
Trump é simultaneamente imprevisível e incoerente e esta
segunda característica reforça a primeira. Quer uma América mais isolacionista,
mas pretende aumentar a despesa em Defesa. Qual dominará?
Em termos económicos já disse que queria um programa de
estímulo, mas também mais proteccionismo. Em relação ao estímulo, teme-se que
em vez de investimentos financiados com dívida pública, com taxas de juro muito
baixas, apesar do efeito da sua eleição as ter subido, pretende entrar nas
famigeradas parcerias público-privadas, com os contratos mais nebulosos
possíveis (isto faz-vos lembrar alguma coisa?), para alimentar amigos e
provavelmente receber comissões com isso.
O expansionismo orçamental previsto deverá acelerar a
economia, que ainda apresenta uma folga significativa, apesar de a taxa de
desemprego já estar muito baixa, reforçando a apreciação do dólar, que já se
iniciou por antecipação.
Ora esta apreciação do dólar deverá alargar o défice externo
americano, num movimento oposto ao desejado por impulsos proteccionistas, pelo
que é possível que estes se intensifiquem algum tempo depois.
Na Europa em geral e em Portugal em particular podem
estimar-se dois efeitos positivos, da depreciação do euro e do contágio do
dinamismo americano ao continente europeu, quer por vida directa (do que
exportamos para os EUA), quer indirecta (do que exportamos para os países que
exportam para os EUA). Resta um efeito potencialmente negativo, que se prende
com a incerteza que deverá rodear a futura política económica e também militar
da maior potência mundial.
A depreciação do euro deverá ter impacto sobre a inflação da
zona euro, que o BCE estimava, em Setembro, que aceleraria para 1,2% em 2017 e
1,6% em 2018. Dado que a política monetária tem um desfasamento muito longo
sobre os preços (6 a 8 trimestres), o BCE deverá dar uma atenção especial às
previsões para 2018, já muito próximas da sua meta de inflação (“abaixo mas
perto de 2%”) que deverão ser claramente revistas em alta devido à evolução
cambial do euro. Deve ainda acrescentar-se que, infelizmente, o BCE encara a
sua meta de forma assimétrica, considerando pouco importante ficar muito abaixo
da meta, mas muito grave ficar um pouco acima dela.
Por isso, é mais do que provável que em Março do próximo
ano, quando cessa o programa de expansão quantitativa em vigor, ele não seja
substituído por mais nenhum outro e o BCE deixe de comprar dívida pública
portuguesa. Ou seja, aos efeitos atrás referidos há que acrescentar este,
deixando Portugal de estar anestesiado pela política do BCE e passando as
nossas taxas de juro a ficar muito mais vulneráveis. Isto não tem que se
traduzir necessariamente numa subida mais acentuada das taxas de juro da que se
verificar nos outros países (que é quase certo que venha a acontecer pela
alteração das políticas do BCE), mas vai implicar que os mercados vão ser
capazes de exercer uma vigilância mais apertada sobre as nossas políticas e
orçamentais. Na perspectiva do país, não se pode dizer que isso seja negativo,
mas na óptica do governo e seus apoiantes, o caminho ficará mais estreito.
[Publicado no jornal online ECO]
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