O “não” italiano de
Domingo colocou o país mais próximo de um referendo à permanência no euro.
1. O sistema constitucional italiano, tal como o português,
está, ironicamente, muito influenciado pela ditadura passada. Em Itália, o
sistema eleitoral dificulta a criação de governos maioritários e o facto de
haver um Senado e uma câmara baixa dificulta a aprovação de legislação. Em
Portugal, existe o primeiro problema, que se foi atenuando ao longo do tempo.
A ironia maior desta situação é uma ditadura ter uma
influência tão longa e perversa sobre o regime que a substitui. O receio da
concentração de poderes leva a criar um sistema de governo instável e lento a
tomar decisões o que dá um mau nome à democracia. A má reputação da democracia,
por seu lado, poderia dar popularidade a uma tentação autoritária que,
felizmente, não se tem materializado. Há aqui uma enorme perversão: o medo da
ditadura cria condições para o seu retorno.
A reforma referendada no domingo passado em Itália tinha o
objectivo de retirar quase todos os poderes ao Senado, justamente com o
propósito de agilizar a tomada de decisões. O argumento contra o medo da
ditadura fascista do passado fez-se ouvir, bem como críticas à qualidade da
reforma apresentada, nomeadamente por conter uma norma segundo a qual um
partido que ganhe as eleições com 40% teria um bónus de deputados por forma a
ficar com 56% dos deputados no parlamento. Qualquer que seja a importância
relativa destas duas críticas, a reforma foi claramente chumbada e o primeiro
ministro demitiu-se, como tinha prometido, embora houvesse professores de
ciência política que não acreditassem que cumprisse esta promessa.
O que se segue, no plano político, tanto poderá ser um novo
governo, liderado pelo próprio Renzi ou outro, até às eleições do início de
2018, ou eleições antecipadas. Seja qual for o momento que se realize um novo
acto eleitoral, o partido de Beppe Grillo está bem colocado nas sondagens e já
prometeu um novo referendo, desta vez à permanência do euro. O euro pode não
ser a causa dos problemas italianos, mas desde a sua entrada nesta nova moeda
só houve um país com um desempenho pior do que a Itália, a Grécia, pelo que é
impossível sobrevalorizar o impacto desestabilizador dum tal referendo.
No plano económico, a salvação do sistema bancário italiano
sofre um duro golpe, ficando muito mais difícil de concretizar num cenário de
múltiplas incertezas.
2. Hoje em dia, a história é subvalorizada, sendo pouco ensinada
na sua componente política, que é “mestra da vida”. No entanto, é indesmentível
que a chegada do exército otomano às portas de Viena, no século XVIII, tem um
peso importante no inconsciente colectivo da Áustria e da Hungria.
A última vez que Portugal esteve em guerra com Espanha foi
entre 1640 e 1668 e, mesmo assim, ainda não há muito tempo se olhava com grande
desconfiança em relação aos nossos vizinhos, com quem partilhamos inúmeras
características.
Em contrapartida, a Hungria tem uma história de invasões (a
última foi em 1956) e subjugação a poderes externos e é impossível que a
passagem de multidões de refugiados não faça vir ao de cima todos os medos do
inconsciente colectivo desta nação. Não se pode pedir a este país o mesmo que a
países com uma história mais tranquila.
No caso da Áustria, como centro de império, mais dono do seu
próprio destino, poderá não haver tantos receios como no caso da Hungria, mas o
trauma de assistir a Viena ameaçada está presente no inconsciente colectivo
deste povo e estará a ser reacendido pelo afluxo de refugiados de culturas
muito distintas.
Desta vez, a extrema-direita não ganhou as eleições, mas
obteve quase 47% dos votos, pelo que poderá chegar ao poder numa próxima
eleição.
A obsessão pela uniformização na UE, em vez da promoção de
liberdade, geradora de soluções mais criativas, está a levantar cada vez mais
problemas. Não se pode obrigar Estados com histórias completamente diferentes a
terem hoje as mesmas políticas, porque o passado carrega um peso significativo.
[Publicado no jornal online ECO]
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