O Secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais, que “não acautelou o interesse público” no caso dos
helicópteros Kamov, fará o mesmo no diferendo fiscal com a Galp?
A Galp ofereceu viagens para o Euro 2016 a vários membros do
governo e autarcas, do PS e da CDU, provavelmente não com o objectivo de obter
vantagens directas e imediatas disso, mas para “olear” o caminho para
necessidades futuras.
Parece imprescindível que a Galp seja obrigada a divulgar a
lista de todos os que aceitaram o convite, como castigo imediato à empresa e a
todos os beneficiados, mas também como profilaxia de ofertas futuras, desta e
de outras empresas. É possível que a ameaça da divulgação futura de uma lista
negra seja o suficiente para colocar um mínimo de bom senso e pudor em algumas
cabecinhas.
Fernando Rocha Andrade, o Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais envolvido no Galpgate, tem uma longa e infeliz história de funções
públicas. Entre 2005 e 2008 foi subsecretário de Estado da Administração
Interna, tendo sido uma personagem central do estranho caso dos helicópteros
Kamov, que foram entregues muito fora de prazo, para além de inúmeros problemas
de funcionamento. Nessa altura, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas,
de 2014, o então secretário de Estado “não acautelou o interesse público de
exigência do cumprimento integral dos contratos de fornecimento, tendo, ao
invés e numa altura de incumprimento contratual, que não podia desconhecer,
aligeirado os requisitos de entrega das aeronaves e flexibilizado as condições
de fornecimento e de pagamento.”
Estão em causa milhões de euros de indemnização a que o
Estado tinha direito e que foram simplesmente “perdoados”. Este gesto de Rocha
Andrade, não sendo necessariamente corrupto, levanta uma forte suspeição. O que
fez o Ministério Público, que recebeu o parecer do Tribunal de Contas através
do representante da Procuradora-Geral da República junto do Tribunal? Não é
público ou, pelo menos, não tenho conhecimento de nada. Caso não tenha feito
nada, tem que se dizer que a sua omissão é, ela própria, muito pouco tranquilizante.
Em 2016, nas suas novas funções no fisco, Rocha Andrade
conseguiu gerir da forma mais inábil possível a revisão da forma de cálculo do
IMI, revelando a sua enorme falta de tacto político. Infelizmente, a reforma
essencial que o IMI necessita ficou esquecida. A fórmula de avaliação de
imóveis usada pela Autoridade Tributária consegue esse prodígio de ignorância e
incompetência de NÃO usar o valor da renda recebida pelo imóvel.
Isto cria situações loucamente absurdas e injustas em que
dois andares em tudo o resto iguais, mas em que um tem uma renda antiga mínima
e outro uma renda actual são considerados como valendo o mesmo. Pior ainda, o
senhorio das rendas antigas, que já paga um imposto implícito brutal pelo
subsídio de rendas que é obrigado a fazer, porque o Estado não assume as suas
responsabilidades, é ainda obrigado a pagar tanto IMI como se recebesse uma
renda de mercado.
Passado pouco tempo deste infeliz episódio, eis que Rocha
Andrade nos brinda com uma nova demonstração da sua inadequação ao cargo que
ocupa, aceitando um convite da Galp que, por mera coincidência, tem o Estado em
tribunal por cerca de 200 milhões de euros que a empresa não quer pagar de
imposto.
Vários membros do governo já deram o caso por “encerrado”
mas, em primeiro lugar, não o pode fazer porque todos os dias há novos
desenvolvimentos e a revelação de novos convidados. Em seguida, porque ainda
não ouvimos a opinião do Presidente da República. Cheira-me que Rocha Andrade
só vai sair quando a sua saída já não ajudar nada o governo e só o prejudicar.
[Publicado no jornal “i”]
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