sábado, 22 de outubro de 2016

Destruir a credibilidade

A má execução do orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.

Desde o início que este governo teve um problema de credibilidade, não só pelo facto de estar aliado a parceiros com os quais esteve sempre contra, nas grandes questões do regime, como o sistema económico, a UE, e o euro, como pelo primeiro “esboço” de orçamento de 2016, repleto de desonestidades.

A estratégia económica, focada na procura interna em vez das exportações, e a estratégia orçamental, mais baseada no aumento da receita do que no controlo da despesa, estavam ambas erradas e já revelaram os seus maus resultados. A economia afundou logo no 1º trimestre do ano e as contas públicas só aparentemente estão controladas, por uma contenção excepcional e não prevista da despesa que, sem corresponder a qualquer reforma, não pode ser sustentável.

Infelizmente, o executivo não só não aprendeu nada, como começa o Relatório do Orçamento de 2017 com um parágrafo bizarro. Diz que, após a recessão de 2011 a 2014 se seguiu um crescimento “ténue”, o que é estranho porque em 2015 a economia cresceu 1,6%, mais do que, segundo o OE17, deverá crescer no próximo ano (1,5%).

É falso que tenha havido “uma paragem brusca no semestre imediatamente antes da tomada de posse do XXI Governo Constitucional.” Foi exactamente no semestre posterior e não no anterior.

Não é verdade que “Desde então encetou-se uma recuperação da actividade e da confiança”. A actividade desacelerou fortemente e a confiança dos empresários, nacionais e estrangeiros, caiu tanto que levou a uma quebra do investimento.

Fala-se também na estabilidade fiscal, num orçamento que cria, pelo menos, três novos impostos: sobre o imobiliário, sobre a alimentação e sobre as munições.

O conjunto de desonestidades é tal que é impossível fazer aqui a sua recensão integral, mas é evidente a quebra de credibilidade que lhe está associada. É suposto a “geração mais preparada de sempre” engolir isto?

Não me vou alongar a comentar os números deste documento, porque considero altamente provável que nesta sexta-feira ele fique desactualizado, quando a DBRS passar as perspectivas de rating de “estáveis” para “negativas”.

Gostava de sublinhar que o orçamento de 2017 se inicia com dois problemas de base, nos resultados finais de 2016. É muito provável que a economia não cresça os 1,2% estimados, que implicariam que, a partir do 3º trimestre, o crescimento “saltasse” para 1,5%, para aí permanecer durante os cinco trimestres seguintes. Também é duvidoso que o défice do corrente ano consiga permanecer nos 2,4% do PIB, dada a péssima evolução da receita pública, como é muito difícil de acreditar que a despesa pública possa permanecer tão artificialmente contida como até agora.

As medidas discricionárias tomadas vão no sentido de aumentar o défice, esperando-se que o crescimento económico e outros efeitos façam todo o trabalho de consolidação orçamental, para reduzir o défice para 1,6% do PIB o que, no mínimo, é imprudente.

Apesar de tudo, no papel, esta proposta de orçamental não é tão desfasada da realidade do que a anterior. No entanto, a má execução do orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.

As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor


[Publicado no jornal online ECO]

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