Há fortes indicações
que o Banco de Portugal não aprendeu nada com o caso BES e que continua a
permitir que os bancos vendam aos seus clientes, de forma encapotada e
desequilibrada, dívida muito arriscada do próprio banco.
O Banco de Portugal diz preocupar-se com a literacia
financeira dos portugueses, tendo um programa activo nesse sentido, cujo
alcance desconheço, mas que suspeito ser diminuto.
Há um princípio básico da gestão de património que é o da
diversificação que, em linguagem corrente é formulado como “não pôr os ovos
todos no mesmo cesto”. É assustador como ainda hoje se houve dizer, por exemplo
por parte de alguns lesados dos BES, que puseram em papel comercial desta
instituição todas as poupanças de uma vida. Isso é um erro terrível, uma
violação total do princípio da diversificação.
Dependendo do montante do património, o ideal é reparti-lo
entre, por um lado, activos reais, tais como imobiliário, ouro, jóias e obras
de arte e, por outro, activos financeiros, tais como depósitos, obrigações,
acções e fundos de vária índole. Dadas as facilidades permitidas hoje em dia, é
preferível diversificar os países e as moedas em que fazem estas aplicações e,
também, os próprios bancos com os quais trabalham, devido aos limites de
protecção dos depósitos e, agora também, devido à ameaça de devassa fiscal.
Vem isto a propósito de um pedido de aconselhamento
financeiro de um amigo, que me deixou inquieto. O curioso é que esta
solicitação surgiu do facto de ele ter visto o nome “Espírito Santo” na
carteira de participações de um produto que tinha subscrito, que lhe fez soar
todas as campainhas de alarme, o que diz tudo sobre o que aconteceu àquela
marca. No entanto, como verifiquei, não havia razões para alarme aí, porque
essa participação estava registada a 0,01% do valor nominal, ou seja, já tinha
sido assumida uma perda de 99,99%, havendo a hipótese de ainda se receber
alguma coisa.
O problema era, em primeiro lugar a opacidade e falta de
informação prestada pelo banco, numa clara tentativa de explorar a falta de
literacia financeira dos clientes. Era apresentada a carteira de investimento
dos dois produtos em causa, mas não a sua estrutura, para além de não ser
referida o número de unidades de participação do cliente, o que permitia
mascarar perdas de capital.
Em segundo lugar, havia a questão de as carteiras serem
completamente desequilibradas, desrespeitando o tal princípio da diversificação.
Numa havia quase 90% de obrigações do próprio banco e noutra havia “só” 50% de
obrigações do banco, com o “detalhe” de estas obrigações serem subordinadas, ou
seja, o tipo mais arriscado de obrigações.
É impossível que o Banco de Portugal não saiba o que os
bancos andam a vender aos seus clientes e é incompreensível como é que produtos
tão desequilibrados possam ser comercializados. Deveria haver limites
conservadores à exposição a uma única entidade e mais fortes ainda quando essa
entidade é o próprio banco. Para o caso de produtos anteriores a uma eventual
nova regulamentação poder-se-á admitir um período de transição, para não forçar
movimentações demasiado bruscas, que possam colocar em causa os próprios
valores dos produtos.
Além disso, o Banco de Portugal deveria ser muito mais
exigente na forma como os bancos apresentam a informação que prestam aos seus
clientes o que, em si mesmo, será uma forma de melhorar a literacia financeira
de todos.
PS. Com este artigo, despeço-me dos meus leitores neste
jornal, agradecendo as vossas leituras e comentários e esperando que me possam
acompanhar muito em breve, num novo jornal digital especializado em economia, o
ECO.
[Publicado no jornal “i”]
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