sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Banco de Portugal não aprende

Há fortes indicações que o Banco de Portugal não aprendeu nada com o caso BES e que continua a permitir que os bancos vendam aos seus clientes, de forma encapotada e desequilibrada, dívida muito arriscada do próprio banco.

O Banco de Portugal diz preocupar-se com a literacia financeira dos portugueses, tendo um programa activo nesse sentido, cujo alcance desconheço, mas que suspeito ser diminuto.

Há um princípio básico da gestão de património que é o da diversificação que, em linguagem corrente é formulado como “não pôr os ovos todos no mesmo cesto”. É assustador como ainda hoje se houve dizer, por exemplo por parte de alguns lesados dos BES, que puseram em papel comercial desta instituição todas as poupanças de uma vida. Isso é um erro terrível, uma violação total do princípio da diversificação.

Dependendo do montante do património, o ideal é reparti-lo entre, por um lado, activos reais, tais como imobiliário, ouro, jóias e obras de arte e, por outro, activos financeiros, tais como depósitos, obrigações, acções e fundos de vária índole. Dadas as facilidades permitidas hoje em dia, é preferível diversificar os países e as moedas em que fazem estas aplicações e, também, os próprios bancos com os quais trabalham, devido aos limites de protecção dos depósitos e, agora também, devido à ameaça de devassa fiscal.

Vem isto a propósito de um pedido de aconselhamento financeiro de um amigo, que me deixou inquieto. O curioso é que esta solicitação surgiu do facto de ele ter visto o nome “Espírito Santo” na carteira de participações de um produto que tinha subscrito, que lhe fez soar todas as campainhas de alarme, o que diz tudo sobre o que aconteceu àquela marca. No entanto, como verifiquei, não havia razões para alarme aí, porque essa participação estava registada a 0,01% do valor nominal, ou seja, já tinha sido assumida uma perda de 99,99%, havendo a hipótese de ainda se receber alguma coisa.

O problema era, em primeiro lugar a opacidade e falta de informação prestada pelo banco, numa clara tentativa de explorar a falta de literacia financeira dos clientes. Era apresentada a carteira de investimento dos dois produtos em causa, mas não a sua estrutura, para além de não ser referida o número de unidades de participação do cliente, o que permitia mascarar perdas de capital.

Em segundo lugar, havia a questão de as carteiras serem completamente desequilibradas, desrespeitando o tal princípio da diversificação. Numa havia quase 90% de obrigações do próprio banco e noutra havia “só” 50% de obrigações do banco, com o “detalhe” de estas obrigações serem subordinadas, ou seja, o tipo mais arriscado de obrigações.

É impossível que o Banco de Portugal não saiba o que os bancos andam a vender aos seus clientes e é incompreensível como é que produtos tão desequilibrados possam ser comercializados. Deveria haver limites conservadores à exposição a uma única entidade e mais fortes ainda quando essa entidade é o próprio banco. Para o caso de produtos anteriores a uma eventual nova regulamentação poder-se-á admitir um período de transição, para não forçar movimentações demasiado bruscas, que possam colocar em causa os próprios valores dos produtos.

Além disso, o Banco de Portugal deveria ser muito mais exigente na forma como os bancos apresentam a informação que prestam aos seus clientes o que, em si mesmo, será uma forma de melhorar a literacia financeira de todos.

PS. Com este artigo, despeço-me dos meus leitores neste jornal, agradecendo as vossas leituras e comentários e esperando que me possam acompanhar muito em breve, num novo jornal digital especializado em economia, o ECO.


[Publicado no jornal “i”]

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