Devemos respeitar os
medos de milhões de eleitores e ponderar a suspensão temporária da liberdade de
circulação de trabalhadores na UE
A integração europeia tem-se caracterizado pelo
aprofundamento de 4 liberdades económicas: livre circulação de bens, de
serviços, de capital e de trabalhadores.
A liberdade de circulação de bens é a mais difundida no
mundo, sendo a mais consensual. Ironicamente, a maior excepção a esta regra
refere-se aos bens agrícolas, regidos pela Política Agrícola Comum (PAC), a
maior contradição dos princípios de economia de mercado da UE e o mais
escandaloso desperdício de recursos públicos da Comunidade, que se tem revelado
impossível de reformar por puro capricho e interesse da França.
A livre circulação de serviços não está tão difundida, mas
ainda é relativamente consensual, tem grandes afinidades com a anterior e os
serviços são hoje uma componente muito mais vasta do PIB do que os bens nas
economias avançadas.
A liberdade de circulação de capitais é claramente um luxo
de países ricos, havendo vários estudos a revelar que tentar impor isso a
economias menos desenvolvidas é o caminho para o desastre. Por isso, pretender
que em todos os Estados da UE exista esta liberdade é uma fantasiosa perigosa.
Felizmente, vários destes países nem sequer reúnem condições para participar no
Mecanismo de Taxas de Câmbio II, quanto mais ter liberdade de circulação de
capitais.
A livre circulação de trabalhadores (não façam confusão, é
de trabalhadores e não de pessoas que se trata) é, neste momento, uma das
questões politicamente mais quentes, estando a alimentar partidos em toda a
Europa e tendo sido um dos maiores impulsionadores do voto Brexit.
Pode ser que a liberdade de circulação de trabalhadores
seja, a nível macroeconómico, uma vantagem, mas também é provável que ela tenha
afectado alguns segmentos mais frágeis. Também é possível que o maior
ressentimento seja contra imigrantes vindos de países de fora da UE.
Penso que existem razões objectivas e subjectivas para que largas
franjas da população europeia esteja contra a liberdade de circulação de
trabalhadores e vir com discursos cor-de-rosa sobre as vantagens da imigração
não vai acalmar ninguém, só vai exaltar ânimos, porque as pessoas em causa vão
sentir, com toda a razão, que não estão a ser ouvidas.
Não há nada de mais político do que lidar com as razões
subjectivas do medo da imigração descontrolada ou quaisquer outros medos.
Infelizmente, demasiados políticos europeus têm considerado os sentimentos
destes eleitores como “feios” e decidiram ignorar estes sentimentos e até estes
eleitores. Ou seja, estão a empurrá-los e a entregá-los de mão beijada aos
políticos radicais, os que não têm quaisquer pruridos.
Recordemos que, nos anos 60, milhões de portugueses,
espanhóis, gregos e turcos emigraram para o Norte da Europa, quando não havia
liberdade de circulação de trabalhadores. Assim, talvez tenha chegado o momento
de ponderar uma suspensão temporária da liberdade de circulação de
trabalhadores, que estará muito longe de ser equivalente à proibição de
circulação, mas antes a um controlo da circulação, para sossegar muitos
eleitores. Coloco esta hipótese em cima da mesa, para ser discutida da forma
mais equilibrada, pragmática, racional e calma possível.
Temo que a falta de respeito pelos medos destes milhões de
eleitores e uma rigidez absurda na “defesa” do status quo se venha a traduzir na ruína total do status quo que se se pretende preservar.
[Publicado no jornal “i”]
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