quinta-feira, 30 de maio de 2013

"Porque devemos sair do euro" (I)

João Ferreira do Amaral defende que Portugal saia do euro mas em termos pouco realistas


João Ferreira do Amaral (JFA) publicou recentemente um livro, "Porque Devemos Sair do Euro" (2013, Lua de Papel), em que faz uma análise importante da crise do euro. Diria que há dois grupos de argumentos principais, políticos e económicos, que apresenta para recomendar que Portugal saia do euro.

Em termos políticos, o euro correspondeu a uma perda de soberania - sobretudo em termos de política monetária, mas não só - que JFA, pela sua atitude claramente patriótica, recomenda que recuperemos.
Em termos económicos, ainda antes da entrada no euro, JFA tinha sido das vozes mais credíveis a criticar um projecto que, em seu entender, era totalmente inadequado às características da economia portuguesa.

No seu livro, JFA apresenta uma definição extremamente interessante de competitividade (pp. 84-85), ao colocar a ênfase na sua dimensão dinâmica (capacidade de inovar, etc.), ao contrário das visões mais comuns, estritamente estáticas.

Passando agora a analisar aquilo que no seu livro me parece menos conseguido, começaria por dizer que me surpreende que a sua recomendação de saída do euro seja apresentada como necessitando da estabilização da crise do euro como condição prévia para ser concretizada. Como considero que não há, nem deverá haver, qualquer tipo de estabilização da crise do euro, é como se a sua recomendação nunca viesse a ter hipóteses de ser aplicada.

Em segundo lugar, as cinco condições que coloca para a saída do euro merecem-me as maiores reservas. Esta semana tratarei apenas da primeira: "a) Anunciar-se-ia amplamente (e cumprir-se-ia, claro) que as aplicações financeiras em instituições portuguesas manteriam o seu valor em euros, de modo a não gerar um pânico na transição para a nova moeda; quanto ao Estado, continuaria a honrar a sua dívida em euros. Esta garantia deveria ser prestada pelas autoridades nacionais e comunitárias em conjunto." (p. 119).

Esta ideia parece-me ineficiente, injusta e impraticável. Considero-a ineficiente porque, para evitar uma fuga de depósitos, há uma forma muito mais económica de o fazer: suspender a liberdade de circulação de capitais, como se aplicou em Chipre, limitando os levantamentos (e transferências) mensais dos particulares a, digamos, 5 mil euros por mês.

Em Março de 2013, os depósitos de particulares representavam 75% do PIB, enquanto os depósitos das empresas equivaliam a apenas 16% do PIB. No caso das empresas, em que os depósitos não são poupança, mas sobretudo liquidez, não poderá haver um limite tão estrito aos levantamentos e transferências, porque isso as paralisaria. Para além disso, como estes fundos são essenciais ao movimento quotidiano, o risco de fuga é menor.

Aquela medida seria também profundamente injusta porque forçaria o Estado português (já explico porque é que não faz sentido esperar pela ajuda dos nossos parceiros comunitários) a assumir um aumento brutal da dívida pública, para proteger sobretudo os grandes depositantes, onde se concentram o maior volume de depósitos. Porquê sobrecarregar ainda mais os contribuintes portugueses para defender o património dos mais ricos? Para além disso, como detalho no meu livro "O Fim do Euro em Portugal?" (2012, Actual Editora, grupo Almedina), haverá perdas brutais de valor na generalidade dos activos financeiros e mesmo no imobiliário. Porquê oferecer esta garantia excepcional aos depósitos quando tudo o resto não poderá usufruir deste mesmo benefício?

Finalmente, considero esta proposta impraticável em dois planos. Num primeiro plano, a dívida pública portuguesa caminha a passos largos para os 130% do PIB, um nível obviamente insustentável que forçará a doses consideráveis de inflação quando sairmos do euro. Como justificar mais dívida e mais inflação para proteger os maiores depósitos?

Num segundo plano, JFA parece ignorar que a saída de Portugal não deixaria o resto da zona do euro intacta, antes iniciaria um efeito de dominó que conduziria à provável desagregação de todo este espaço monetário. Por isso, o apoio que espera dos parceiros comunitários para a sua proposta de saída parece-me impraticável.

Na próxima semana continuarei esta análise.

[Publicado no jornal i]

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