sexta-feira, 7 de junho de 2013

“Porque devemos sair do euro” (II)

A saída do euro deverá provocar uma forte reestruturação da dívida externa

Prossigo esta semana a análise do livro que João Ferreira do Amaral (JFA) publicou recentemente, Porque devemos sair do euro (2013, Lua de Papel).

JFA coloca cinco condições para a saída do euro. A primeira, como vimos na semana anterior, é que: “a) (…) as aplicações financeiras em instituições portuguesas manteriam o seu valor em euros (…)” (p. 119). Como detalhei então, considero esta condição ineficiente, injusta e impraticável.

As duas condições seguintes são: “b) O balanço dos bancos não seria prejudicado, pelo que os créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização [inicial] desta.” e “c) Para evitar um incumprimento generalizado por parte dos devedores à Banca, o Estado substituir-se-ia a estes no montante do aumento da dívida em moeda nacional que resultasse da desvalorização [inicial]. (…)” (p. 119-120).

Em ambos estes requisitos, acrescentei em parêntesis rectos o termo “inicial”, porque isso me parece traduzir mais fielmente a intenção do autor. Caso contrário seria como manter indefinidamente aqueles créditos indexados ao euro, o que seria calamitoso.

Em seguida, é justo sinalizar a coerência interna destas propostas. Não concordo com elas, mas tenho que reconhecer que são coerentes entre si.

Num artigo publicado pouquíssimo tempo após o início da crise do euro (“Sistema bancário em risco”, Jornal de Negócios, 2 de Dezembro de 2009), já tinha alertado para os gravíssimos riscos que se avizinhavam para o sistema bancário português, sugerindo que se deveria olhar para a Grécia como um indicador avançado de Portugal. Ao contrário do que sugere a condição “b)”, é evidente que o balanço dos bancos será fortemente afectado, sendo totalmente impraticável que os créditos às famílias e empresas mantivessem o valor que tinham em euros.

As previsões da OCDE, entretanto divulgadas, vieram reforçar o aviso, que eu já tinha feito – implicitamente – na semana passada, de que a dívida pública portuguesa se encontrava numa trajectória insustentável. Neste contexto, sugerir a assunção de mais responsabilidades do Estado, como as descritas na condição “c)”, é completamente irrealista.

A saída do euro vai forçar a uma reestruturação da dívida externa (não confundir com dívida pública), actualmente superior a 110% do PIB. A maior parte desta dívida é pública, mas os bancos também são responsáveis por uma porção significativa dela. Só a desvalorização inicial iria provocar uma subida brutal da dívida externa, que passaria a estar denominada em divisas. Para pagar os juros desta dívida externa teríamos que gerar superavits externos elevadíssimos, agravando ainda mais a perda de poder de compra associada à saída do euro.

Entraríamos num ciclo vicioso terrível: quanto mais elevados os superavits externos exigidos para estabilizar a dívida externa, maior seria a desvalorização necessária para os atingir; quanto maior a desvalorização, maior seria a subida sofrida na dívida externa em percentagem do PIB; quanto maior a dívida externa, tanto maiores teriam que ser os superavits externos para a estabilizar.

Não faz qualquer sentido entrar neste processo votado ao fracasso, infligindo um sofrimento terrível e profundamente inútil aos portugueses, de adiar o reconhecimento daquilo que deve ser óbvio desde as primeiras horas: quando sair do euro, Portugal não tem – absolutamente nenhumas – hipóteses de honrar os seus compromissos externos.

Chega de sofrimento inútil!

Quem negociar a saída do euro, tem que ser absolutamente intransigente neste princípio: quando sair do euro, quer seja pelo seu próprio pé, quer devido ao desmoronamento da moeda única (o cenário mais provável), Portugal tem que exigir uma reestruturação da dívida externa. E – por amor de Deus! – nada de seguir o disparate da reestruturação da dívida grega, que trouxe todos os custos de uma reestruturação (a proibição de voltar aos mercados), sem nenhum dos benefícios habituais, tornar a dívida sustentável que, no caso grego, continua numa escalada imparável.


Prosseguiremos esta análise na próxima semana.

[Publicado no jornal i]

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