A saída do euro deverá
provocar uma forte reestruturação da dívida externa
Prossigo esta semana a análise do livro que João Ferreira do
Amaral (JFA) publicou recentemente, Porque
devemos sair do euro (2013, Lua de Papel).
JFA coloca cinco condições para a saída do euro. A primeira,
como vimos na semana anterior, é que: “a) (…) as aplicações financeiras em
instituições portuguesas manteriam o seu valor em euros (…)” (p. 119). Como
detalhei então, considero esta condição ineficiente, injusta e impraticável.
As duas condições seguintes são: “b) O balanço dos bancos
não seria prejudicado, pelo que os créditos a famílias, empresas e Estado
aumentariam na nova moeda em função da desvalorização [inicial] desta.” e “c)
Para evitar um incumprimento generalizado por parte dos devedores à Banca, o
Estado substituir-se-ia a estes no montante do aumento da dívida em moeda
nacional que resultasse da desvalorização [inicial]. (…)” (p. 119-120).
Em ambos estes requisitos, acrescentei em parêntesis rectos
o termo “inicial”, porque isso me parece traduzir mais fielmente a intenção do
autor. Caso contrário seria como manter indefinidamente aqueles créditos
indexados ao euro, o que seria calamitoso.
Em seguida, é justo sinalizar a coerência interna destas
propostas. Não concordo com elas, mas tenho que reconhecer que são coerentes
entre si.
Num artigo publicado pouquíssimo tempo após o início da
crise do euro (“Sistema bancário em risco”, Jornal
de Negócios, 2 de Dezembro de 2009), já tinha alertado para os gravíssimos
riscos que se avizinhavam para o sistema bancário português, sugerindo que se
deveria olhar para a Grécia como um indicador avançado de Portugal. Ao
contrário do que sugere a condição “b)”, é evidente que o balanço dos bancos
será fortemente afectado, sendo totalmente impraticável que os créditos às
famílias e empresas mantivessem o valor que tinham em euros.
As previsões da OCDE, entretanto divulgadas, vieram reforçar
o aviso, que eu já tinha feito – implicitamente – na semana passada, de que a
dívida pública portuguesa se encontrava numa trajectória insustentável. Neste
contexto, sugerir a assunção de mais responsabilidades do Estado, como as
descritas na condição “c)”, é completamente irrealista.
A saída do euro vai forçar a uma reestruturação da dívida
externa (não confundir com dívida pública), actualmente superior a 110% do PIB.
A maior parte desta dívida é pública, mas os bancos também são responsáveis por
uma porção significativa dela. Só a desvalorização inicial iria provocar uma
subida brutal da dívida externa, que passaria a estar denominada em divisas. Para
pagar os juros desta dívida externa teríamos que gerar superavits externos
elevadíssimos, agravando ainda mais a perda de poder de compra associada à
saída do euro.
Entraríamos num ciclo vicioso terrível: quanto mais elevados
os superavits externos exigidos para estabilizar a dívida externa, maior seria
a desvalorização necessária para os atingir; quanto maior a desvalorização,
maior seria a subida sofrida na dívida externa em percentagem do PIB; quanto
maior a dívida externa, tanto maiores teriam que ser os superavits externos
para a estabilizar.
Não faz qualquer sentido entrar neste processo votado ao
fracasso, infligindo um sofrimento terrível e profundamente inútil aos
portugueses, de adiar o reconhecimento daquilo que deve ser óbvio desde as
primeiras horas: quando sair do euro, Portugal não tem – absolutamente nenhumas
– hipóteses de honrar os seus compromissos externos.
Chega de sofrimento inútil!
Quem negociar a saída do euro, tem que ser absolutamente
intransigente neste princípio: quando sair do euro, quer seja pelo seu próprio
pé, quer devido ao desmoronamento da moeda única (o cenário mais provável),
Portugal tem que exigir uma reestruturação da dívida externa. E – por amor de
Deus! – nada de seguir o disparate da reestruturação da dívida grega, que
trouxe todos os custos de uma reestruturação (a proibição de voltar aos
mercados), sem nenhum dos benefícios habituais, tornar a dívida sustentável
que, no caso grego, continua numa escalada imparável.
Prosseguiremos esta análise na próxima semana.
[Publicado no jornal i]
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