João Ferreira do
Amaral defende que Portugal saia do euro, mas não fala sobre as consequências
dessa saída
Concluindo a análise do recente livro de João Ferreira do
Amaral (JFA), passo a analisar a quarta condição para a saída: “d) Entraríamos
no Mecanismo de Taxas de Câmbio II (…) Tal significaria que, ajudados pelo BCE,
teríamos de manter a nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação a uma
taxa de referência (…)” (p. 120).
Estou totalmente em desacordo com esta ideia. Em primeiro
lugar, considero que a saída de um país do euro desencadearia, com elevada
probabilidade, a desagregação do euro. Por isso, a própria sobrevivência do BCE
ficaria posta em causa.
Em segundo lugar, passaríamos a ter que defender a taxa de
câmbio do novo escudo contra os mercados de capitais. Hoje, temos que defender
as taxas de juro da dívida pública e apenas mudaríamos o campo de batalha.
Seria como passar da frigideira para o lume.
Há aqui uma diferença decisiva. Como a esmagadora maioria da
dívida pública portuguesa que não está nas mãos dos credores oficiais, está na
posse dos investidores internacionais, não temos outro remédio senão ficar
submetidos ao ditame dos mercados. A única forma de evitar isto seria pagarmos
a dívida, o que exigiria não apenas reduzir o défice público, mas ter, durante
muito tempo, superavits orçamentais significativos. Dadas as dificuldades que
temos tido com as contas públicas, uma tal condição é meramente fantasiosa.
Mas em relação à taxa de câmbio não temos a mesma obrigação
e existe uma forma muito simples de deixar de estar (tão) submetido aos
mercados: acabar com a liberdade de circulação de capitais, sobretudo os de
curto prazo, que já foi amplamente demonstrado serem, não apenas inúteis, mas
altamente prejudiciais.
A quinta condição fixada por JFA é: “e) Seria obtida a
cooperação das autoridades europeias em dois pilares: governos e BCE. (…)” (p.
120). Este requisito é óbvio, embora os termos exactos que JFA descreve, com
que não vou maçar os leitores, me parecem também pouco realistas.
Tenho que confessar que a obra de JFA me desiludiu bastante.
Para quem anda há tanto tempo a clamar, desde logo, contra a entrada de
Portugal no euro e, agora, a defender a saída (aparentemente unilateral) do
euro, esperar-se-ia uma argumentação mais detalhada de todo este processo e das
suas consequências.
Em vez disto, temos um livro com menos de 130 páginas,
muitas das quais a detalhar de forma excessiva o processo de criação de moeda.
Lamento dizer isto, até porque JFA teve a amabilidade de
apresentar o meu livro em termos bastante elogiosos (O fim do euro em Portugal?, 2012, Actual Editora, grupo Almedina),
que aliás refere (p. 117).
Tenho pena de dizer que a obra de JFA me parece falhar em
dois aspectos cruciais: 1) o irrealismo das condições propostas de saída do
euro; 2) a quase total ausência de descrição das consequências da saída do
euro. Para quem advoga a saída, esperava-se que não escondesse o que daí
decorreria.
No meu livro (peço desculpa por puxar as brasas à minha
sardinha), parto do princípio de uma desvalorização de 20% e detalho as suas consequências
na inflação, nas contas públicas, nos salários reais e emprego, nos diferentes
instrumentos financeiros (depósitos bancários, obrigações a taxa fixa,
obrigações a taxa indexada, acções) e nos activos reais (imobiliário, arte,
metais preciosos).
Com este trabalho de base, seria de esperar ou uma crítica,
sugerindo consequências alternativas, ou um aprofundamento da análise.
Infelizmente, JFA não faz uma coisa nem outra e isso é tanto mais difícil de
compreender, já que defende a saída do euro. Quem defende uma solução tão
drástica deve ter plena consciências das suas consequências e não as esconder
junto daqueles que pretende convencer.
Termino apenas salientando que eu não defendo a saída do
euro, apenas prevejo que isso venha a acontecer, devido às fragilidades da
moeda única e da impossibilidade de se gerarem condições políticas para
construir uma solução estrutural.
[Publicado no jornal "i"]
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