sexta-feira, 21 de junho de 2013

Falta de estudo

António José Seguro levou a Paris uma proposta que revela uma total falta de estudo

Um dos maiores problemas da política portuguesa é a falta de pensamento estratégico. Esta ausência é quase total nos partidos políticos, o que é inacreditável. Como é que é possível que quem gere os destinos do país, ou pretende fazê-lo no futuro, não tenha uma visão de longo prazo para enquadrar a acção dos governos?

O saudoso Ernâni Lopes dizia, e muito bem, que desde 1995 o país estava “à deriva”, uma imagem condizente com a sua formação militar na Marinha.

A minha experiência pessoal como membro do gabinete de estudos do PSD, entre 2008 e 2010, foi extremamente frustrante. A ausência de respostas às nossas propostas e comentários impediu que aquelas dezenas de pessoas, em regime de voluntariado, avançassem nos estudos, porque não faz sentido trabalhar no aprofundamento de um caminho se não se sabe se é esse que o partido quer seguir. O meu grupo de trabalho, sobre macroeconomia, teve mais tempo e atenção para comentar os dados do PIB do 2º trimestre do que as nossas propostas para o programa eleitoral.

Tendo tomado consciência da inutilidade do meu trabalho, saí do gabinete de estudos e do PSD.
Infelizmente, como veremos em seguida, tudo indica que as coisas no PS são tão más ou piores.
António José Seguro acaba de propor que “a UE estabeleça como objectivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego superior à média europeia”. Isto é um disparate múltiplo. Em primeiro lugar, é uma quase impossibilidade aritmética: a única forma de não haver casos acima da média é que todos eles sejam iguais.

Em segundo lugar, isto é economicamente impossível. Como é que se poderia forçar esta regra a ser cumprida? Isto faz tão pouco sentido como decretar que nos hospitais não pode haver nenhum doente com uma febre acima da febre média de todos os hospitais. Era bom que assim fosse, mas como é que se pretende atingir isso? 

O pior disto tudo, é que isto não é uma “boca” para entreter o público local. Isto é uma proposta que o líder do PS levou ao Fórum dos Progressistas Europeus, que juntou na capital francesa líderes dos partidos socialistas de países do sul da Europa. Esperar-se-ia que uma ideia destas fosse objecto de uma reflexão mínima, envolvendo assessores técnicos e consultores políticos.

António José Seguro gabarolava-se há não muito tempo que já tinha ministro das Finanças para o seu governo. Ninguém percebeu porque é que esse “personagem de mistério” permaneceu incógnito até hoje. Mas hoje gostaríamos muito se saber se essa promessa de ministro viu esta proposta, a estudou e a aprovou. É que das duas uma: ou esta figura não sabe aritmética básica e então não tem a menor competência para ministro das Finanças; ou Seguro não lhe liga nenhuma e ficamos com sérias dúvidas sobre o peso político desse eventual ministro.

Não tentem comparar este caso com a confusão de Guterres sobre o cálculo de uma percentagem do PIB. Aquela situação, sabemos hoje, ocorreu no dia em que o então candidato a primeiro-ministro tinha tomado conhecimento de uma grave notícia médica sobre a sua mulher. É mais do que desculpável que se tenha atrapalhado, a sua cabeça e coração deveriam estar bem longe dali.

A segunda diferença reside entre uma situação improvisada, ser apanhado por uns jornalistas, e uma proposta planeada, para ser apresentada num contexto internacional.

Passos Coelho chegou a primeiro-ministro, tal como a esmagadora maioria dos seus ministros, fortemente impreparado para a situação que já se sabia que ia enfrentar. António José Seguro, tudo indica, se chegar a primeiro-ministro, estará ainda mais impreparado do que o actual chefe do executivo. Péssimas notícias para Portugal.

Em contrapartida, se o desastre que vivemos provocar um terramoto político, como já aconteceu na Grécia, tudo indica que nem o PSD nem o PS merecem sobreviver.


PS. A falta de coragem de Seguro em assumir uma posição do seu partido face à greve dos professores também não augura nada de bom. 

[publicado no jornal i]

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