António José Seguro
levou a Paris uma proposta que revela uma total falta de estudo
Um dos maiores problemas da política portuguesa é a falta de
pensamento estratégico. Esta ausência é quase total nos partidos políticos, o
que é inacreditável. Como é que é possível que quem gere os destinos do país,
ou pretende fazê-lo no futuro, não tenha uma visão de longo prazo para
enquadrar a acção dos governos?
O saudoso Ernâni Lopes dizia, e muito bem, que desde 1995 o
país estava “à deriva”, uma imagem condizente com a sua formação militar na
Marinha.
A minha experiência pessoal como membro do gabinete de
estudos do PSD, entre 2008 e 2010, foi extremamente frustrante. A ausência de
respostas às nossas propostas e comentários impediu que aquelas dezenas de
pessoas, em regime de voluntariado, avançassem nos estudos, porque não faz
sentido trabalhar no aprofundamento de um caminho se não se sabe se é esse que
o partido quer seguir. O meu grupo de trabalho, sobre macroeconomia, teve mais
tempo e atenção para comentar os dados do PIB do 2º trimestre do que as nossas
propostas para o programa eleitoral.
Tendo tomado consciência da inutilidade do meu trabalho, saí
do gabinete de estudos e do PSD.
Infelizmente, como veremos em seguida, tudo indica que as
coisas no PS são tão más ou piores.
António José Seguro acaba de propor que “a UE estabeleça
como objectivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego
superior à média europeia”. Isto é um disparate múltiplo. Em primeiro lugar, é
uma quase impossibilidade aritmética: a única forma de não haver casos acima da
média é que todos eles sejam iguais.
Em segundo lugar, isto é economicamente impossível. Como é
que se poderia forçar esta regra a ser cumprida? Isto faz tão pouco sentido
como decretar que nos hospitais não pode haver nenhum doente com uma febre
acima da febre média de todos os hospitais. Era bom que assim fosse, mas como é
que se pretende atingir isso?
O pior disto tudo, é que isto não é uma “boca” para entreter
o público local. Isto é uma proposta que o líder do PS levou ao Fórum dos
Progressistas Europeus, que juntou na capital francesa líderes dos partidos
socialistas de países do sul da Europa. Esperar-se-ia que uma ideia destas
fosse objecto de uma reflexão mínima, envolvendo assessores técnicos e
consultores políticos.
António José Seguro gabarolava-se há não muito tempo que já
tinha ministro das Finanças para o seu governo. Ninguém percebeu porque é que
esse “personagem de mistério” permaneceu incógnito até hoje. Mas hoje
gostaríamos muito se saber se essa promessa de ministro viu esta proposta, a
estudou e a aprovou. É que das duas uma: ou esta figura não sabe aritmética
básica e então não tem a menor competência para ministro das Finanças; ou
Seguro não lhe liga nenhuma e ficamos com sérias dúvidas sobre o peso político
desse eventual ministro.
Não tentem comparar este caso com a confusão de Guterres
sobre o cálculo de uma percentagem do PIB. Aquela situação, sabemos hoje,
ocorreu no dia em que o então candidato a primeiro-ministro tinha tomado
conhecimento de uma grave notícia médica sobre a sua mulher. É mais do que desculpável
que se tenha atrapalhado, a sua cabeça e coração deveriam estar bem longe dali.
A segunda diferença reside entre uma situação improvisada,
ser apanhado por uns jornalistas, e uma proposta planeada, para ser apresentada
num contexto internacional.
Passos Coelho chegou a primeiro-ministro, tal como a
esmagadora maioria dos seus ministros, fortemente impreparado para a situação
que já se sabia que ia enfrentar. António José Seguro, tudo indica, se chegar a
primeiro-ministro, estará ainda mais impreparado do que o actual chefe do
executivo. Péssimas notícias para Portugal.
Em contrapartida, se o desastre que vivemos provocar um
terramoto político, como já aconteceu na Grécia, tudo indica que nem o PSD nem
o PS merecem sobreviver.
PS. A falta de coragem de Seguro em assumir uma posição do
seu partido face à greve dos professores também não augura nada de bom.
[publicado no jornal i]
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