Ao ameaçar com a saída
do euro, o governo poderá ter resultados contraproducentes
A 30 de Abril, o ministério das Finanças publicou o Documento de Estratégia Orçamental 2013–2017,
de que transcrevo um excerto (p. v): “A alternativa de regressar a comportamentos
passados implica, numa versão mais radical, a bancarrota e a saída do euro.”
Posteriormente, o primeiro-ministro reforçou esta ameaça de
duas formas. Em primeiro lugar, avisando que a saída do euro traria consigo uma
desvalorização da moeda entre 30% e 35% e uma concomitante perda de poder de
compra. Em segundo lugar, Passos Coelho salientou que, mesmo depois da troika sair do país, o caminho a
percorrer continuará a ser muito estreito.
Não me parece que a ameaça seja a atitude mais feliz que um
primeiro-ministro possa ter e também duvido que ela seja eficaz para fazer
aprovar as medidas necessárias. Quererá chegar ao consenso através da ameaça? O
governo deveria tentar usar um especialista em inteligência emocional para
comunicar.
Gostaria de fazer aqui um parêntesis sobre uma das medidas
concretas, a redução de 30 mil efectivos, a conseguir através de rescisões por
mútuo acordo e do novo Sistema de Requalificação da Administração Pública. Não
é esclarecida quantos trabalhadores sairiam da função por mútuo acordo, mas
quem é que no seu perfeito juízo vai sair agora, quando o desemprego regista
máximos sucessivos? Ainda por cima quando os apoios no desemprego são mal
esclarecidos.
A marcação de posição de Paulo Portas é algo que, por um
lado, se saúda, pela clarificação que traz em relação a todos os rumores que
circulavam de fortes tensões dentro do governo e da coligação. Mas, por outro
lado, é imperioso reconhecer que esta posição é pura demagogia, já que não
apresenta qualquer tipo de remédio alternativo.
Voltando à ameaça do governo, o fim do euro permaneceu,
durante longo tempo, um grande tabu, de discussão proibida.
Ainda antes da criação do euro, houve várias vozes que
apontaram para o previsível fracasso deste projecto europeu. A resposta oficial
inicial era a de que falar no fim do euro era uma impossibilidade, legalmente
estabelecida e equivalente a imaginar elefantes a voar.
Desde que a crise do euro se iniciou, em 2009, iniciou-se
uma segunda fase da quebra do tabu do fim do euro, dominado por autores de fora
da zona do euro.
Uma terceira fase, com início incerto, corresponde à dos
economistas de países da zona do euro a falarem sobre esta possibilidade ou,
mesmo, desta inevitabilidade. Aí tentou-se proibir de pensar e de falar, com medo
das suas consequências.
A quarta fase, que vivemos presentemente, corresponde à
circunstância de este tema passar a fazer parte do discurso oficial de vários
Estados-Membros do euro. O governo português pisou agora este risco.
Parece que o governo imagina que a ameaça é tão terrível,
que irá levar todos a aceitar tudo. Pois a leitura que faço é radicalmente
diferente. Por um lado, o executivo afirma que a saída do euro está muito longe
de ser uma impossibilidade e bem próxima de ser possível. Por outro lado, dado
que a margem para errar, mesmo depois da saída da troika, é muito limitada e, acrescento eu, a experiência recente
tem sido a de erros sucessivos, mesmo do actual governo, então a saída do euro
acaba por ser a hipótese mais provável.
Se sair do euro é o mais provável, muito poderão pensar: para
quê aceitar medidas draconianas se elas não servem para impedir o inevitável?
Assim, ao invés de conseguir o acordo de todos, o governo
poderá estar a criar o máximo de oposição. Para além disso, pode bem
desencadear uma fuga de depósitos, com o receio da tal desvalorização de que o
primeiro-ministro falou, acelerando o próprio processo de saída do euro.
Já agora, por uma questão de coerência, se o governo acha
que a saída do euro está em cima da mesa, então deveria tomar medidas de
cautela básicas, nomeadamente mandando imprimir notas e cunhar moedas para a
eventualidade de voltarmos para o escudo.
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