A ideologia sobre as políticas públicas tende a oscilar
entre dois polos: o Estado e o mercado. A partir dos anos 30 do século passado,
o pêndulo estava claramente do lado do Estado, com uma clara preferência por
políticas intervencionistas.
Nos anos 70 deu-se uma clara alteração deste estado de
coisas, primeiro com os fracassos económicos do intervencionismo, com o
surgimento da estagflação: inflação e desemprego elevados; depois com a
valorização dos teóricos liberais, como Hayek e Friedman, prémios Nobel da
economia em 1974 e 1976, respectivamente; e, finalmente, com a ascensão ao
poder de políticos liberais, como Thatcher e Reagan, em 1979 e 1981,
respectivamente.
Thatcher lançou um programa de liberalização da economia,
com privatizações maciças, que acabaram por contagiar a generalidade dos
países, para além do contributo para a liberalização política, nomeadamente
para a queda dos regimes comunistas.
Julgo que se deve elogiar a inovação empresarial versus uma
demasiado frequente inércia burocrática do Estado. Por outro lado, se as
empresas se desviam do bem comum, que nem é o seu propósito central, é também vulgar
isso acontecer no Estado, onde o bem estar geral deveria ser acautelado.
Mas a vitória política – relativa – liberal, dos mercados
sobre o Estado, encerra em si uma dura ironia.
É que há várias estruturas de mercado possíveis, desde o
extremo da concorrência perfeita, passando pelos oligopólios (mercados com
poucas empresas, com poder de influenciar os preços), até ao outro extremo, o
monopólio, onde o poder de mercado é máximo.
Do ponto de vista teórico, os mercados de concorrência
perfeita apresentam vantagens admiráveis, por produzirem os resultados mais
eficientes e por serem os mais equitativos. Já os mercados em oligopólio e
monopólio são muito menos interessantes, por produzirem ineficiências e graves
problemas de equidade.
Ou seja, a defesa do “mercado” só faz verdadeiramente
sentido quando falamos de mercados de concorrência perfeita ou perto disso, já
que nos outros casos é necessária uma forte intervenção do Estado (que só em
teoria é que funciona bem), para minorar as sérias deficiências que as outras
estruturas de mercado encerram.
Há aqui dois problemas. Por um lado, a sofisticação das
economias e dos produtos afasta-nos cada vez mais do paradigma da concorrência
perfeita. Por outro, deixadas a si próprias, as empresas farão tudo para se
desviarem da concorrência perfeita, onde os lucros são mínimos.
Assim, deixados a si próprios, os mercados tenderão,
naturalmente, a produzir os piores resultados, o mais afastados possível do
caso em que os mercados produzem as consequências socialmente mais
interessantes (em concorrência perfeita).
Gerou-se então um grave equívoco, que designei de “dura
ironia”, em que, quanto mais se defende a liberdade dos mercados (a menor
intervenção pública possível), mais nos afastamos das vantagens dos mercados.
O cúmulo desta “dura ironia” ocorreu com a liberalização
financeira da primeira década do século XXI. Ao permitir a criação de um
sistema financeiro e bancário “sombra”, sujeito a uma regulamentação mínima,
permitiram-se os maiores desmandos, que deram origem à crise financeira
iniciada em 2007, que colocou o mundo na mais grave crise económica desde a
Grande Depressão, iniciada em 1929.
O sucesso político do liberalismo não só trouxe esta grande
crise, como trouxe mudanças profundas em termos sociais, com uma profunda
alteração dos valores sociais. Uma das mais graves foi a transformação da
ganância numa virtude, uma das novidades mais lamentáveis.
O mundo não pára e, havendo muitos aspectos interessantes a reter do
liberalismo, há também muitas correcções a fazer.
[publicado no i, a 17 Abril 2013]
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