Todos os orçamentos
das próximas décadas podem-se dividir em duas categorias: os quase impossíveis
e os dificílimos
Os tribunais comuns e mesmo os especializados precisam de
assessoria sobre matérias não jurídicas mas, infelizmente, é raro recorrerem a
elas. O Tribunal Constitucional (TC), perante a avaliação do orçamento de 2013,
também deveria ter pedido auxílio sobre economia e contas públicas, para
decidir melhor.
O TC pareceu estar alheado do enquadramento económico e
financeiro em que o país está, mas teve o cuidado de anunciar a sua decisão, na
sexta-feira ao final da tarde, depois dos mercados financeiros terem fechado.
Esta escolha revelou-se duplamente sensata. Por um lado, salvou o tribunal de
ser o responsável por uma subida imediata das taxas de juro, o que tornaria
evidente para todos as consequências das suas decisões. Por outro, deu tempo ao
governo para reagir, que este aproveitou.
Ou seja, a reacção de segunda-feira nos mercados já foi um
misto da novidade do acórdão do TC, com a resposta do governo de encontrar
alternativas sem recorrer à subida de impostos. Atendendo à subida moderada das
taxas de juro da dívida portuguesa pode-se dizer que, para já, o governo mantém
a confiança dos mercados, aguardando-se que medidas concretas irá propor e como
estas serão avaliadas pela troika.
Deve dizer-se que o TC parece não se dar bem com cortes dos
salários nominais. Mas cortes de salários reais muitíssimo maiores foram
perfeitamente constitucionais em 1978 e 1983 quando Portugal teve de recorrer
ao FMI. Portanto parece que a nossa Constituição só se dá bem em períodos com a
inflação elevada. Parece que não podemos corrigir as nossas contas públicas sem
inflação e dento do euro. As medidas que foram constitucionais em 1978 e 1983
agora não o são. Só serão constitucionais se Portugal sair do euro? Portanto,
em certo sentido, o risco é o de que se não conseguirmos reduzir as contas
públicas e cumprir o Memorando vamos entrar em bancarrota e ser forçados a sair
do euro, o que seria perfeitamente conforme a Constituição.
Uma das ideias do TC que mais choca é a ideia, repetida, de
que os cortes podem ser temporários, devendo o executivo procurar alternativas
entretanto. Mas que alternativas? Despedimentos em massa na função pública?
Em relação a esta fantasia de que estamos perante um
problema temporário, é preciso salientar, em primeiro lugar, que ainda faltam
muitos anos até conseguirmos baixar o défice para níveis claramente inferiores
a 3% do PIB. A experiência recente, de sucessivos adiamentos desta meta, sugere
que ainda haverá novos adiamentos, não só devido à conjuntura portuguesa, mas também
devido às dificuldades da economia europeia, destino destacado das nossas
exportações.
Em segundo lugar, o nível elevadíssimo de dívida pública que
acumulámos até aqui (mais de 120% do PIB) vai colocar uma pressão brutal sobre
as contas públicas durante as próximas décadas, em que qualquer desvio,
infelizmente demasiado provável, corre o risco de a tornar insustentável.
Em terceiro lugar, os compromissos com as PPP constituem uma
dívida pública “sombra”, a somar à dívida directa, agravando os riscos já
referidos.
Em quarto lugar, Portugal está a sofrer um dos mais rápidos processos
de envelhecimento da população, fenómeno que não tem fim à vista. Este
envelhecimento coloca uma pressão esmagadora sobre as contas públicas por duas
vias: pelos encargos com a saúde, agravados pelos progressos tecnológicos; e pelos
encargos com as pensões, que terão que sofrer reformas profundas e drásticas.
Assim, todos os orçamentos das próximas décadas podem-se
dividir em duas categorias: os quase impossíveis e os dificílimos. É favor
acabar com a fantasia de que estamos a passar por uma dificuldade temporária.
[publicado no i, a 10 Abril 2013]
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