A Alemanha foi forçada
a aderir ao euro e adquiriu imenso poder, quase contra a sua vontade
A UE foi construída para garantir a paz na Europa, mas
também para conter a Alemanha, que iniciou as duas guerras mundiais. Com a
queda do muro de Berlim em 1989, abriu-se o caminho para a reunificação alemã,
que teve lugar no ano seguinte.
No entanto, aquele processo de engrandecimento veio gerar
uma enorme preocupação junto dos seus parceiros comunitários, que quase o
tentaram impedir. A forma de contornar a questão foi forçar a Alemanha a
aceitar ceder o marco alemão e trocá-lo pelo euro.
Dada a evolução histórica, em que a Alemanha passou a
dominar decisivamente o euro e, em grande medida, a UE, já muita gente esqueceu
o início deste processo. Há imensa gente que está firmemente convencida que o
euro foi uma ideia germânica, para dominar a Europa. Mas a origem da moeda
única é exactamente a oposta: o euro foi criado para impedir que a Alemanha
ficasse com demasiado poder e foi dificílimo conseguir que o eleitorado alemão
prescindisse do seu marco, um símbolo decisivo do pós-guerra germânico.
Mas então, o que fez que a Alemanha adquirisse tanto poder
dentro da UE e do euro?
Ainda antes da reunificação, a Alemanha já tinha a maior
economia da UE. Com a reunificação, distanciou-se ainda mais da dimensão dos
maiores países da UE.
A Alemanha é o maior contribuinte líquido para o orçamento
comunitário por duas razões. Desde logo por ser a maior economia e fazer parte
do grupo dos mais ricos. Por outro lado, por não ter nenhuma especificidade que
a leve a diminuir esta contribuição.
O Reino Unido, desde o tempo de Margaret Thatcher, negociou
receber de volta o “cheque britânico”, que lhe limita claramente a
contribuição. A França, é o maior beneficiário da Política Agrícola Comum
(PAC), a cuja reforma se tem oposto de forma escandalosa. A Alemanha, muito
provavelmente devido à sua má consciência em relação à II Guerra Mundial, não
tem regateado a sua generosa contribuição financeira para as contas
comunitárias.
De novo por força da sua dimensão económica, a Alemanha é
também o maior contribuinte para o financiamento dos resgates a todos os países
que já solicitaram ajuda durante o período da crise do euro. Como já alguém
disse “quem paga, manda”.
Uma das imagens de marca do “milagre alemão” do pós-guerra é
o seu sucesso exportador, que gerou continuados superavits externos. Esta
característica foi interrompida nos anos 90, fruto da enorme despesa realizada
com a reunificação, mas foi recuperada no início do século XXI.
Dentro do euro, este superavit externo fez com que o
Bundesbank passasse a ser o grande credor dos bancos centrais dos países
periféricos, quase todos eles com graves défices de contas externas.
A condição de grande credor confere-lhe, obviamente, não só
um grande interesse como um grande poder sobre os países devedores, que foram
acumulando dívidas externas gigantescas, com destaque para o caso da Grécia e
de Portugal.
Um dos mais claros sucessos da Alemanha do pós-guerra foi a
sua capacidade de gerar, em simultâneo, uma das inflações mais baixas da Europa
e superavits externos significativos e continuados.
Este sucesso produziu uma sustentada apreciação do marco
alemão face à generalidade das moedas europeias durante todo o pós-guerra e uma
enorme credibilidade monetária deste Estado.
Em resultado de tudo isto, a Alemanha conquistou o estatuto
de “país refúgio” dentro da zona do euro. Isto criou uma procura extraordinária
de activos alemães, em particular de dívida pública, que este país chegou a
conseguir colocar a taxas de juro nominais negativas.
Todas estas razões conferem à Alemanha um poder natural
dentro do euro. Para além deste poder natural existem mais duas razões, de
outra natureza, que aumentam o poder germânico. A primeira é que este país foi
forçado a aderir ao euro e exigiu como contrapartida que a nova moeda fosse
desenhada à imagem e semelhança do marco alemão. Assim, qualquer desvio do
traçado inicial conhecerá uma fortíssima oposição alemã. A segunda razão é que
ao eleitorado alemão foi garantido que nunca teriam que pagar as dívidas de
outros e é isto que justifica muita da intransigência de Merkel.
[publicado no i, a 3 Abril 2013]
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