António Costa faz um
diagnóstico errado da origem dos problemas do país e daí só podem decorrer
terapias erradas
António Costa, no seu manifesto eleitoral, “uma agenda para
uma década”, começa por afirmar: “A criação do euro, o alargamento da União
Europeia a leste, a entrada da China nos mecanismos internacionais do Comércio
Livre constituíram, no início deste século, um triplo choque, brutal para as
debilidades estruturais da economia portuguesa.”
Esta é uma tentativa de desresponsabilizar os governos
portugueses, pelos graves erros cometidos. Antes do mais, convém esclarecer que
um choque externo nunca é apenas um choque externo. Há sempre um conjunto de
políticas públicas que o precedem, que podem tornar o país mais robusto ou mais
frágil no momento do choque e há as políticas de resposta ao choque, que o
podem minimizar ou maximizar.
Comecemos por precisar as datas daqueles choques, para se
perceber quão forçada é a sua alegação. O euro iniciou-se em 1999, o
alargamento a Leste ocorreu em 2004 e a China registava crescimento de dois
dígitos das exportações desde o início dos anos 90.
Para além disso, convém salientar que estes três choques
foram anunciados com uma enorme antecedência. A criação do euro foi
estabelecida no Tratado de Maastricht, em 1992; o alargamento da UE ao Leste
europeu foi o culminar de um processo, iniciado com a queda do muro de Berlim
em 1989; a adesão da China à globalização começou com as reformas conduzidas
por Deng Xiaoping, desde 1978.
É mais do que evidente que nenhum governo português pode
alegar que, de repente, no ano 2000, o país foi confrontado com mudanças
inesperadas, para as quais era impossível estar preparado.
Em 1991, o governo negociou o investimento da Auto-Europa,
que iniciou a produção em 1995. Este foi o último (!) grande investimento em
Portugal, constituindo uma resposta evidente e correcta aos desafios que a
liberalização das economias do Leste europeu estava a colocar a Portugal. O que
fizeram os governos seguintes, para fazer face ao dificílimo desafio da
globalização, para o qual Portugal estava numa posição especialmente frágil?
Resolveram ignorar o problema e espatifar o dinheiro dos contribuintes e dos
credores externos em auto-estradas sem tráfego, em estádios de futebol e em
rotundas (no caso das autarquias), “investimentos” que jamais poderiam melhorar
a nossa competitividade.
Mas fizeram ainda pior: conseguiram transformar a criação do
euro, que poderia ter sido boa para Portugal, numa calamidade. Sem perceber a
lógica dos critérios de Maastricht sobre as contas públicas, resolveram
aldrabá-los, recorrendo às PPP rodoviárias, duplicando os custos em juros e gerando
um sobre-aquecimento da economia, quando a drástica descida das taxas de juro,
associada à adesão ao euro, já estava a criar com um excesso de procura. Todos
estes erros traduziram-se em défices externos mirabolantes e numa grave perda
de competitividade. Em vez de minimizarem os riscos da globalização,
maximizaram-nos!
O sector exportador, onde tipicamente se registam os mais
elevados crescimentos de produtividade, foi esmagado e isso conduziu a uma
perda do nosso potencial de crescimento, que já dura há 15 anos, e que
constitui uma das maiores ameaças ao Estado social, à prosperidade e ao
emprego.
Não foram os choques externos, comuns a tantos outros
países, em especial no caso da globalização, que destruíram o nosso potencial
de crescimento, mas antes as políticas públicas completamente erradas, com
particular destaque para a dupla Guterres/Sousa-Franco.
António Costa também defende a ideia absurda de que as
finanças públicas são um problema de “curto prazo”, esquecendo o “óbvio
ululante”, de que nos defrontamos com problemas nesta área desde 2001 e
deveremos ter ainda duas décadas difíceis pela frente. As contas daquele ano
conseguiram duas “proezas”: Portugal foi o primeiro país do euro a apresentar
um “défice excessivo” e o primeiro Estado a enganar – descaradamente – os seus
parceiros comunitários. Espantosamente, o ministro das Finanças que presidiu a
este descalabro das contas públicas, Oliveira Martins, foi nomeado presidente
do Tribunal de Contas. (Continua).
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
Não se preocupe Dr Braz Teixeira por o Costa quando tiver à vista o pote do mel amaciará e ganhará lucidez e realismo...
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