Rui Peres Jorge, jornalista deste periódico, escreveu um
livro interessante (2014, A Esfera dos Livros) sobre a acção da troika em Portugal, que recomendo.
Sem querer desmerecer a qualidade deste trabalho, penso que
é importante distinguir entre os erros da troika
em Portugal e os erros destas instituições na gestão da crise do euro, que não
são específicos do nosso país. Neste segundo grupo estão aquilo que o autor
designou como erros 2 (“A apologia da austeridade por toda a Europa”), 3 (“O
poder da negação dos desequilíbrios Norte-Sul”) e 4 (“A excessiva protecção dos
bancos (e a recusa das restruturações)”).
Pessoalmente, preferia que tivesse sido dada maior
importância e de forma mais destacada às razões não imediatas que nos levaram a
pedir ajuda à troika. Desde 1996 que
Portugal apresentou défice externos significativos, agravados por políticas
erradas, que nos conduziram à estagnação económica desde 2000. Até para
desfazer qualquer tipo de ideia que só a troika
cometeu erros.
O primeiro capítulo, sobre a “génese do memorando”, é muito
interessante pela descrição das lutas entre os elementos da troika, embora não fiquemos a saber
muito sobre a posição dos negociadores portugueses. Em geral, diria que há uma
menorização das responsabilidades portuguesas, antes e durante o programa de
ajustamento.
Considero os erros da troika
destacados como correctos, salvo a ressalva referida acima. Como é evidente,
há, aqui e ali, ideias com que discordo, mas tem que se reconhecer que, em
geral, elas são fundamentadas, com recurso frequente a bibliografia
especializada.
As minhas divergências essenciais dizem respeito à questão
salarial (cap. VI) e ao Tribunal Constitucional (TC, cap. X). Não concordo que a
troika tenha “sobreavaliado o
contributo dos custos laborais para a fraca competitividade das empresas” (p.
97), mas, lá está, o autor afirma isto com base em estudos de Miguel Lebre de
Freitas.
Em relação ao TC, devo começar por esclarecer que este não é
detentor da verdade absoluta, tal como nenhum outro o é, havendo em Portugal um
excessivo défice de crítica às decisões – demasiadas vezes – injustas,
insensatas e abusivas do poder executivo dos nossos tribunais.
Considero que o TC tem vindo a desrespeitar reiteradamente o
princípio de separação de poderes e tem-se apropriado de poderes do poder
executivo. Quando se declaram inconstitucionalidades com base em princípios que
nem sequer estão explicitamente na Constituição, está-se a abrir a porta para
todo o tipo de abusos do TC. Esta é, aliás, uma ideia básica da teoria
constitucional. Por tudo isto, em vários casos considero que o TC errou, embora
por vezes o governo também não tenha feito o seu trabalho de casa como deveria.
Como comentário final, gostaria de dizer que o trabalho de
edição poderia ter sido mais cuidadoso. Os gráficos das páginas 46 e 47
deveriam estar harmonizados; na p. 51 não deveria aparecer “este ano”, mas “em
2014”, porque o livro continuará a ser lido no futuro; na p. 75, “aquiles”
deveria aparecer em maiúscula, para além de outras pequenas questões.
[Publicado
no Jornal de Negócios]
Sem comentários:
Enviar um comentário