quinta-feira, 17 de julho de 2014

“Os 10 erros da troika em Portugal”

Rui Peres Jorge, jornalista deste periódico, escreveu um livro interessante (2014, A Esfera dos Livros) sobre a acção da troika em Portugal, que recomendo. 

Sem querer desmerecer a qualidade deste trabalho, penso que é importante distinguir entre os erros da troika em Portugal e os erros destas instituições na gestão da crise do euro, que não são específicos do nosso país. Neste segundo grupo estão aquilo que o autor designou como erros 2 (“A apologia da austeridade por toda a Europa”), 3 (“O poder da negação dos desequilíbrios Norte-Sul”) e 4 (“A excessiva protecção dos bancos (e a recusa das restruturações)”).

Pessoalmente, preferia que tivesse sido dada maior importância e de forma mais destacada às razões não imediatas que nos levaram a pedir ajuda à troika. Desde 1996 que Portugal apresentou défice externos significativos, agravados por políticas erradas, que nos conduziram à estagnação económica desde 2000. Até para desfazer qualquer tipo de ideia que só a troika cometeu erros.

O primeiro capítulo, sobre a “génese do memorando”, é muito interessante pela descrição das lutas entre os elementos da troika, embora não fiquemos a saber muito sobre a posição dos negociadores portugueses. Em geral, diria que há uma menorização das responsabilidades portuguesas, antes e durante o programa de ajustamento.

Considero os erros da troika destacados como correctos, salvo a ressalva referida acima. Como é evidente, há, aqui e ali, ideias com que discordo, mas tem que se reconhecer que, em geral, elas são fundamentadas, com recurso frequente a bibliografia especializada.

As minhas divergências essenciais dizem respeito à questão salarial (cap. VI) e ao Tribunal Constitucional (TC, cap. X). Não concordo que a troika tenha “sobreavaliado o contributo dos custos laborais para a fraca competitividade das empresas” (p. 97), mas, lá está, o autor afirma isto com base em estudos de Miguel Lebre de Freitas.

Em relação ao TC, devo começar por esclarecer que este não é detentor da verdade absoluta, tal como nenhum outro o é, havendo em Portugal um excessivo défice de crítica às decisões – demasiadas vezes – injustas, insensatas e abusivas do poder executivo dos nossos tribunais.

Considero que o TC tem vindo a desrespeitar reiteradamente o princípio de separação de poderes e tem-se apropriado de poderes do poder executivo. Quando se declaram inconstitucionalidades com base em princípios que nem sequer estão explicitamente na Constituição, está-se a abrir a porta para todo o tipo de abusos do TC. Esta é, aliás, uma ideia básica da teoria constitucional. Por tudo isto, em vários casos considero que o TC errou, embora por vezes o governo também não tenha feito o seu trabalho de casa como deveria.

Como comentário final, gostaria de dizer que o trabalho de edição poderia ter sido mais cuidadoso. Os gráficos das páginas 46 e 47 deveriam estar harmonizados; na p. 51 não deveria aparecer “este ano”, mas “em 2014”, porque o livro continuará a ser lido no futuro; na p. 75, “aquiles” deveria aparecer em maiúscula, para além de outras pequenas questões.


[Publicado no Jornal de Negócios]

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