O Banco de Portugal
deve deixar-se de pruridos legalistas e exigir o máximo de informação sobre todo
o GES
Vou começar por tentar descrever o Grupo Espírito Santo
(GES), de forma incompleta e possivelmente incorrecta, dadas as lacunas de
informação pública, inclusive nos sites do grupo, onde está desactualizada.
A empresa no topo do grupo é a Espírito Santo Control, que
detém 56,5% da Espírito Santo International (ESI), única dona da Rioforte, que
controla totalmente a ES Irmãos SGPS S.A, que possui 49,4% da Espírito Santo
Financial Group (ESFG), que detém 100,0% da ESF (Portugal), que, finalmente, é
proprietária de 25,1% do BES. Por isto, e se estes números estiverem correctos,
o GES apenas possui 7% do BES.
Segundo as notícias que têm vindo a público, a ESI está
insolvente, ou seja, tem mais dívidas do que activos. Para além disso, todo o
grupo está com graves problemas de liquidez, por ter passado a estar impedido
de recorrer ao BES.
Colocam-se três soluções ao ESI. A primeira seria a família
recorrer aos activos que detém fora destas holdings para aumentar o capital
desta empresa e eliminar a situação de insolvência. Presumo que uns ramos familiares
não terão fundos suficientes e os que os têm poderão não estar interessados no
negócio.
A segunda solução seria a liquidação da ESI, que se
traduziria no desaparecimento puro e simples do GES.
A terceira solução parece estar em curso e passa pela
restruturação da dívida, transformando parte desta para acções. Parece
evidente, embora as notícias nada digam sobre isto, que, antes da
restruturação, os actuais accionistas devam assumir fortes perdas. Se o GES
assumir perdas de 99% no capital da ESI ficaria sem qualquer poder sobre todo o
resto do grupo. Restar-lhe-ia comprar novas acções aos credores, com os tais
fundos fora das holdings, para recuperar algum poder. Se a ESI fosse colocada
em bolsa isso, pelo menos, daria liquidez aos novos accionistas. Também parece
que seria vantajoso cotar a Rioforte em Lisboa.
Devido ao desconhecimento dos números concretos e mil outras
variáveis é difícil prever o desfecho final, mas há fortes indícios de que o
GES venha a perder o BES.
Ao longo dos próximos tempos o nome “Espírito Santo”,
presente em inúmeras holdings, vai aparecer associado a palavras como
“atrasou-se no pagamento”, “não pagou”, “restruturação de dívida”, “falido”.
Como é possível imaginar que isso não vai provocar graves problemas
reputacionais e de negócio ao BES? Bem se pode dizer que o BES está imune aos
problemas do GES, que isso não convencerá nem o homem da rua nem os
investidores internacionais.
O Banco de Portugal deve deixar-se de pruridos legalistas e
exigir o máximo de informação sobre todo o GES. Os contribuintes portugueses já
suportaram perdas elevadíssimas, de milhares de milhões de euros, para suportar
o risco sistémico da banca. É certo que a nacionalização do BPN foi errada,
deveria ter incluído a SLN, que a gestão posterior foi grotesca (com
administradores que não se percebe como foram aprovados pelo Banco de Portugal),
mas parte do custo pago pelos contribuintes foi para preservar todos os outros
bancos.
Se os contribuintes têm que pagar uma factura tão pesada
pelo risco sistémico da banca, então a contrapartida mínima que se tem que
exigir aos bancos é a prestação do máximo de informação aos reguladores. O
Banco de Portugal deve ter a leitura mais lata possível da legislação em vigor para
ir o mais longe possível na investigação de todo o GES. Parece evidente que se
impõe conhecer toda a informação relativa a todas as holdings do grupo até à Espírito
Santo Control, todas elas empresas com risco de contaminação da reputação do
BES.
Para além de que chegámos a este ponto não apenas devido ao
azar da crise internacional, mas também a doses significativas de falta de
competência e ilegalidades, para não lhe chamar nomes piores. Quem fez o que
fez só pode estar sob a máxima vigilância. Seria absolutamente imperdoável a
repetição de erros de supervisão, como os que ocorreram no passado recente.
Finalmente, será necessário acompanhar todo o previsível
desmantelamento do GES, que deverá ter como desfecho a venda da participação no
BES, cujo comprador deverá ter a sua idoneidade cabalmente demonstrada.
[Publicado no jornal “i”]
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