quarta-feira, 23 de julho de 2014

Rever a supervisão

O Banco de Portugal está a necessitar de rever e alargar – na prática – as suas actividades de supervisão bancária

Depois do desastre que foi a supervisão do Banco de Portugal no caso do BPN, em que os primeiros sinais de fumo surgiram em 2001 e a intervenção só ocorreu mais de sete anos depois, esperar-se-ia que o nosso banco central tivesse aprendido a lição e tivesse mudado de atitude nesta sua função.

Infelizmente, pelo que nos tem sido dado a observar, só parcialmente isso é verdade. Na penúltima operação de aumento de capital do BES, forçada pela troika, este banco não recorreu a fundos públicos. “Toda a gente” comentava que isso tinha acontecido porque este banco queria evitar que o Estado e o Banco de Portugal tomassem conhecimento da sua verdadeira situação. Como se pode verificar hoje, estes rumores eram totalmente fundamentados. Mas, muito pior do que isso, foi a forma como o BES “resolveu” a questão deste aumento de capital.

Aparentemente (há ainda demasiadas lacunas na informação disponível), o GES endividou-se para realizar aquela operação, colocando-se numa posição de especial fragilidade, em particular porque não teve o cuidado de procurar financiamento de médio prazo, antes recorreu a fundos de curto prazo, mais baratos, mas muito mais perigosos, porque instáveis. O mais grave de tudo é que o papel comercial relativo a este financiamento foi colocado, em larga escala, junto de clientes do BES. Ou seja, em larga medida, este aumento de capital é uma gigantesca ficção.

No caso limite, em que todo o financiamento do aumento de capital tivesse vindo de clientes do BES, a falência do GES levaria os clientes do banco a pedir indemnizações ao BES, que perderia todo o aumento de capital.

Como é que o Banco de Portugal permitiu que esta rocambolesca operação lhe passasse completamente ao lado? Sobretudo, porque se continua a auto-limitar nas matérias e instituições que fiscaliza.

O mais recente aumento de capital do BES, ocorrido há poucos meses, traça uma imagem ainda mais negra da supervisão, porque já se conheciam imensos problemas e, pouquíssimo tempo depois, tudo está muito mais grave. Os investidores estrangeiros que subscreveram estas novas acções têm tecido considerações justificadamente muito negativas sobre a condição actual da nossa supervisão.

Entendo que o nosso banco central deve olhar para a supervisão, fiscalização e protecção do cliente bancário de forma muito mais alargada. O Banco de Portugal tem que assumir – na prática – que uma das suas funções essenciais é a protecção dos clientes bancários. Isso constituirá, aliás, um poderosíssimo instrumento de supervisão. Um banco que apresente reiteradas más práticas terá, com elevada probabilidade, problemas sérios que precisam de ser investigados.

Para além disso, toda e qualquer actividade realizada actualmente pelos bancos em Portugal deve ser ou supervisionada e fiscalizada pelo Banco de Portugal ou não autorizada. Se a actual legislação não permite a supervisão do banco central sobre determinada actividade, ela deve ser suspensa até a legislação ser alterada, para permitir aquela actuação.

Todos os colaboradores do banco central devem perceber – de forma claríssima – que o objectivo final da supervisão não é o cumprimento legalista da lei. Os verdadeiros objectivos são a protecção dos depósitos de milhões de pessoas e a fluidez do crédito à economia, que permita um crescimento saudável e gerador de emprego, sujeitos à restrição do cumprimento da lei. Mas a lei deve ser lida da forma mais lata possível, tendo em atenção quais são, em última análise, os objectivos essenciais da supervisão bancária.

PS. Saúda-se a divulgação do novo Portal da Transparência Municipal, onde se pode aferir muito melhor o que as autarquias estão a fazer de bom e de menos bom. Infelizmente, não se percebendo muito bem porquê, as comparações entre municípios estão limitadas a 25 autarquias. Espero bem que alguém se dê ao trabalho de extrair toda a base de dados e a coloque online, para eliminar esta restrição à informação e este obstáculo à transparência.


[Publicado no jornal “i”]

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