O Banco de Portugal
está a necessitar de rever e alargar – na prática – as suas actividades de
supervisão bancária
Depois do desastre que foi a supervisão do Banco de Portugal
no caso do BPN, em que os primeiros sinais de fumo surgiram em 2001 e a intervenção
só ocorreu mais de sete anos depois, esperar-se-ia que o nosso banco central
tivesse aprendido a lição e tivesse mudado de atitude nesta sua função.
Infelizmente, pelo que nos tem sido dado a observar, só
parcialmente isso é verdade. Na penúltima operação de aumento de capital do
BES, forçada pela troika, este banco
não recorreu a fundos públicos. “Toda a gente” comentava que isso tinha
acontecido porque este banco queria evitar que o Estado e o Banco de Portugal
tomassem conhecimento da sua verdadeira situação. Como se pode verificar hoje,
estes rumores eram totalmente fundamentados. Mas, muito pior do que isso, foi a
forma como o BES “resolveu” a questão deste aumento de capital.
Aparentemente (há ainda demasiadas lacunas na informação
disponível), o GES endividou-se para realizar aquela operação, colocando-se
numa posição de especial fragilidade, em particular porque não teve o cuidado
de procurar financiamento de médio prazo, antes recorreu a fundos de curto
prazo, mais baratos, mas muito mais perigosos, porque instáveis. O mais grave
de tudo é que o papel comercial relativo a este financiamento foi colocado, em
larga escala, junto de clientes do BES. Ou seja, em larga medida, este aumento
de capital é uma gigantesca ficção.
No caso limite, em que todo o financiamento do aumento de
capital tivesse vindo de clientes do BES, a falência do GES levaria os clientes
do banco a pedir indemnizações ao BES, que perderia todo o aumento de capital.
Como é que o Banco de Portugal permitiu que esta
rocambolesca operação lhe passasse completamente ao lado? Sobretudo, porque se
continua a auto-limitar nas matérias e instituições que fiscaliza.
O mais recente aumento de capital do BES, ocorrido há poucos
meses, traça uma imagem ainda mais negra da supervisão, porque já se conheciam
imensos problemas e, pouquíssimo tempo depois, tudo está muito mais grave. Os
investidores estrangeiros que subscreveram estas novas acções têm tecido
considerações justificadamente muito negativas sobre a condição actual da nossa
supervisão.
Entendo que o nosso banco central deve olhar para a
supervisão, fiscalização e protecção do cliente bancário de forma muito mais
alargada. O Banco de Portugal tem que assumir – na prática – que uma das suas
funções essenciais é a protecção dos clientes bancários. Isso constituirá,
aliás, um poderosíssimo instrumento de supervisão. Um banco que apresente
reiteradas más práticas terá, com elevada probabilidade, problemas sérios que
precisam de ser investigados.
Para além disso, toda e qualquer actividade realizada
actualmente pelos bancos em Portugal deve ser ou supervisionada e fiscalizada
pelo Banco de Portugal ou não autorizada. Se a actual legislação não permite a
supervisão do banco central sobre determinada actividade, ela deve ser suspensa
até a legislação ser alterada, para permitir aquela actuação.
Todos os colaboradores do banco central devem perceber – de
forma claríssima – que o objectivo final da supervisão não é o cumprimento legalista
da lei. Os verdadeiros objectivos são a protecção dos depósitos de milhões de
pessoas e a fluidez do crédito à economia, que permita um crescimento saudável
e gerador de emprego, sujeitos à restrição do cumprimento da lei. Mas a lei
deve ser lida da forma mais lata possível, tendo em atenção quais são, em
última análise, os objectivos essenciais da supervisão bancária.
PS. Saúda-se a divulgação do novo Portal da Transparência
Municipal, onde se pode aferir muito melhor o que as autarquias estão a fazer
de bom e de menos bom. Infelizmente, não se percebendo muito bem porquê, as
comparações entre municípios estão limitadas a 25 autarquias. Espero bem que
alguém se dê ao trabalho de extrair toda a base de dados e a coloque online,
para eliminar esta restrição à informação e este obstáculo à transparência.
[Publicado no jornal “i”]
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