A fantasia de “uma
nova leitura do Tratado Orçamental” irá necessariamente esbarrar na
intransigência alemã
Retomando a análise das propostas de António Costa, gostava
de vos convidar a imaginar como seria hoje o país, se os sucessivos governos
tivessem fixado o objectivo (e o tivessem alcançado) de angariar o equivalente
a uma Auto-Europa de cinco em cinco anos, em vez da disparatada aposta no betão
(sempre muito amigo da corrupção). Teríamos hoje cinco “Auto-Europas”, fortes
exportações, ausência de dívida externa e a troika
nunca teria sido necessária.
Uma das razões mais espúrias para não falar sobre as
finanças públicas seria a de que elas não explicariam esta crise, como se isso
fizesse desaparecer o grave problema.
Existe, de facto, uma tese, à primeira vista razoável, de
que Portugal foi compelido a pedir auxílio à troika, não tanto devido aos défices públicos, mas sobretudo devido
aos défices externos. O “ligeiro” problema com esta tese é que os défices externos
não surgiram do nada, antes resultaram de políticas orçamentais erradíssimas
que agravaram o défice externo e as perdas de competitividade e geraram uma
acumulação brutal de dívida externa.
Quanto à oposição à austeridade, digamos que há dois tipos
de argumentos de natureza e qualidade completamente distintas. Num primeiro
grupo, há aqueles que defendem que uma austeridade demasiado intensa e rápida
provoca estragos tão graves à economia, que acaba por ser contrária à própria
consolidação orçamental. Os defensores desta tese, na qual me incluo,
reconhecem a necessidade de austeridade e de profundas reformas na despesa
pública, mas reclamam um doseamento deste processo, para que se consiga um
efectivo travão no aumento da dívida pública. Se esta tese for defendida com
qualidade, com argumentação empírica sólida, é muito possível que consiga obter
o acordo e o apoio, quer da troika,
quer dos mercados.
No segundo grupo estão todos aqueles que vivem no mundo da
lua, que imaginam que a alternativa à actual austeridade é não haver
austeridade nenhuma, não fazer absolutamente nenhuma reforma da despesa pública
e continuar a gastar como dantes. Como é evidente, esta conversa não tem o
mínimo de credibilidade e será liminarmente recusada, quer pela troika, quer pelos mercados.
António Costa promete ser “batalhador” na Europa para lutar
por “uma nova leitura do Tratado Orçamental”, mas ainda ninguém percebeu – nem
o próprio – o que é que isto quer dizer em termos concretos. Só que é essencial
que este assunto seja esclarecido quanto antes, pois dele dependem todas as
excelsas propostas do candidato.
Imaginemos então dois tipos de propostas de releitura do
Tratado Orçamental, apresentadas por um conjunto alargado de chefes de governo
dos países periféricos. Num primeiro tipo, as propostas seriam de tal modo
ambiciosas que matariam as negociações antes mesmo de estas terem início. Num
segundo tipo, elas teriam que ser necessariamente modestas, para que um mínimo
de negociação pudesse ter lugar. Mesmo assim, a Alemanha adoptaria sempre uma
duríssima posição negocial, em que ligeiras concessões orçamentais teriam que
vir sempre acompanhadas de fortes e duras reformas estruturais.
Em conclusão, toda e qualquer alteração que venha a ser
feita daquele Tratado será sempre modesta e incapaz de acomodar as fantasias
orçamentais de António Costa. Escusa de vir sugerir que vai conseguir o
impossível, porque só quem quer ser enganado é que poderá engolir tal coisa.
Registe-se, aliás, a incoerência de dizer que as finanças ficam para depois,
mas a promessa de repor as pensões e “travar a austeridade” é já feita, apesar
das fortíssimas implicações orçamentais destas propostas.
De resto, a “agenda para a década” é um rosário de
vaguíssimas banalidades, formuladas em tom heróico, é certo, mas destituídas de
substância, às quais nem sequer falta o tema do mar, imitando Cavaco Silva, sem
lhe acrescentar nada. Tenho, aliás, imensa curiosidade em conhecer apenas um
exemplo de uma nova actividade associada à exploração da nossa alargada zona
marítima que tenha gerado um volume significativo de emprego. Peço desculpa
pela ousadia, mas é que até agora ainda não vimos nada.
[Publicado no jornal “i”]
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